Rigor mortis?
“Quanto tempo dura um homem na terra antes de apodrecer?”, pergunta Hamlet. Responde o coveiro: “A verdade é que, se não estiver já podre antes de morrer, e hoje em dia há mortos tão roídos de venério que mal aguentam o enterro, um corpo dura aí uns oito ou nove anos. Um curtidor dura aí uns nove anos.” Porque é que um curtidor dura mais do que os outros?”, pergunta Hamlet. “Ora, meu senhor”, explica o coveiro, “tem a pele tão curtida pelo ofício que a água leva muito tempo a entrar nele; e a água é o pior inimigo desses filhos da puta dos cadáveres”.
Como a do curtidor, a pele do cadáver político José Sócrates parece resistir à decomposição que anos de more-or-less-small-time crookery deveriam ter induzido (nada provado, como é óbvio). Um longo treino político – adquirido nas juventudes partidárias, federações distritais, secretariados nacionais e governos (foi secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro) –, permitiu-lhe acumular nas máximas proporções um conjunto mais ou menos elaborado de predicados e expedientes (com muito de politiqueiro e pouco ou nada de ideológico), que possibilitou, por seu lado, gozar nas máximas proporções dos efeitos de uma bravata política que o vendeu como homem decidido e destemido, político sensível e humano, timoneiro com norte e porte. O facto da sua retórica ter roçado, não raras vezes, a indigência ideológica, e o seu apego por demonstrar a verdade dos seus actos e compromissos equivaler à força de Sansão pós-‘máquina zero’ (vá lá, ‘máquina um’), teve a seu favor um país à rasca (uma fatia assinalável da população tolhida pela perspectiva da perda dos «direitos e garantias»), uma oposição esclerosada, entretida com o marxismo requentado dos «pobres e trabalhadores à mercê dos ricos e anafados» e a forjadura de novos papões à escala planetária (o «neoliberalismo», a «globalização»), e outra comunicacionalmente inepta.
A mais recente performance do «menino de ouro do PS» prende-se com o episódio PT-Vivo-Telefónica. Desta vez, José Sócrates brindou-nos com a personagem do «Condestável de Portugal esquerdista»: José Sócrates, o bravo, defendeu o interesse geral contra o particular; José Sócrates, o homem de esquerda, disse não ao neoliberalismo voraz dos mercados «desenfreados»; José Sócrates, o patriota, ao contrário de Queiroz e muchachos, deu uma tareia a Espanha. E é vê-lo, mais uma vez determinado, a cavalgar a putativa heroicidade proporcionada por um expediente (a golden share) que ironicamente contraria o espírito do seu querido Tratado de Lisboa. Politicamente morto, todos reconhecem, mas, como costuma dizer o Sr Manel (peixeiro em Évora), «ainda mexe».
Como a do curtidor, a pele do cadáver político José Sócrates parece resistir à decomposição que anos de more-or-less-small-time crookery deveriam ter induzido (nada provado, como é óbvio). Um longo treino político – adquirido nas juventudes partidárias, federações distritais, secretariados nacionais e governos (foi secretário de Estado, ministro e primeiro-ministro) –, permitiu-lhe acumular nas máximas proporções um conjunto mais ou menos elaborado de predicados e expedientes (com muito de politiqueiro e pouco ou nada de ideológico), que possibilitou, por seu lado, gozar nas máximas proporções dos efeitos de uma bravata política que o vendeu como homem decidido e destemido, político sensível e humano, timoneiro com norte e porte. O facto da sua retórica ter roçado, não raras vezes, a indigência ideológica, e o seu apego por demonstrar a verdade dos seus actos e compromissos equivaler à força de Sansão pós-‘máquina zero’ (vá lá, ‘máquina um’), teve a seu favor um país à rasca (uma fatia assinalável da população tolhida pela perspectiva da perda dos «direitos e garantias»), uma oposição esclerosada, entretida com o marxismo requentado dos «pobres e trabalhadores à mercê dos ricos e anafados» e a forjadura de novos papões à escala planetária (o «neoliberalismo», a «globalização»), e outra comunicacionalmente inepta.
A mais recente performance do «menino de ouro do PS» prende-se com o episódio PT-Vivo-Telefónica. Desta vez, José Sócrates brindou-nos com a personagem do «Condestável de Portugal esquerdista»: José Sócrates, o bravo, defendeu o interesse geral contra o particular; José Sócrates, o homem de esquerda, disse não ao neoliberalismo voraz dos mercados «desenfreados»; José Sócrates, o patriota, ao contrário de Queiroz e muchachos, deu uma tareia a Espanha. E é vê-lo, mais uma vez determinado, a cavalgar a putativa heroicidade proporcionada por um expediente (a golden share) que ironicamente contraria o espírito do seu querido Tratado de Lisboa. Politicamente morto, todos reconhecem, mas, como costuma dizer o Sr Manel (peixeiro em Évora), «ainda mexe».
(publicada originalmente aqui)
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