NOTÍCIAS DA MINHA TERRA
De Évora, um texto (a segunda parte) da autoria de um jovem promissor eborense, onde se abordam alguns temas da sua inquietação, sobre a mui nobre e sempre leal cidade de Évora. O texto denota alguma ingenuidade, própria de quem ainda pensa conseguir mudar o mundo. O estilo é um pouquinho acima do sofrível, o que já de si não é mau. Destaco a referência a Saddam Hussein: um ponto que me liga ao autor que nem uma lapa. Continuarei atento ao seu percurso, na denominada "imprensa regional". Apesar de tudo, são poucos os jovens deste calibre.
”A Cidade das Coisas Incompreensíveis – 2”
Por CARLOS DO CARMO CARAPINHA
“Eu não queria tocar no assunto. As declarações públicas não fazem parte do programa das festas. Os leitores saberão como é: Évora é uma cidade com muito de aldeia. Toda a gente se conhece, toda a gente se inveja, toda a gente se adora, toda a gente se odeia. Não há desporto mais difundido e popular na paróquia eborense que o da maledicência encapotada. O “diz agora que ninguém ouve.” O “faz agora que ninguém vê”. Não há eborense que se preze que não arrisque, perante o constatar de um virar de costas, um desabafo ou a confissão do que lhe vai na alma, omitidas acabrunhadamente no frente-a-frente. Daí que tenha hesitado em escrever sobre o assunto. Et pour cause. A questão envolve gente conhecida, amiga ou assim-assim. Gente com quem falo, com quem me dou, com quem pretendo manter a melhor das relações. Mas, como diria o outro (que eu não sei quem é), o homem ou é um homem, ou é um rato. E eu, de mamífero roedor, tenho muito pouco.
Queria falar-vos das aventuras e desventuras do comércio em Évora. Presumo que (eu que sou um presunçoso), por esta altura, alguns leitores estejam a soltar um “até que enfim!”, sonoro ou abafado. Não é de admirar. Como já tive oportunidade de referir, em matéria de «incompreensibilidade», Évora é um maná e, neste contexto, a atitude e comportamento dos comerciantes desta cidade (onde incluo patrões, gerentes, chefes de secção, empregados, trolhas, etc.), constitui a marca de água de qualquer análise que se produza sobre o nível de cosmopolitismo, urbanidade e sociabilidade das gentes de Évora. Questão de pormenor, dirão alguns. Certíssimo. Mas, como afirmou um dia Frank Lloyd Wright (ou terá sido Mies van der Rohe?), Deus está nos pormenores.
Primeiro dado extraordinário, capaz de causar vagas de epilepsia a quem por aqui passa ou aos nativos que, até à data, ainda não foram atingidos por um daqueles dardos de “anestesia crítica”: os horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. Na cidade museu vivo - das artes e dos espectáculos, do turismo e dos roteiros, da fruição dos espaços públicos e das encantadoras ruelas - onde é suposto verificar-se uma frenética actividade de gentes e seus derivados, deparamo-nos com esta coisa extraordinária: a generalidade (arrisco 99,99%) dos estabelecimentos comerciais encerra às 19 h, fecha para almoço durante duas horas, recusa-se a abrir portas aos sábados à tarde e ao domingo concorre para uma bizarra sensação de emudecimento do centro histórico, a que podemos chamar de «desertificação». Falo, obviamente, do denominado «comércio tradicional». O tal que se queixa da «concorrência» das «grandes superfícies». Sei que este assunto, tocado da forma como está a ser tocado, poderá trazer-me dissabores, em particular no que toca a certas regalias de que gozo há anos (descontos, ofertas e mimos de vária ordem). Mas a compaixão que estes queixumes em mim provoca é igual à que senti quando vi um Saddam Hussein barbudo, com ar de avozinho da Heidi: nenhuma.
Presumo (eu, que ainda acredito no Pai Natal) que os pequenos e médios comerciantes «tradicionais» – que, ou porque o não sabem, ou porque o esqueceram, têm o privilégio de exercer a sua actividade na melhor e maior «superfície comercial» de Évora, mais conhecida por “Centro Histórico” – tenham já tomado medidas para inverter a situação (que uns afirmam «grave» e outros «preocupante»). Eu, pela minha parte, tenho feito um esforço titânico para notar essas alterações mas, já sabem como eu sou: um incorrigível distraído.
