O MacGuffin: Ah, a Bélgica

quinta-feira, setembro 22, 2011

Ah, a Bélgica

Este artigo do Rui Tavares – um político (e) comentador que tento seguir acalentando sempre a ideia de um dia poder vir a concordar com as suas ideias porque se concordar com as ideias de uma pessoa manifestamente inteligente isso pode fazer de mim uma pessoa igualmente inteligente - encerra uma explicação tão simpática e arrumadinha da realidade que apetece não contrariar. É pena, de facto, mas não há como não o fazer.

Quando Rui Tavares tenta explicar a razão para o facto de a Bélgica escapar, incólume, às desconfianças ou, se quiserem, às diatribes dos «mercados», escrevendo «sem o choque contracionário que tem atacado as nossas economias da austeridade, a economia belga cresce de forma mais saudável, e ajudará a diminuir o défice e a pagar a dívida», espanta-me o lado pueril/ingénuo do seu argumentário. No limite, trata-se de uma técnica argumentativa que encaixa numa longa e notável tradição: a de colocar os factos ao serviço de uma tese particular, ajustando-os de forma milimétrica.

As medidas de austeridade que estão a ser implementadas em países como a Grécia, Portugal e Irlanda (e Itália, mesmo sem a visita da troika), não nasceram do nada. Não foram uma opção estratégica levada a cabo de forma livre pelos respectivos governos. Foram, antes, a consequência de um descalabro continuado, paulatino, sem sinais de reversão, de dívidas soberanas e de défices orçamentais de grandeza não despiciente. Em bom rigor, as medidas de austeridade foram impostas – quer pelos factos, quer pelas instituições que vieram em auxílio desses países (ou ambas) – em países cujo modelo económico, os indicadores macroeconómicos e a dependência face ao exterior, não permitiram convencer os «mercados» da natureza pontual, de origem maioritariamente sistémica (logo mais ou menos transitória), da crise que esses países atravessavam.

Rui Tavares tenta convencer-nos de que a crise dos países «atacados» pelos «mercados» foi consequência das medidas de austeridade – e que, por causa delas, esses países, ao contrário da Bélgica, não cresceram e prosperaram livre e alegremente. Ou seja, Rui Tavares inverte a ordem dos factos.

Sim, é verdade: a Bélgica não é propriamente um exemplo de racionalidade e saneamento financeiro. Mas bastava observar os dados relativos à evolução da dívida pública belga (interna e externa) e uma série de indicadores macroeconómicos (PIB, PIB per capita, taxa de crescimento, produtividade laboral por hora de trabalho, balança comercial, etc.) para perceber as diferenças. A PORDATA é muito útil nestas coisas. Seria fastidioso fazer, aqui, um levantamento desses indicadores. Mas teria sido muito útil a Rui Tavares, esse pequeno trabalhinho de casa. Minutos antes de carregar no botão «publish».

PS: Ora nem mais.

1 Comentários:

Anonymous jaa disse...

Inteiramente de acordo. Não sei se viu este post de Priscila Rêgo sobre o assunto:
http://adoutaignorancia.blogs.sapo.pt/230705.html

8:52 da tarde  

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