EU, QUE NEM CONCORDEI COM O QUE BUTTIGLIONE DISSE...
No Público:
“O italiano Rocco Buttiglione anunciou hoje que desiste da sua candidatura a comissário europeu, na sequência da polémica provocada pelas suas posições em matéria de direitos das mulheres e dos homossexuais.
Em conferência de imprensa, a partir de Roma, Buttiglione explicou que desiste da sua candidatura "para que a comissão de Barroso possa seguir o seu caminho". O ministro italiano desejou sucesso à equipa de Durão Barroso "porque a Europa necessita de uma comissão forte".
O ex-sucessor de António Vitorino na Comissão de Justiça e Assuntos Internos considera-se uma "vítima inocente" escolhida pela humanidade, que "periodicamente decide purificar-se". "Desta vez fui eu o escolhido para essa função e não me queixo muito", afirmou.”
Sobre esta questão, Pedro Mexia escreveu, no Independente:
“Buttiglione fez considerações sobre a homossexualidade e o casamento que a esquerda considerou «reaccionárias» e inaceitáveis. E com alguma razão. É evidente que o italiano foi no mínimo inábil ao recorrer a um termo como “pecado” no contexto de uma audição parlamentar. Não está em causa o direito de um católico assumir publicamente as suas convicções; mas um conceito como “pecado” é notoriamente desadequado e problemático numa discussão sobre política europeia. (...) [O] que está em causa não é a manifestação de uma opinião privada, mas a escusada menção de convicções religiosas que jogam directamente com a matéria pública que Buttiglione teria entre as suas competências.”
Por uma vez, discordo do Pedro: o que está em causa é, precisamente, a possibilidade de assumir publicamente, após interpelação nesse sentido (e nesse sentido, importa questionar a razão de se levantaram questões do foro privado numa audiência parlamentar), as nossas convicções pessoais - religiosas, políticas, etc. - sem medo, receio ou angustia de qualquer tipo.
Pedro Mexia parece sugerir que o problema não esteve, propriamente, nas convicções do sr. Rocco, mas sim no facto de as ter dado a conhecer. Ou seja, Buttiglione podia pensar «aquilo» da homossexualidade, mas não o devia ter dito, uma vez que tais declarações colidiriam com a orientação oficial, tendencialmente jacobina, de uma Europa que, a cada passo, se revela cada vez mais hipócrita, intolerante, dúbia nos seus critérios, fazendo questão de mostrar que padece de uma crónica (ou anacrónica?) má consciência sobre os mais diversos domínios. Buttiglione devia, por isso, ter sido menos ingénuo e ficar calado. Assim, de mansinho, pela calada, talvez a coisa passasse.
Esta não é a questão. A questão está em saber se, na sofisticada e iluminista Europa da Constituição, ainda é permitido a alguém expressar a céu aberto as suas crenças e a leitura que faz do mundo por via das suas convicções religiosas (mesmo que essas convicções se revelem desajustadas, como eu penso que foram).
Já que Pedro Mexia refere a questão do «contexto», seria bom recordar as declarações de Buttiglione em todo o seu «contexto»:
“Eu posso pensar que a homossexualidade é um pecado e isso não tem que ter qualquer efeito na política, a não ser que eu diga que a homossexualidade é um crime.
O Estado não tem que meter o nariz nestas questões e ninguém pode ser descriminado com base na orientação sexual... É isso que está escrito na Carta dos Direitos Humanos, é isso que está escrito na Constituição [europeia] e eu jurei defender esta constituição”.
Esta Europa está a revelar-se intolerante para uns e tolerante para outros. Esta Europa recebe de braços abertos as comunidades muçulmanas, emudecendo face às suas práticas e aos seus preceitos (já pensaram informar-se sobre a opinião dos muçulmanos em relação à homossexualidade?); aceita, de bom grado, as confissões de cariz pedófilo de Cohn-Bendit; mas é incapaz de tolerar que um católico cometa o «deslize» de dizer o que pensa sobre a homossexualidade, mesmo quando esse católico faz questão de sublinhar tratar-se, apenas, de uma convicção pessoal, privada e não transmissível, e que nada do que disse tem que ver com «descriminação» ou «intolerância».