Dizem-me que há por aí uma Associação Comercial, constituída por gente de boa vontade, altruísta, trabalhadora, empenhada em inverter o comodismo, as meias-tintas, a falta de profissionalismo de alguns dos seus associados, e a incapacidade de outros em perceber que a vida mudou, ou seja, que os estilos de vida já não são os mesmos de há trinta anos atrás. Dizem-me, também, que há por aí hectolitros de «sangue novo», que percorre alegremente os vasos de jovens empresários e gerentes (herdeiros, ou não, de negócios de família), cuja mentalidade já não se compadece com enleios de natureza passadista, hesitações medrosas ou justificações esfarrapadas para evitar, por exemplo, a flexibilização de horários. Entretanto, no meio de tanto informação, falo com uma jovem herdeira de um império comercial eborense, que me alerta para a «complexidade» da questão: o «pessoal» (ou serão mais os proprietários?) tem direito ao descanso, ao lazer, à família e ao sono. E dou comigo a pensar: caramba, sou um distraído quadrado! Como é que me terá escapado o tratamento cruel que o patronato europeu (já aqui em Espanha, por exemplo) imprime ao seu pessoal, na figura da tortura do sono, da ruína do ambiente familiar e do esgotamento física e mental de milhões de pobres diabos? Tentei falar-lhe de coisas como «turnos», «part-time», «outsourcing», «trabalho temporário». Ainda tentei colocar em causa a razoabilidade de, em plena canícula, as lojas abrirem as portas às 15 h da tarde para as fechar às 19 h. Ainda tentei perceber porque razão se encerrarem as lojas ao sábado à tarde, quando a cidade tem gente a circular nas ruas (o resto estará em Badajoz, Lisboa ou no Fórum Montijo a afogar as mágoas da depressão económica). Ainda tentei, mas não consegui.
Era minha intenção falar destas e doutras idiossincrasias do comércio eborense. Por exemplo, dizer algumas coisas sobre o sector da restauração e derivados: restaurantes, cafés, pastelarias, snack-bars, etc. Falar dos horários de aldeia praticados, do encerramento colectivo ao domingo, dos maus tratos e roubos infligidos por certos «profissionais» do ramo a turistas e transeuntes de ocasião. Falar da falta de gosto na escolha do mobiliário das esplanadas, da falta de simpatia e cortesia evidenciadas em alguns estabelecimentos hoteleiros. Queria, mas agora não tenho tempo. Nem espaço. E, deixem-me ser absolutamente sincero: não me quero ‘queimar’ mais.”
De Évora, um texto (a segunda parte) da autoria de um jovem promissor eborense, onde se abordam alguns temas da sua inquietação, sobre a mui nobre e sempre leal cidade de Évora. O texto denota alguma ingenuidade, própria de quem ainda pensa conseguir mudar o mundo. O estilo é um pouquinho acima do sofrível, o que já de si não é mau. Destaco a referência a Saddam Hussein: um ponto que me liga ao autor que nem uma lapa. Continuarei atento ao seu percurso, na denominada "imprensa regional". Apesar de tudo, são poucos os jovens deste calibre.
”A Cidade das Coisas Incompreensíveis – 2”
Por CARLOS DO CARMO CARAPINHA
“Eu não queria tocar no assunto. As declarações públicas não fazem parte do programa das festas. Os leitores saberão como é: Évora é uma cidade com muito de aldeia. Toda a gente se conhece, toda a gente se inveja, toda a gente se adora, toda a gente se odeia. Não há desporto mais difundido e popular na paróquia eborense que o da maledicência encapotada. O “diz agora que ninguém ouve.” O “faz agora que ninguém vê”. Não há eborense que se preze que não arrisque, perante o constatar de um virar de costas, um desabafo ou a confissão do que lhe vai na alma, omitidas acabrunhadamente no frente-a-frente. Daí que tenha hesitado em escrever sobre o assunto. Et pour cause. A questão envolve gente conhecida, amiga ou assim-assim. Gente com quem falo, com quem me dou, com quem pretendo manter a melhor das relações. Mas, como diria o outro (que eu não sei quem é), o homem ou é um homem, ou é um rato. E eu, de mamífero roedor, tenho muito pouco.
Queria falar-vos das aventuras e desventuras do comércio em Évora. Presumo que (eu que sou um presunçoso), por esta altura, alguns leitores estejam a soltar um “até que enfim!”, sonoro ou abafado. Não é de admirar. Como já tive oportunidade de referir, em matéria de «incompreensibilidade», Évora é um maná e, neste contexto, a atitude e comportamento dos comerciantes desta cidade (onde incluo patrões, gerentes, chefes de secção, empregados, trolhas, etc.), constitui a marca de água de qualquer análise que se produza sobre o nível de cosmopolitismo, urbanidade e sociabilidade das gentes de Évora. Questão de pormenor, dirão alguns. Certíssimo. Mas, como afirmou um dia Frank Lloyd Wright (ou terá sido Mies van der Rohe?), Deus está nos pormenores.
