Um simbolo
Quando um ministro da Economia anuncia, de forma picaresca e orgulhosa, que andou a «safar empregos» e que passou «noites em claro» para ajudar uma empresa a não fechar portas, há várias coisas que me ocorrem dizer de erradas e que ninguém, pelos vistos, pareceu reparar (caso esteja errado, perdoar-me-ão a distracção). Em primeiro lugar, um ministro não pode, por uma questão de pudor, bom senso e, até, educação, chamar à colação questões comezinhas ou pormenores particulares do seu trabalho no sentido da heroicidade ou da galhardia. You do what you gotta do. Imaginemos o que seria cada ministro fazer uso da mesma fanfarronice emocional, anunciando, com olhos de carneiro mal morto, que “durante uma semana, vejam bem!, não pude acompanhar a minha filha à praia e os habituais cafezinhos pela manhã com as minhas amigas, népias". Rídiculo. Há milhares de portugueses que ocasional e extraordinariamente passam noites em claro no exercício das suas funções. O meu peixeiro, por exemplo, passa, de quando em vez, noites em claro ao volante, ao som de Tony Carreira ou Sigur Rós, enquanto carrega, lá, e decarrega, cá, o aristocrático cherne e a alarve da sardinha. Nunca o ouvi, na manhã seguinte, alardear aos clientes esse facto, à espera de reconhecimento ou compreensão pela acidental rabujice e o majestático odor corporal. Muito menos de uma vaga de fundo.
Por outro lado, um ministro não é um justiceiro solitário que ande pelo país em collants a distribuir empregos aqui, a suprir vagas ali e a eliminar excrescências acolá. O papel do Estado não é o de dar emprego aos trabalhadores da fábrica x ou criar condições particulares para a empresa y se «safar». A obrigação de um ministro da economia é de assegurar condições justas e adequadas na economia do seu país que concorram para a igualdade de oportunidades de todas as empresas e para a livre e leal concorrência entre elas, tentando diminuir, paralelamente, os entraves à criação e distribuição de riqueza. O mercado – sim, o mercado meus pseudo-liberais ou sucialistas keynesianos da treta! – tratará do resto.
Finalmente, o gesto de Manuel Pinho, mais do que ofensivo ou pateta, é revelador e simbólico. É o retrato milimétrico de uma «nova» forma de parlamentarismo, em vigor de há alguns anos a esta parte. Os «debates da nação» transformaram-se num concurso de bocas, dichotes e zombaria, cada um a tentar superar o outro no nível de chico-espertismo brejeiro (“com esta é que eu o vou arrumar!”) e ousadia estrondosa para consumo mediático. Há muito que não se discutem ideias, rumos, opções estratégicas e ideológicas ou políticas concretas em torno do país real (sem aspas). A demagogia – outrora uma coisa benigna e, até certo ponto, suportável – atingiu, em Portugal, níveis obscenos. A retórica baixou ao nível mais rasteiro de que há memória. Pode sempre dizer-se que já no tempo dos Afonsinhos havia picardia forte, disputas acesas e palavras duras. Mas também havia inteligência argumentativa e uma certa classe e graça que conferiam à coisa alguma dignidade. Hoje em dia, não. Ontem mesmo, no parlamento, José Sócrates – um dos precursores de um estilo truculento e estridente, desleal e paupérrimo do ponto de vista argumentativo (quantos vezes vai ele desculpar os seus erros com os erros do PSD de há seis, dez ou quinze anos atrás?) e quase sempre propenso à quase desqualificação do adversário - tratou Paulo Portas de forma indecente. Até Paulo Rangel esteve uma sombra de si mesmo, já embevecido pelo saturado odor a Chanel Peixeirada n.º 5. Manuel Pinho perdeu a cabeça? Não. Saltou apenas um pouco da fina camada de verniz que alguns aplicam à pressa antes de entrar no hemiciclo.
Por outro lado, um ministro não é um justiceiro solitário que ande pelo país em collants a distribuir empregos aqui, a suprir vagas ali e a eliminar excrescências acolá. O papel do Estado não é o de dar emprego aos trabalhadores da fábrica x ou criar condições particulares para a empresa y se «safar». A obrigação de um ministro da economia é de assegurar condições justas e adequadas na economia do seu país que concorram para a igualdade de oportunidades de todas as empresas e para a livre e leal concorrência entre elas, tentando diminuir, paralelamente, os entraves à criação e distribuição de riqueza. O mercado – sim, o mercado meus pseudo-liberais ou sucialistas keynesianos da treta! – tratará do resto.
Finalmente, o gesto de Manuel Pinho, mais do que ofensivo ou pateta, é revelador e simbólico. É o retrato milimétrico de uma «nova» forma de parlamentarismo, em vigor de há alguns anos a esta parte. Os «debates da nação» transformaram-se num concurso de bocas, dichotes e zombaria, cada um a tentar superar o outro no nível de chico-espertismo brejeiro (“com esta é que eu o vou arrumar!”) e ousadia estrondosa para consumo mediático. Há muito que não se discutem ideias, rumos, opções estratégicas e ideológicas ou políticas concretas em torno do país real (sem aspas). A demagogia – outrora uma coisa benigna e, até certo ponto, suportável – atingiu, em Portugal, níveis obscenos. A retórica baixou ao nível mais rasteiro de que há memória. Pode sempre dizer-se que já no tempo dos Afonsinhos havia picardia forte, disputas acesas e palavras duras. Mas também havia inteligência argumentativa e uma certa classe e graça que conferiam à coisa alguma dignidade. Hoje em dia, não. Ontem mesmo, no parlamento, José Sócrates – um dos precursores de um estilo truculento e estridente, desleal e paupérrimo do ponto de vista argumentativo (quantos vezes vai ele desculpar os seus erros com os erros do PSD de há seis, dez ou quinze anos atrás?) e quase sempre propenso à quase desqualificação do adversário - tratou Paulo Portas de forma indecente. Até Paulo Rangel esteve uma sombra de si mesmo, já embevecido pelo saturado odor a Chanel Peixeirada n.º 5. Manuel Pinho perdeu a cabeça? Não. Saltou apenas um pouco da fina camada de verniz que alguns aplicam à pressa antes de entrar no hemiciclo.
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