O MacGuffin

quarta-feira, agosto 20, 2003

A POLÍTICA E A GUERRA
Mais uma discussão acalorada, mais um olhar de esguelha do gerente. É sempre assim. Sai-se com os amigos para jantar. Juntam-se à mesa personalidades tão diferentes como o Major Tomé, o Winnie The Pooh e Derrida. Rega-se a acidental perdiz com néctar de trincadeira e aragonês. Escolhem-se os temas da praxe (imperialismo, Iraque, EUA, imperialismo, EUA, imperialismo). A língua solta-se. Os gestos alargam-se. Os olhares afiam-se. O circo fica montado.
Desta vez, um dos meus amigos lançou para a mesa a seguinte tese: as guerras estão a matar a política. A prová-lo estão as intervenções bélicas norte-americanas: acções esvaziadas de conteúdo político, favoráveis a consensos forçados e não «naturais», impregnadas de interesses económicos, contrárias ao pluralismo e à diversidade.
Ora, eu pergunto: desde quando a guerra não é um acto político –de excepção, é certo, mas político? Desde quando a “acção”, sob as mais diversas formas (bélica, diplomática, económica, etc.), deixou de ser o fim último do exercício da política? Desde quando, em política, a união e a procura de consensos, em torno de uma determinada decisão, deixaram de ser comportáveis ou passaram a representar um sinal de despolitização? Será que em política a procura de unidade e de consensos não faz sentido ou enfraquece o seu exercício?
Não pretendo defender a ideia de que a unidade é boa e a multiplicidade ou a pluralidade inconsequentes. Nem sequer estou a defender a ideia de que a “política” é o “governo” e que, para “governar”, têm, por vezes, de ser tomadas decisões não necessariamente «honráveis». Na sua essência, a política é sobretudo um exercício de decisão, de acção e de poder. Quando os EUA, a Inglaterra e outros países ocidentais apoiaram a acção militar no Iraque, estivemos na presença de um acto político puro. Quando Tony Blair afirmou, após o 11 de Setembro, que “os perigos da inacção suplantariam em muito os da inacção”, essa frase está impregnada de política. Ela reflecte uma tomada de posição derivada da análise de uma realidade (mesmo que os “perigos” incluam também os de natureza económica, face à posição estratégica do Iraque em matéria de petróleo).
Quando o meu amigo reclama por espaço para «pensar», «compreender» e «analisar»; quando ele coloca a política numa extensão metafísica e imaterial, é bom não esquecer que em política poderá revelar-se totalmente inconsequente encetar um levantamento exaustivo de todas as mais diversas causas à face da terra para determinado problema - sejam elas objectivas e subjectivas, directas e indirectas, prováveis ou improváveis. Ir por esse caminho poderá ser a forma mais rápida de se chegar a um estado labiríntico de inacção face ao mal.
Há um tempo para pensar e outro para agir. Agir é, por vezes, a única saída que nos permite escapar da encruzilhada produzida por eternas reflexões – redondas, relativistas, inconsequentes – que concorrem para a tal “ingovernabilidade”.
No meio da confusão, esqueci-me de perguntar ao meu amigo: será que, ao contrário da “guerra”, o “terrorismo” já é um acto político?

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