Primeiro dado extraordinário, capaz de causar vagas de epilepsia a quem por aqui passa ou aos nativos que, até à data, ainda não foram atingidos por um daqueles dardos de “anestesia crítica”: os horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. Na cidade museu vivo - das artes e dos espectáculos, do turismo e dos roteiros, da fruição dos espaços públicos e das encantadoras ruelas - onde é suposto verificar-se uma frenética actividade de gentes e seus derivados, deparamo-nos com esta coisa extraordinária: a generalidade (arrisco 99,99%) dos estabelecimentos comerciais encerra às 19 h, fecha para almoço durante duas horas, recusa-se a abrir portas aos sábados à tarde e ao domingo concorre para uma bizarra sensação de emudecimento do centro histórico, a que podemos chamar de «desertificação». Falo, obviamente, do denominado «comércio tradicional». O tal que se queixa da «concorrência» das «grandes superfícies». Sei que este assunto, tocado da forma como está a ser tocado, poderá trazer-me dissabores, em particular no que toca a certas regalias de que gozo há anos (descontos, ofertas e mimos de vária ordem). Mas a compaixão que estes queixumes em mim provoca é igual à que senti quando vi um Saddam Hussein barbudo, com ar de avozinho da Heidi: nenhuma.
Presumo (eu, que ainda acredito no Pai Natal) que os pequenos e médios comerciantes «tradicionais» – que, ou porque o não sabem, ou porque o esqueceram, têm o privilégio de exercer a sua actividade na melhor e maior «superfície comercial» de Évora, mais conhecida por “Centro Histórico” – tenham já tomado medidas para inverter a situação (que uns afirmam «grave» e outros «preocupante»). Eu, pela minha parte, tenho feito um esforço titânico para notar essas alterações mas, já sabem como eu sou: um incorrigível distraído.
Dizem-me que há por aí uma Associação Comercial, constituída por gente de boa vontade, altruísta, trabalhadora, empenhada em inverter o comodismo, as meias-tintas, a falta de profissionalismo de alguns dos seus associados, e a incapacidade de outros em perceber que a vida mudou, ou seja, que os estilos de vida já não são os mesmos de há trinta anos atrás. Dizem-me, também, que há por aí hectolitros de «sangue novo», que percorre alegremente os vasos de jovens empresários e gerentes (herdeiros, ou não, de negócios de família), cuja mentalidade já não se compadece com enleios de natureza passadista, hesitações medrosas ou justificações esfarrapadas para evitar, por exemplo, a flexibilização de horários. Entretanto, no meio de tanto informação, falo com uma jovem herdeira de um império comercial eborense, que me alerta para a «complexidade» da questão: o «pessoal» (ou serão mais os proprietários?) tem direito ao descanso, ao lazer, à família e ao sono. E dou comigo a pensar: caramba, sou um distraído quadrado! Como é que me terá escapado o tratamento cruel que o patronato europeu (já aqui em Espanha, por exemplo) imprime ao seu pessoal, na figura da tortura do sono, da ruína do ambiente familiar e do esgotamento física e mental de milhões de pobres diabos? Tentei falar-lhe de coisas como «turnos», «part-time», «outsourcing», «trabalho temporário». Ainda tentei colocar em causa a razoabilidade de, em plena canícula, as lojas abrirem as portas às 15 h da tarde para as fechar às 19 h. Ainda tentei perceber porque razão se encerrarem as lojas ao sábado à tarde, quando a cidade tem gente a circular nas ruas (o resto estará em Badajoz, Lisboa ou no Fórum Montijo a afogar as mágoas da depressão económica). Ainda tentei, mas não consegui.
Era minha intenção falar destas e doutras idiossincrasias do comércio eborense. Por exemplo, dizer algumas coisas sobre o sector da restauração e derivados: restaurantes, cafés, pastelarias, snack-bars, etc. Falar dos horários de aldeia praticados, do encerramento colectivo ao domingo, dos maus tratos e roubos infligidos por certos «profissionais» do ramo a turistas e transeuntes de ocasião. Falar da falta de gosto na escolha do mobiliário das esplanadas, da falta de simpatia e cortesia evidenciadas em alguns estabelecimentos hoteleiros. Queria, mas agora não tenho tempo. Nem espaço. E, deixem-me ser absolutamente sincero: não me quero ‘queimar’ mais.”
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