Ser um "animal feroz" é uma coisa supimpa
Bruno Faria Lopes, no jornal i:
"Dois anos depois da demissão o ex-primeiro-ministro José Sócrates ainda não percebeu a natureza dos seus erros políticos - nem a mudança drástica e grave das circunstâncias na Europa. É uma pena que tenha escolhido Paris para “cumprir o sonho de estudar”. Berlim ou Munique teriam sido mais úteis como locais de aprendizagem.Sócrates voltou agora porque pensa que agora há mais público para a defesa do seu legado. Portugal está em plena depressão económica e o programa de ajustamento da troika - que se confunde com o governo de Passos, apesar de ter sido assinado por Sócrates - tem cada vez menos adeptos. Sócrates aproveita para defender que os problemas do país não são da sua exclusiva responsabilidade. É verdade. A crise financeira mundial destapou a ficção do euro - alimentada por todos os países e instituições europeias - e alterou o contexto que permitiu a Sócrates e a outros governarem durante anos com base no endividamento.
Mas nem o momento actual do país, nem a compreensão da importância da Europa limpam o cadastro do ex-primeiro-ministro. Sócrates foi o homem errado, na altura errada, como demonstrou bem na entrevista à RTP.
Sócrates foi o homem errado quando olhamos para a política. Os que o gabam como “animal feroz” deviam perceber que a falta atroz de capacidade para construir pontes e governar com um mínimo de consenso foi um problema fatal para o então Primeiro-ministro. A agressividade do discurso de tomada de posse em 2009 deu o mote para o que aí vinha na trincheira política quando ainda ninguém sabia o que aí vinha na frente económica. Sócrates queixa-se do chumbo do PEC4 mas, fiel ao seu estilo, não cuidou de criar as condições para que o pacote fosse aprovado numa altura crucial para o país. Foi um mau político.
Sócrates foi o homem errado quando olhamos para a economia. Podíamos falar da demência dos últimos meses, em que o chefe do governo deixou o país no limiar da sobrevivência financeira e teve de ser atado à cadeira pelo seu ministro das Finanças. Mas mais deprimente foi vê-lo, no ano da graça de 2013, gabar na entrevista à RTP o crescimento de 2,4% em 2007, “o mais alto da década” - 2007, um ano em que o défice externo foi de 8,6%. É o derradeiro sinal de alguém que ainda não percebe que o desequilíbrio externo está no centro da crise europeia. Falar desse PIB defunto é um obstáculo para não discutir o essencial: a viabilidade económica e social de Portugal neste novo euro.
Depois de dois anos de afastamento do país, José Sócrates fala como quem saiu ontem de São Bento. Sobre a “Europa” - de quem recebeu as directrizes para o PEC4 - nem uma palavra, nem sequer sobre o que se passa em Chipre. Sobre o momento do país a única coisa que tem a dizer é um “temos de parar de escavar” (Como? Pois.) Sobre a austeridade continua a sugerir - com a vantagem de nunca ter que demonstrar - que o seu famoso PEC4, cujas metas eram mais ambiciosas do que as do memorando, seria mais suave.
A entrevista foi o preço a pagar - um preço baixo - para Sócrates ganhar um palco televisivo sem contraditório, onde ventilará a sua “narrativa” contra a “narrativa” dos outros, enquanto prepara um regresso qualquer. Vai juntar-se a Jorge Coelho, a Marcelo Rebelo de Sousa, a Marques Mendes, a Morais Sarmento, a Francisco Louçã, a Manuela Ferreira Leite e a todos os deputados que pululam nos “frente-a-frente” televisivos, nessa originalidade portuguesa que é ter ex-políticos e políticos a fazerem “comentário” sem qualquer contraditório. Não creio que se tornará na ameaça (ao governo, a Seguro) de que muitos falam. Será um “agitador”, sem qualquer pudor em atiçar o lume numa altura crucial para o país. Será mais um na espuma com que nos entretemos (incluindo este cronista), sem nada de substancial para dizer, enquanto coisas mais sérias acontecem em Nicósia ou em Lisboa."
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