A Europa amiga das minorias e albergadora das mais estapafúrdias convicções de caracter político e religioso (basta dar uma volta pelo Parlamento Europeu), insiste na sua demanda purificadora pelo «secular», sobretudo contra o catolicismo, relegando para segundo plano questões como as da competência e consciência individuais.
A palavra ao João Pereira Coutinho, hoje, no Expresso:
“Não há comissão para ninguém. Por agora. O motivo é simples – e, como escrevi na passada semana, largamente esperado: com Rocco Buttiglione no barco, a Europa não avança. Duas alternativas: enxotar Buttiglione para outra pasta; ou, então, enxotar Buttiglione «tout court». Qualquer das opções não ilude o essencial: Durão Barroso trocou um país governável por uma Europa ingovernável. E, independentemente dos primeiros encómios, ofereceu ao mundo a triste imagem de fraqueza. Rocco Buttiglione foi confrontado com as suas crenças religiosas e respondeu em conformidade: a homossexualidade é um pecado; o casamento serve para que o homem proteja a mulher e os filhos. As opiniões do senhor são deselegantes e absurdas? Admito. Mas esse não é o problema – como efectivamente não seria se um político protestante, muçulmano ou budista fosse questionado sobre as suas privadas moralidades. O problema passa por saber se o Parlamento Europeu deve espiolhar a consciência alheia – e, perante as convicções de cada um, utilizar a fé como arma de arremesso e instrumento de guerrilha institucional. Pessoas ilustradas respondem sem esforço. Aliás, essa foi a principal conquista do cristianismo: um espaço íntimo, intocável e privado, onde a «polis» não entra. O episódio Buttilgione ficará como uma mancha. Uma mancha que definitivamente inaugura um sinistro precedente.”
Nem o bom do Brecht, desta vez, os salva - acrescento eu.
“O italiano Rocco Buttiglione anunciou hoje que desiste da sua candidatura a comissário europeu, na sequência da polémica provocada pelas suas posições em matéria de direitos das mulheres e dos homossexuais.
Em conferência de imprensa, a partir de Roma, Buttiglione explicou que desiste da sua candidatura "para que a comissão de Barroso possa seguir o seu caminho". O ministro italiano desejou sucesso à equipa de Durão Barroso "porque a Europa necessita de uma comissão forte".
O ex-sucessor de António Vitorino na Comissão de Justiça e Assuntos Internos considera-se uma "vítima inocente" escolhida pela humanidade, que "periodicamente decide purificar-se". "Desta vez fui eu o escolhido para essa função e não me queixo muito", afirmou.”
Sobre esta questão, Pedro Mexia escreveu, no Independente:
“Buttiglione fez considerações sobre a homossexualidade e o casamento que a esquerda considerou «reaccionárias» e inaceitáveis. E com alguma razão. É evidente que o italiano foi no mínimo inábil ao recorrer a um termo como “pecado” no contexto de uma audição parlamentar. Não está em causa o direito de um católico assumir publicamente as suas convicções; mas um conceito como “pecado” é notoriamente desadequado e problemático numa discussão sobre política europeia. (...) [O] que está em causa não é a manifestação de uma opinião privada, mas a escusada menção de convicções religiosas que jogam directamente com a matéria pública que Buttiglione teria entre as suas competências.”
Por uma vez, discordo do Pedro: o que está em causa é, precisamente, a possibilidade de assumir publicamente, após interpelação nesse sentido (e nesse sentido, importa questionar a razão de se levantaram questões do foro privado numa audiência parlamentar), as nossas convicções pessoais - religiosas, políticas, etc. - sem medo, receio ou angustia de qualquer tipo.
