O MacGuffin: Obrigado, Fernanda

domingo, outubro 31, 2010

Obrigado, Fernanda

A tendência ou a propensão do ser humano para o alheamento e para a distracção em relação às questões fundamentais – tanto as ontológicas ou metafísicas, como as de ordem moral e ética – marcam indelevelmente o estado civilizacional em que actualmente nos encontramos estacionados. Felizmente que, neste torpor de ‘paddock’ e nesta languidez sovina, espíritos há que, pela inteligência e pela sensibilidade de que foram dotados os corpos que os acolhem, conseguem libertar-se de todas as alienações – cujas origens, dependendo dos continentes, podem ir da fome e da repressão, aos espartilhos que as estruturas sociais vigentes, de origem capitalista, impõem – e ver mais além.

Vem isto a propósito da problemática da cor dos pensos rápidos. Quero, desde já, agradecer, penhorado, à Fernanda Câncio o facto de me ter permitido desentorpecer as meninges. E porque o momento é solene, a exigir reflexão aturada, quero deixar, desde já, o meu mais sério contributo para a questão agora levantada, alertando a sociedade portuguesa e o mundo (deixemo-nos de falsas modéstias) para mais três casos de gritante discriminação e abuso:

- Betadine. Em 1858, o Sr. Ludwig Claus, fundador da Clauspharma, mais tarde renomeada Mundipharma AG, deu a conhecer ao mundo aquele que viria a ser, várias décadas depois, o mais difundido dos antissépticos. Sabe-se agora que a sua cor – castanho escuro ligeiramente avermelhado – terá tido origem numa particular circunstância: o affair clandestino (passe a redundância) que o Sr. Ludwig teve com uma criada mulata (que explorou até à exaustão). Para disfarçar as sevícias infligidas no corpo da pobre rapariga, o Sr. Ludwig terá chegado a uma fórmula cuja cor, quando aplicada na pele da vítima, se tornava imperceptível. O que o Sr. Ludwig não previu, foi o imenso êxito deste produto que, por força da sua eficácia, veio a ser adoptado por todo o mundo. Ora, como é agora mais do que óbvio, a sua aplicação na pele do homem branco ou amarelo constitui um desrespeito intolerável. Alerta-se, pois, a UE e a Mundipharma AG, com sede em Basileia, para esta discriminação que, como todas as discriminações, atenta contra a dignidade humana.

- Sutura. Diz-nos a Wikipedia que o material usado nos pontos cirúrgicos deve ser forte, não tóxico, hipoalergénico e flexível. O que falta dizer? Obviamente isto: a cor da sutura deve estar adequada à cor da pele. Sei do que falo. Há uns anos atrás, sujeite-me a intervenção cirúrgica por causa de uma unha encravada (coisa que fez as delícias do hipocondríaco que me habita, após anos e anos de queixumes). O hálux levou cerca de dez pontos cirúrgicos. A cor da linha: castanha escura. Hoje sei por que razão fui acometido, no pós-operatório, de depressão profunda: a diferença entre a cor da sutura e a cor da pele (entre o rosa pálido e o verde enfermo) deu origem à persistência de uma imagem impregnada de contraste, que ainda hoje me persegue. Estou, aliás, em crer, que boa parte dos problemas do foro psicológico que se abatem sobre doentes suturados, passa invariavelmente por esta forma de discriminação. Pede-se à Ordem dos Médicos e à OMS que se tomem medidas urgentes.

- Pensos higiénicos. Por razões de decoro, refiro apenas a questão clamorosa do contraste. A rever a.s.a.p..

Em todo caso, Fernanda: valeu!

1 Comentários:

Blogger margarida disse...

Estes regressos estremunhados, mesmo que nos deixem um bocadinho confusos (mas devo ser só eu, que não frequento determinados lugares), são portentosos.
Ena, pá!
;)

12:23 da tarde  

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