É PRECISO DIZÊ-LO
(dedicado ao Blog "a título de exemplo" do Alex. Inclui saquinho para o enjoo, livrinho da Bobone para colmatar a falta de maneiras, extracto seco de raiz de valeriana para os nervos, o 'On Liberty' do Mill para reavivar o sentido da liberdade de expressão e do respeito para com a opinião dos outros)
No The Economist:
”Os defensores da América sustentam que os crimes perpetrados pelos seus soldados não são nada quando comparados com os de Saddam Hussein; que piores abusos continuam a ocorrer nos paises árabes e que daí nunca resulta qualquer tipo de escrutínio público ou clamores para que se assumam responsabilidades políticas. Tudo isto é irrefutável. O falhanço do Sr. Bush em reconhecer e perceber a sensação de humilhação que os árabes sentem por aquilo que eles consideram ser uma tentativa arrogante dos EUA de impor os seus valores ao resto do mundo, tem tornado muito mais difícil a tarefa de praticar o bem, que muitos americanos generosa e sinceramente ensejam.”
É preciso dizer isso e muito mais. Várias vezes. Existe uma diferença abissal entre o tipo e contexto das sevícias cometidas contra alguns prisioneiros iraquianos, por parte de elementos das forças da coligação, e as sevícias, atrocidades e crimes cometidos pelo regime e pelos homens de Saddam. Aparte a diferença de dimensão e de tipo, entre uns e outros (que nem vale a pena discutir), é bom lembrar alguns factos.
Os excessos cometidos pelos soldados serão alvo de processo judicial e estes serão punidos. É provável que rolem cabeças no seguimento do que aconteceu. O escrutínio publico a que estão sujeitos os governos, a ocidente, pode resultar no derrube desses mesmos governos e na demissão de altos funcionários do Estado. Que se saiba, nunca ninguém no regime de Saddam foi condenado por ter cometidos torturas ou sevícias nas prisões. A impunidade e a arbitrariedade constituíram a pedra de toque. Nunca ninguém no Iraque reclamou por responsabilidades políticas, na forma como o governo se demitiu da obrigação de zelar pelo bem estar das populações, a sul e a norte. Nunca ninguém foi chamado à pedra por causa da privação de alimentos e de medicamentos a que foram sujeitos xiitas e curdos, sob as barbas da boa gente da ONU. Nunca se constituíram comissões de inquérito para avaliar ou analisar erros de conduta, excessos de autoridade, condenações sumárias ou corrupção. O regime iraquiano – representante de um tipo de nacionalismo secular árabe, misturando ideias fascistas e socialistas - foi, nos tempos de Saddam, uma ditadura corrupta, brutal e perversa. Por detrás de uma aparente tolerância religiosa e da falta de um modelo de ascetismo islâmico (argumentos tantas vezes acenados a ocidente para amenizar o regime), o regime de Saddam praticava, por sistema, deliberada e conscientemente, a tortura, o assassínio, a limpeza e a segregação étnicas. Deixemo-nos de comparações absurdas ou paralelismos atrozes.
Dirão que recorro a banalidades, ao que «toda a gente» já sabe. De acordo. Mas é por vezes útil lembrar o que se tenta escamotear ou esquecer. Derrubou-se um regime que tinha de ser derrubado. De há um ano a esta parte, a tarefa que se perspectiva, no sentido de estabilizar o Iraque, é complexa, sinuosa e morosa. Mas tem de ser tentada. “The job has to be done”, disse Tony Blair. Doa a quem doer. Não há volta a dar. É certo, certíssimo!, que foram cometidos erros, alguns deles grosseiros. Sabe-se, hoje, que houve incompetência, aqui e ali, por parte da coligação. Sabe-se, hoje, que o general Franks foi ingénuo (chamemos-lhe apenas isso). Mas, como disse José Cutileiro, "a guerra foi há um ano e repisar no passado não vale a pena."
O resto do artigo:
"No minimo, a America tem agora de assegurar uma maior abertura, especialmente no que toca à administração dos assuntos de justiça no Iraque. Aos iraquianos devem ser conferidos os mesmo direitos, sob a lei, de que gozam os americanos. Instituições como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional devem poder inspeccionar as prisões. O julgamento, em tribunal marcial, daqueles que cometeram os abusos deve passar na televisão iraquiana [com uma comunicação social que, inadvertidamente ou não, tem feito o possível e o impossível para passar só o lado negro, há-de haver quem tente subverter esse julgamento e as respectivas condenações. Vai uma apostinha?].
Mas a América e os seus aliados devem mostrar força e demonstrar contrição. Acima de tudo, não devem perder o coração e o sangue frio. Apesar dos acontecimentos de Abu Ghraib terem passado a dificultar o trabalho, o Iraque tem de ser ganho. A transferência de poder para os iraquianos, marcada para o próximo mês, necessariamente parcial e gradual, deve prosseguir rapidamente. Devem ser enviadas mais tropas de modo a auxiliar convenientemente o novo e imberbe governo iraquiano, que começará em breve a dar os primeiros passos. As Nações Unidas deverão partilhar [quererão partilhar? Servirão para alguma coisa?], com os iraquianos e os americanos, a gestão política do país no perigoso período transitório entre Junho e as eleições de Janeiro. A violência não está predestinada a piorar, apesar das adversidades do último mês. A receita certa para o desastre seria agora a retirada em pânico, deixando para trás o caos. Isso seria fatal para a posição e para a imagem da superpotência no mundo islâmico."
