AI JOSÉ, O QUE PARA AÍ ANDAS A DIZER! (foi comprado, foi comprado!!)
Promover a Guerra para Salvar Pessoas
Por JOSÉ RAMOS HORTA
”O novo governo socialista em Espanha cedeu às ameaças terroristas e retirou as suas tropas do Iraque. O mesmo aconteceu com as Honduras e a República Dominicana e é muito provável que não sejam os últimos. Com a perspectiva de que segurança vai piorar, temos de aceitar que mais alguns países - que não valorizam o que o Mundo tem a ganhar com a construção de um Iraque livre - irão retirar.
Seja o que for que os governos em retirada engendrem, cada vez que um país abandona o Iraque é uma vitória para a Al Qaeda e outros extremistas. Eles tiram a conclusão de que a coligação é fraca e que quantos mais ataques terroristas realizarem, mais países retirarão.
Como Prémio Nobel da Paz, eu, como tantas outras pessoas, abomino o uso da força. Mas quando se trata de salvar inocentes da tirania ou do genocídio, nunca questionei a sua justificação. Foi por isso que apoiei a invasão do Camboja pelo Vietname, em 1978, que acabou com o regime brutal do Pol Pot, e a invasão do Uganda pela Tanzânia no ano seguinte para derrubar a ditadura de Idi Amin. Em ambos os casos, estes países agiram sem a aprovação internacional ou das Nações Unidas - e nos dois casos agiram bem.
Talvez a França se tenha esquecido como também ela derrubou um dos piores violadores dos direitos humanos do Mundo sem esperar pelo aval da ONU e também eu aplaudi, no início dos anos 80, quando os seus pára-quedistas aterraram na capital do Império Centro Africano e destronaram o "imperador" Bokassa, conhecido pelo seu canibalismo.
Quase duas décadas depois, aplaudi mais uma vez quando a NATO interveio - sem um mandato da ONU - para acabar com a limpeza étnica no Kosovo e libertar da tirania sérvia uma comunidade muçulmana europeia oprimida. E regozijei uma vez mais em 2001 quando as forças lideradas pelos Estados Unidos derrubaram os talibã libertando o Afeganistão de um regime bárbaro.
Porque será que ainda há quem pense que o Iraque é diferente? Passado apenas um ano da queda do antigo regime, parece terem-se esquecido como morreram centenas de milhares de pessoas durante o poder tirânico de Saddam Hussein, cuja imagem de marca eram o terror, as execuções sumárias a tortura e a violação. Também se esqueceram como os curdos e os países vizinhos do Iraque viviam aterrorizados o dia a dia enquanto Saddam esteve no poder.
A queda de Saddam é, em contrapartida, uma oportunidade para construir um novo Iraque pacífico, tolerante e próspero. É isso que os extremistas de todo o mundo muçulmano tentam impedir. Eles sabem que um Iraque livre minaria fatalmente o seu objectivo de purgar de toda a influência ocidental o mundo muçulmano, derrubar os regimes seculares da região e impor regimes semelhantes ao que existia no Afeganistão sob os talibã. E sabem que se forçarem os países ocidentais a retirar do Iraque isso será um grande passo para atingir esse objectivo, pondo em perigo a existência dos regimes moderados - do Médio Oriente ao Magreb e Sul e Sudeste Asiáticos. Se esses regimes caíssem, centenas de milhares de muçulmanos que hoje denunciam os "males" do imperialismo económico e cultural ocidental afluiriam à Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália em busca de refúgio.
Tal como no Irão, os muçulmanos poderão ter de passar pela experiência de serem governados pelos ayatollahs antes de se aperceberem que tolos foram em não se terem oposto a esses zelotas religiosos. Felizmente, este é um cenário remoto. Se olharmos para além da cobertura televisiva da carnificina no Iraque, ainda há esperança de se vir a concretizar a grande visão de Washington em transformar esta nação. Sondagens de opinião fiáveis mostram que um grande número de iraquianos estão melhor agora do que há um ano. Há liberdade de imprensa, com inúmeros novos jornais e rádios a surgirem no país. Começam a aparecer inúmeras organizações não governamentais que abrangem todas as áreas desde os direitos humanos à defesa da mulher. Em resumo: o Iraque está a experimentar pela primeira vez a liberdade na sua longa e sangrenta história. E também é isso que temem os fanáticos religiosos.
A maioria xiita tem agido com grande reserva perante as constantes provocações de elementos extremistas da minoria sunita, dos fiéis de Saddam e da Al Qaeda. Seria sensato que as autoridades da coligação procurassem dar mais responsabilidades os clérigos xiitas e assegurassem que as suas preocupações legítimas e históricas fossem atendidas. Apesar de um regime dominado pelos xiitas poder não coincidir com o objectivo de uma democracia secular de tipo Ocidental, é bastante preferível a correr o risco do regresso ao poder dos seguidores de Saddam ou dos extremistas sunitas.
