Uma análise simplista
(Divertimento N.º 12 em Mi Bemol para orquestra de sopros e cordas; não levar a sério)
Um alienígena que visitasse, por estes dias, Portugal e pretendesse, por masoquismo, inteirar-se da cena política portuguesa, poderia facilmente ser levado a concluir, pelo tom lúgubre e o teor tremendista de certas intervenções, que no governo do país estaria o governo-patife de um partido-patife. Do outro lado, estaria um partido-herói chamado PS, fartíssimo da situação e empenhado na remoção do governo-patife do partido-patife – partido que, após décadas de permanência no poder, apesar de democraticamente legitimado, teria capturado as instituições do Estado, abusado da sua posição privilegiada, e conduzido um país que gozava de condições financeiras e económicas normais (ou até mesmo favoráveis), a um estado de pré-falência. A impaciência agressiva e exasperante de algumas figuras do partido-herói não deixaria margem para outras conclusões.
Aprofundando o tema em apreço, o alienígena chegaria a outra personagem do regime – um tal de Presidente da República –, aparentemente responsável por bloquear, há décadas, as intenções do partido-herói de remoção do governo-patife - e, por isso, visceralmente odiado por quem dele vinha exigindo a sumária demissão do governo-patife.
Pelo caminho, o alienígena teria dado conta de que o partido-herói andava entretido com uma coisa chamada «congresso», evento marcadamente imagético e propangadista, empenhado em entronizar um secretário-geral amado por um séquito; tolerado, por tacticismo, embora doutrinariamente odiado, por outro grupo; suportado, por camaradagem, pela generalidade das «bases»; e considerado, pela generalidade dos portugueses, como anémico e sofrível.
Tudo isto, concluiria o alienígena, em torno de uma santa causa: a remoção do governo-patife. Remoção que estaria, depreenderia, finalmente, o alienígena, iminente: “Seguro pede maioria absoluta mas promete governo coligado”, leria o alienígena num jornal de referência.
Por último, o alienígena visionaria, na televisão, uma outra figura política: a de um ex-primeiro-ministro, que teria governado num tempo já longínquo, e cuja agastada fácies e o permanente recurso a expressões marcadas pelo rancor, indiciaria ter sido alvo de grandes injustiças.
Nota final: nos últimos dezassete anos e meio, o Partido Socialista governou cerca de treze anos o país. Ou seja: 73% do tempo. Isto é: cerca de 3/4. Este governo está no poder há dois anos. Chegou ao poder com um programa de resgate para cumprir, que condicionaria indelevelmente as suas opções políticas. Aparentemente, dois anos é muito tempo. Não se pode, por isso, compreender como pode um PR ficar quietinho.
2 Comentários:
De há alguns meses para cá que temos directores de jornal e comentadores a dar conta da queda inevitável do governo, porque "está esgotado" ou porque as "cisões internas" são irreparáveis.
Com o PS a colocar as rodas dentadas da pré-pre-campanha em andamento, o entusiasmo destes directores e comentadores segue em crescendo.
E agora, pasme-se, não é que o Cavaco não dá a satisfação a esta gente, demitindo o governo? O desplante do homem! E assim, a pretexto de um discurso tipicamente cavaquista - mais uma enunciação do óbvio - temos uma onda de dramatização e "tiro ao Cavaco". Porque é frouxo e tem uma "visão muito estrita dos seus poderes". Os mesmos que, no tempo em que Cavaco enviava recados a Sócrates, diziam dele que ainda se achava primeiro-ministro e se estava sempre a imiscuir na governação.
A "dramatização" da vida política é aliás um dos sintomas da pequenez dos agentes do regime, partidos e comunicação, jornais e blogues. Na Inglaterra, ao fim de dois meses de coligação, já conservadores e liberais revelavam uma fricção pesada relativamente às politicas de Educação - com Clegg a vir apresentar desculpas públicas na televisão (a lembrar o Passos Coelho no tempo dos PECs). E no entanto o governo inglês lá continua ao fim de três anos.
Por cá qualquer atrito é lido como um sinal de fim iminente do governo. Como se as fricções não fizessem parte da vida normal de um governo de coligação.
Não significa isto que a situação interna do governo não esteja a atravessar um momento particularmente tenso e instável. Estamos até num ponto crítico desta legislatura. Mas daí até haver eleições vai alguma distância e Cavaco, com todos os seus defeitos, tem pelo menos a virtude de não ir a reboque da comunicação social de esquerda para quem a revolução já vai na rua há ano e meio.
E por falar em dramatização, o Daniel Oliveira quase rasgava a camisa no Eixo do Mal para denunciar que Cavaco tinha decretado o fim da democracia. Cem anos depois de Freud o discurso da inquietação ainda faz adeptos. É o que temos. E isto não vai ter melhoras.
Obrigado pelos bons posts...
«...nos últimos dezassete anos e meio, o Partido Socialista governou cerca de treze anos o país. Ou seja: 73% do tempo.»
Estamos em 2013. Menos 17 é 1996. Antes desse ano não se conta? Porquê? Por terem sido os anos da destruição do país?
Não é novidade, que já nessa açtura me chamavam no mínimo pessimista por eu preser exactamente o que estamos vivendo se nenhum governo revertesse o caminho, o que aconteceu mais depressa com a ajuda da crise mundial provocada pela entrada da China nos mercados.
Não será análise mais do que simplista?
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