(dedicado ao Blog "a título de exemplo" do Alex. Inclui saquinho para o enjoo, livrinho da Bobone para colmatar a falta de maneiras, extracto seco de raiz de valeriana para os nervos, o 'On Liberty' do Mill para reavivar o sentido da liberdade de expressão e do respeito para com a opinião dos outros)
No The Economist:
”Os defensores da América sustentam que os crimes perpetrados pelos seus soldados não são nada quando comparados com os de Saddam Hussein; que piores abusos continuam a ocorrer nos paises árabes e que daí nunca resulta qualquer tipo de escrutínio público ou clamores para que se assumam responsabilidades políticas. Tudo isto é irrefutável. O falhanço do Sr. Bush em reconhecer e perceber a sensação de humilhação que os árabes sentem por aquilo que eles consideram ser uma tentativa arrogante dos EUA de impor os seus valores ao resto do mundo, tem tornado muito mais difícil a tarefa de praticar o bem, que muitos americanos generosa e sinceramente ensejam.”
É preciso dizer isso e muito mais. Várias vezes. Existe uma diferença abissal entre o tipo e contexto das sevícias cometidas contra alguns prisioneiros iraquianos, por parte de elementos das forças da coligação, e as sevícias, atrocidades e crimes cometidos pelo regime e pelos homens de Saddam. Aparte a diferença de dimensão e de tipo, entre uns e outros (que nem vale a pena discutir), é bom lembrar alguns factos.
Os excessos cometidos pelos soldados serão alvo de processo judicial e estes serão punidos. É provável que rolem cabeças no seguimento do que aconteceu. O escrutínio publico a que estão sujeitos os governos, a ocidente, pode resultar no derrube desses mesmos governos e na demissão de altos funcionários do Estado. Que se saiba, nunca ninguém no regime de Saddam foi condenado por ter cometidos torturas ou sevícias nas prisões. A impunidade e a arbitrariedade constituíram a pedra de toque. Nunca ninguém no Iraque reclamou por responsabilidades políticas, na forma como o governo se demitiu da obrigação de zelar pelo bem estar das populações, a sul e a norte. Nunca ninguém foi chamado à pedra por causa da privação de alimentos e de medicamentos a que foram sujeitos xiitas e curdos, sob as barbas da boa gente da ONU. Nunca se constituíram comissões de inquérito para avaliar ou analisar erros de conduta, excessos de autoridade, condenações sumárias ou corrupção. O regime iraquiano – representante de um tipo de nacionalismo secular árabe, misturando ideias fascistas e socialistas - foi, nos tempos de Saddam, uma ditadura corrupta, brutal e perversa. Por detrás de uma aparente tolerância religiosa e da falta de um modelo de ascetismo islâmico (argumentos tantas vezes acenados a ocidente para amenizar o regime), o regime de Saddam praticava, por sistema, deliberada e conscientemente, a tortura, o assassínio, a limpeza e a segregação étnicas. Deixemo-nos de comparações absurdas ou paralelismos atrozes.
Dirão que recorro a banalidades, ao que «toda a gente» já sabe. De acordo. Mas é por vezes útil lembrar o que se tenta escamotear ou esquecer. Derrubou-se um regime que tinha de ser derrubado. De há um ano a esta parte, a tarefa que se perspectiva, no sentido de estabilizar o Iraque, é complexa, sinuosa e morosa. Mas tem de ser tentada. “The job has to be done”, disse Tony Blair. Doa a quem doer. Não há volta a dar. É certo, certíssimo!, que foram cometidos erros, alguns deles grosseiros. Sabe-se, hoje, que houve incompetência, aqui e ali, por parte da coligação. Sabe-se, hoje, que o general Franks foi ingénuo (chamemos-lhe apenas isso). Mas, como disse José Cutileiro, "a guerra foi há um ano e repisar no passado não vale a pena."
O resto do artigo:
"No minimo, a America tem agora de assegurar uma maior abertura, especialmente no que toca à administração dos assuntos de justiça no Iraque. Aos iraquianos devem ser conferidos os mesmo direitos, sob a lei, de que gozam os americanos. Instituições como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional devem poder inspeccionar as prisões. O julgamento, em tribunal marcial, daqueles que cometeram os abusos deve passar na televisão iraquiana [com uma comunicação social que, inadvertidamente ou não, tem feito o possível e o impossível para passar só o lado negro, há-de haver quem tente subverter esse julgamento e as respectivas condenações. Vai uma apostinha?].
Mas a América e os seus aliados devem mostrar força e demonstrar contrição. Acima de tudo, não devem perder o coração e o sangue frio. Apesar dos acontecimentos de Abu Ghraib terem passado a dificultar o trabalho, o Iraque tem de ser ganho. A transferência de poder para os iraquianos, marcada para o próximo mês, necessariamente parcial e gradual, deve prosseguir rapidamente. Devem ser enviadas mais tropas de modo a auxiliar convenientemente o novo e imberbe governo iraquiano, que começará em breve a dar os primeiros passos. As Nações Unidas deverão partilhar [quererão partilhar? Servirão para alguma coisa?], com os iraquianos e os americanos, a gestão política do país no perigoso período transitório entre Junho e as eleições de Janeiro. A violência não está predestinada a piorar, apesar das adversidades do último mês. A receita certa para o desastre seria agora a retirada em pânico, deixando para trás o caos. Isso seria fatal para a posição e para a imagem da superpotência no mundo islâmico."
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