Os Estados Unidos devem reiterar que a construção da democracia no Iraque não marginalizará o papel do Islão. A democracia e o Islão coexistem harmoniosamente em países como a Indonésia, a Malásia e o Bangladesh, enquanto Israel é um exemplo de um Estado com uma só religião. Este poderia também ser o caso do Iraque, desde que seja liderado por clérigos sensatos e compassivos capazes de defenderem a liberdade, tolerância, justiça e boa governação. O candidato mais provável para este cargo é Ali Sistani, o clérigo mais respeitado do país.
Os Estados Unidos também necessitam de actuar para reparar os danos causados pelas revelações dos maus-tratos a prisioneiros iraquianos. Não nos podemos esquecer que as pessoas envolvidas constituem uma ínfima parte dos militares deslocados no Iraque, não obstante o facto de se ter permitido continuar os abusos e crueldade mesmo depois da Cruz Vermelha - que habitualmente não se manifesta - ter feito soar o alarme. Só uma investigação com a respectiva penalização dos responsáveis poderá restaurar a posição da América no Iraque.
Está na altura de Washington mostrar a sua capacidade de liderança assegurando que as Nações Unidas terão o papel central na construção do novo Iraque. Como timorense, estou perfeitamente ciente das limitações desta instituição internacional e das suas fraquezas, uma vez que assisti à sua impotência face à invasão do meu país pela Indonésia. A ONU é a soma de todas as nossas qualidades e fraquezas, dos nossos interesses nacionais egoístas e vaidades pessoais. Por causa de todas as suas fraquezas, é a única organização internacional de que todos sentimos fazer parte e, por isso, deveria ser enaltecida e não enfraquecida. Enquanto os Estados Unidos continuarem a ter um papel crucial na segurança do Iraque, uma força de manutenção da paz liderada pelas Nações Unidas deveria permitir que muitas nações árabes e muçulmanas se lhe juntassem e ajudassem a isolar os extremistas.
Em quase 30 anos de vida política activa, apoiei o uso da força em várias ocasiões e não esqueço que as consequências de não fazer nada perante o mal foram graficamente demonstradas quando o mundo se pôs à parte e não impediu o genocídio do Ruanda. Nessa altura, onde estavam os manifestantes pela paz? Estavam tão silenciosos como estão hoje face aos bárbaros comportamentos dos fanáticos religiosos.
Há quem me acuse de ser mais um fomentador da guerra do que um Nobel da Paz, mas não tenho medo de confrontar os meus críticos. É sempre mais fácil dizer não à guerra, mas ser politicamente correcto significa deixar os inocentes a sofrer, desde Phnom Penh a Bagdad. E é isso que quem foge do Iraque corre o risco de estar a fazer.”
in Público 17 de Maio de 2004
Promover a Guerra para Salvar Pessoas
Por JOSÉ RAMOS HORTA
”O novo governo socialista em Espanha cedeu às ameaças terroristas e retirou as suas tropas do Iraque. O mesmo aconteceu com as Honduras e a República Dominicana e é muito provável que não sejam os últimos. Com a perspectiva de que segurança vai piorar, temos de aceitar que mais alguns países - que não valorizam o que o Mundo tem a ganhar com a construção de um Iraque livre - irão retirar.
Seja o que for que os governos em retirada engendrem, cada vez que um país abandona o Iraque é uma vitória para a Al Qaeda e outros extremistas. Eles tiram a conclusão de que a coligação é fraca e que quantos mais ataques terroristas realizarem, mais países retirarão.
Como Prémio Nobel da Paz, eu, como tantas outras pessoas, abomino o uso da força. Mas quando se trata de salvar inocentes da tirania ou do genocídio, nunca questionei a sua justificação. Foi por isso que apoiei a invasão do Camboja pelo Vietname, em 1978, que acabou com o regime brutal do Pol Pot, e a invasão do Uganda pela Tanzânia no ano seguinte para derrubar a ditadura de Idi Amin. Em ambos os casos, estes países agiram sem a aprovação internacional ou das Nações Unidas - e nos dois casos agiram bem.
Talvez a França se tenha esquecido como também ela derrubou um dos piores violadores dos direitos humanos do Mundo sem esperar pelo aval da ONU e também eu aplaudi, no início dos anos 80, quando os seus pára-quedistas aterraram na capital do Império Centro Africano e destronaram o "imperador" Bokassa, conhecido pelo seu canibalismo.
Quase duas décadas depois, aplaudi mais uma vez quando a NATO interveio - sem um mandato da ONU - para acabar com a limpeza étnica no Kosovo e libertar da tirania sérvia uma comunidade muçulmana europeia oprimida. E regozijei uma vez mais em 2001 quando as forças lideradas pelos Estados Unidos derrubaram os talibã libertando o Afeganistão de um regime bárbaro.
Porque será que ainda há quem pense que o Iraque é diferente? Passado apenas um ano da queda do antigo regime, parece terem-se esquecido como morreram centenas de milhares de pessoas durante o poder tirânico de Saddam Hussein, cuja imagem de marca eram o terror, as execuções sumárias a tortura e a violação. Também se esqueceram como os curdos e os países vizinhos do Iraque viviam aterrorizados o dia a dia enquanto Saddam esteve no poder.