Pedro Mexia parece sugerir que o problema não esteve, propriamente, nas convicções do sr. Rocco, mas sim no facto de as ter dado a conhecer. Ou seja, Buttiglione podia pensar «aquilo» da homossexualidade, mas não o devia ter dito, uma vez que tais declarações colidiriam com a orientação oficial, tendencialmente jacobina, de uma Europa que, a cada passo, se revela cada vez mais hipócrita, intolerante, dúbia nos seus critérios, fazendo questão de mostrar que padece de uma crónica (ou anacrónica?) má consciência sobre os mais diversos domínios. Buttiglione devia, por isso, ter sido menos ingénuo e ficar calado. Assim, de mansinho, pela calada, talvez a coisa passasse.
Esta não é a questão. A questão está em saber se, na sofisticada e iluminista Europa da Constituição, ainda é permitido a alguém expressar a céu aberto as suas crenças e a leitura que faz do mundo por via das suas convicções religiosas (mesmo que essas convicções se revelem desajustadas, como eu penso que foram).
Já que Pedro Mexia refere a questão do «contexto», seria bom recordar as declarações de Buttiglione em todo o seu «contexto»:
“Eu posso pensar que a homossexualidade é um pecado e isso não tem que ter qualquer efeito na política, a não ser que eu diga que a homossexualidade é um crime.
O Estado não tem que meter o nariz nestas questões e ninguém pode ser descriminado com base na orientação sexual... É isso que está escrito na Carta dos Direitos Humanos, é isso que está escrito na Constituição [europeia] e eu jurei defender esta constituição”.
Esta Europa está a revelar-se intolerante para uns e tolerante para outros. Esta Europa recebe de braços abertos as comunidades muçulmanas, emudecendo face às suas práticas e aos seus preceitos (já pensaram informar-se sobre a opinião dos muçulmanos em relação à homossexualidade?); aceita, de bom grado, as confissões de cariz pedófilo de Cohn-Bendit; mas é incapaz de tolerar que um católico cometa o «deslize» de dizer o que pensa sobre a homossexualidade, mesmo quando esse católico faz questão de sublinhar tratar-se, apenas, de uma convicção pessoal, privada e não transmissível, e que nada do que disse tem que ver com «descriminação» ou «intolerância».
A Europa amiga das minorias e albergadora das mais estapafúrdias convicções de caracter político e religioso (basta dar uma volta pelo Parlamento Europeu), insiste na sua demanda purificadora pelo «secular», sobretudo contra o catolicismo, relegando para segundo plano questões como as da competência e consciência individuais.
A palavra ao João Pereira Coutinho, hoje, no Expresso:
“Não há comissão para ninguém. Por agora. O motivo é simples – e, como escrevi na passada semana, largamente esperado: com Rocco Buttiglione no barco, a Europa não avança. Duas alternativas: enxotar Buttiglione para outra pasta; ou, então, enxotar Buttiglione «tout court». Qualquer das opções não ilude o essencial: Durão Barroso trocou um país governável por uma Europa ingovernável. E, independentemente dos primeiros encómios, ofereceu ao mundo a triste imagem de fraqueza. Rocco Buttiglione foi confrontado com as suas crenças religiosas e respondeu em conformidade: a homossexualidade é um pecado; o casamento serve para que o homem proteja a mulher e os filhos. As opiniões do senhor são deselegantes e absurdas? Admito. Mas esse não é o problema – como efectivamente não seria se um político protestante, muçulmano ou budista fosse questionado sobre as suas privadas moralidades. O problema passa por saber se o Parlamento Europeu deve espiolhar a consciência alheia – e, perante as convicções de cada um, utilizar a fé como arma de arremesso e instrumento de guerrilha institucional. Pessoas ilustradas respondem sem esforço. Aliás, essa foi a principal conquista do cristianismo: um espaço íntimo, intocável e privado, onde a «polis» não entra. O episódio Buttilgione ficará como uma mancha. Uma mancha que definitivamente inaugura um sinistro precedente.”
Nem o bom do Brecht, desta vez, os salva - acrescento eu.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial