O MacGuffin

segunda-feira, maio 17, 2004

E SE?
Sempre gostei de Billy Bragg. Não do Billy Bragg activista político, mas do Billy Bragg músico pop. Ontem, voltei a ouvir “Talking With The Taxman About Poetry”, um dos seus melhores álbuns. Estão lá, pelo menos, duas das melhores canções pop alguma vez escritas: “Levi Stubb’s Tears” e “Ideology”.
Enquanto o ouvia, pus-me a pensar como sempre embirrei com aquele título. E se o cobrador de impostos, ou fiscal das finanças, gosta de poesia? E se, nas suas horas vagas, o fiscal consome Yeats, Whitman ou Keats? E se o dito fiscal sabe falar de poesia como Bragg nunca soube falar?

Tenho uma teoria para a escolha daquele título. Bragg foi toda a sua vida um declarado comunista e utopista. O título escolhido espelha bem a atitude da esquerda (passo a generalizar, para efeitos retóricos). Toda a presunção e todo o preconceito da esquerda, relativamente aos «outros» (aos não eleitos do clube), estão presentes naquele título. Eis o seu modus operandi: 1) por um lado, tomar o povo como uma massa uniforme e homogénea de sensibilidades, visões, objectivos e desejos, ou seja, uma massa que implora pelo patrocínio e protecção da esquerda, e que estará sempre receptiva a aceitar, abnegadamente, as soluções que alguns sábios e visionários - guardiões da boa vontade, da justiça, da seriedade e da competência – preconizam para si (isto, é claro, se cada um, de per si, estiver bom da cabeça); 2) por outro lado, ainda que paradoxalmente, encetar um trabalho de rotulagem e de etiquetagem com base em critérios supostamente infalíveis, forjados na montanha do preconceito, do estereotipo e da caricatura - precisamente a uma latitude que lhe permite “ver o filme todo”. Juntem a isto uma completa e pueril incapacidade para lidar com o imponderável, o irracional e as liberdades individuais, et voilà: eis a esquerda em todo o seu “esplendor” (leia-se “pior”). O fiscal das finanças? O empresário? O capitalista? O banqueiro? O contabilista? O broker? Coitados, que saberão eles das «coisas do espírito»? Que sensibilidade e capacidade terão para compreender Bacon, Borges, Ibsen ou “Morangos Silvestres” – coisas, aliás, como toda a gente sabe, de importância brutal para a sobrevivência e felicidade humanas? Criaturas insensíveis, egoístas, ignorantes, materialistas, ao fim ao cabo detritos da sociedade do consumo e do ímpio sistema capitalista. Enfim... the usual stuff.

“Talking With The Taxman About Poetry”? So fucking what, Mr Bragg?


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