A queda de Saddam é, em contrapartida, uma oportunidade para construir um novo Iraque pacífico, tolerante e próspero. É isso que os extremistas de todo o mundo muçulmano tentam impedir. Eles sabem que um Iraque livre minaria fatalmente o seu objectivo de purgar de toda a influência ocidental o mundo muçulmano, derrubar os regimes seculares da região e impor regimes semelhantes ao que existia no Afeganistão sob os talibã. E sabem que se forçarem os países ocidentais a retirar do Iraque isso será um grande passo para atingir esse objectivo, pondo em perigo a existência dos regimes moderados - do Médio Oriente ao Magreb e Sul e Sudeste Asiáticos. Se esses regimes caíssem, centenas de milhares de muçulmanos que hoje denunciam os "males" do imperialismo económico e cultural ocidental afluiriam à Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália em busca de refúgio.
Tal como no Irão, os muçulmanos poderão ter de passar pela experiência de serem governados pelos ayatollahs antes de se aperceberem que tolos foram em não se terem oposto a esses zelotas religiosos. Felizmente, este é um cenário remoto. Se olharmos para além da cobertura televisiva da carnificina no Iraque, ainda há esperança de se vir a concretizar a grande visão de Washington em transformar esta nação. Sondagens de opinião fiáveis mostram que um grande número de iraquianos estão melhor agora do que há um ano. Há liberdade de imprensa, com inúmeros novos jornais e rádios a surgirem no país. Começam a aparecer inúmeras organizações não governamentais que abrangem todas as áreas desde os direitos humanos à defesa da mulher. Em resumo: o Iraque está a experimentar pela primeira vez a liberdade na sua longa e sangrenta história. E também é isso que temem os fanáticos religiosos.
A maioria xiita tem agido com grande reserva perante as constantes provocações de elementos extremistas da minoria sunita, dos fiéis de Saddam e da Al Qaeda. Seria sensato que as autoridades da coligação procurassem dar mais responsabilidades os clérigos xiitas e assegurassem que as suas preocupações legítimas e históricas fossem atendidas. Apesar de um regime dominado pelos xiitas poder não coincidir com o objectivo de uma democracia secular de tipo Ocidental, é bastante preferível a correr o risco do regresso ao poder dos seguidores de Saddam ou dos extremistas sunitas.
Os Estados Unidos devem reiterar que a construção da democracia no Iraque não marginalizará o papel do Islão. A democracia e o Islão coexistem harmoniosamente em países como a Indonésia, a Malásia e o Bangladesh, enquanto Israel é um exemplo de um Estado com uma só religião. Este poderia também ser o caso do Iraque, desde que seja liderado por clérigos sensatos e compassivos capazes de defenderem a liberdade, tolerância, justiça e boa governação. O candidato mais provável para este cargo é Ali Sistani, o clérigo mais respeitado do país.
Os Estados Unidos também necessitam de actuar para reparar os danos causados pelas revelações dos maus-tratos a prisioneiros iraquianos. Não nos podemos esquecer que as pessoas envolvidas constituem uma ínfima parte dos militares deslocados no Iraque, não obstante o facto de se ter permitido continuar os abusos e crueldade mesmo depois da Cruz Vermelha - que habitualmente não se manifesta - ter feito soar o alarme. Só uma investigação com a respectiva penalização dos responsáveis poderá restaurar a posição da América no Iraque.
Está na altura de Washington mostrar a sua capacidade de liderança assegurando que as Nações Unidas terão o papel central na construção do novo Iraque. Como timorense, estou perfeitamente ciente das limitações desta instituição internacional e das suas fraquezas, uma vez que assisti à sua impotência face à invasão do meu país pela Indonésia. A ONU é a soma de todas as nossas qualidades e fraquezas, dos nossos interesses nacionais egoístas e vaidades pessoais. Por causa de todas as suas fraquezas, é a única organização internacional de que todos sentimos fazer parte e, por isso, deveria ser enaltecida e não enfraquecida. Enquanto os Estados Unidos continuarem a ter um papel crucial na segurança do Iraque, uma força de manutenção da paz liderada pelas Nações Unidas deveria permitir que muitas nações árabes e muçulmanas se lhe juntassem e ajudassem a isolar os extremistas.
Em quase 30 anos de vida política activa, apoiei o uso da força em várias ocasiões e não esqueço que as consequências de não fazer nada perante o mal foram graficamente demonstradas quando o mundo se pôs à parte e não impediu o genocídio do Ruanda. Nessa altura, onde estavam os manifestantes pela paz? Estavam tão silenciosos como estão hoje face aos bárbaros comportamentos dos fanáticos religiosos.
Há quem me acuse de ser mais um fomentador da guerra do que um Nobel da Paz, mas não tenho medo de confrontar os meus críticos. É sempre mais fácil dizer não à guerra, mas ser politicamente correcto significa deixar os inocentes a sofrer, desde Phnom Penh a Bagdad. E é isso que quem foge do Iraque corre o risco de estar a fazer.”
in Público 17 de Maio de 2004
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