Post mortem
Deplorável, para não dizer canalha, a forma como certos «notáveis» usaram a morte de José Saramago como arma de arremesso político contra Cavaco Silva. Que eu saiba, a presidência da república foi das primeiras entidades a enviar as condolências à família, em nome do Estado português. Que eu saiba, um representante da Casa Civil esteve presente no funeral, entregando uma coroa de flores em nome do PR, que está de férias nos Açores. Que eu saiba, Cavaco Silva e José Saramago detestavam-se (mutuamente). A presença de Cavaco Silva no funeral de Saramago representaria, isso sim, uma enorme hipocrisia, indissociável de uma tentativa de aproveitamento (político) da morte de alguém que nunca foi amigo ou próximo, ou seja, com quem não mantinha a mínima relação. Seria interessante perguntar: Saramago teria gostado de saber que Cavaco Silva tinha estado no seu funeral?
Risível, para não dizer ridícula, a forma como se tenta agora endeusar um homem cuja vida não foi propriamente sacrossanta. O que não é o mesmo que celebrar e invocar a obra de um escritor de dimensão mundial. O obituário do New York Times é sintomático: “In 1975, a countercoup overthrew Portugal’s Communist-led revolution of the previous year, and Mr Saramago was fired as deputy editor of the Lisbon newspaper Diário de Notícias. Overnight, along with other prominent leftists, he became virtually unemployable.” Escrevi aqui, há dois dias, que convinha respeitar, na hora da sua morte, o ser humano (“men are men, the best sometimes forget”) e o escritor. Que este não era um tempo para ataques pessoais a Saramago. Mas convinha, nesse mesmo espírito, que não se enveredasse pelo oposto: pela canonização, pelo branqueamento, pela amnésia. O NYT esqueceu de referir que em 1974, era Saramago que expulsava da redacção do Diário de Notícias os jornalistas não alinhados com a ortodoxia comunista ou com a histeria revolucionária em curso. Impõe-se, por isso, um pouco de calma e de pudor nas hostes dos que agora exigem (meio indignados), a beatificação de José Saramago. Em defesa, aliás, da sua memória. Não há forma mais eficaz de disseminar anticorpos em relação a alguém, do que faltar à verdade.
Risível, para não dizer ridícula, a forma como se tenta agora endeusar um homem cuja vida não foi propriamente sacrossanta. O que não é o mesmo que celebrar e invocar a obra de um escritor de dimensão mundial. O obituário do New York Times é sintomático: “In 1975, a countercoup overthrew Portugal’s Communist-led revolution of the previous year, and Mr Saramago was fired as deputy editor of the Lisbon newspaper Diário de Notícias. Overnight, along with other prominent leftists, he became virtually unemployable.” Escrevi aqui, há dois dias, que convinha respeitar, na hora da sua morte, o ser humano (“men are men, the best sometimes forget”) e o escritor. Que este não era um tempo para ataques pessoais a Saramago. Mas convinha, nesse mesmo espírito, que não se enveredasse pelo oposto: pela canonização, pelo branqueamento, pela amnésia. O NYT esqueceu de referir que em 1974, era Saramago que expulsava da redacção do Diário de Notícias os jornalistas não alinhados com a ortodoxia comunista ou com a histeria revolucionária em curso. Impõe-se, por isso, um pouco de calma e de pudor nas hostes dos que agora exigem (meio indignados), a beatificação de José Saramago. Em defesa, aliás, da sua memória. Não há forma mais eficaz de disseminar anticorpos em relação a alguém, do que faltar à verdade.
1 Comentários:
E 'mai'nada'!
Ah que o desassombramento é uma coisa muito bonita!
E rara.
Vai daí, preciosa.
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