O MacGuffin

quinta-feira, maio 13, 2004

JEFF, IF YOU COULD ONLY SEE YOURSELF? (revisto e corrigido)
Jeff: What's the matter? Lisa: Sitting around looking out of the window to kill time is one thing but doing it the way you are with binoculars and, and wild opinions about every little thing you see is, is diseased!

Há coisa de três semanas, este biltre teve o atrevimento de tocar no assunto, com a perguntinha da praxe: “De todos os filmes de Hitchcock, qual é para ti o melhor?”. A questão é assaz ofensiva, só desculpável porque Borges é Borges, o resto é paisagem. Disse-lhe que teria, pelo menos, de escolher três ou quatro filmes. Arrisquei uma resposta: ”Certamente Janela Indiscreta, Vertigo e Mentira. E, já agora, A Corda, Difamação e Intriga Internacional. E, claro, Marnie, Um Barco e Nove Destinos, Ladrão de Casaca...” Parei por ali. Já deveria saber que não é humanamente possível escolher «o» filme de Hitchcock. Qualquer tentativa nesse sentido resulta num exercício penoso e num esforço inglório.

Imobilizado que estou em casa, por ordem do médico, vai para três dias, lembrei-me de um outro imobilizado. Um tal de L. B. Jefferies. Fatalmente, revi ontem o filme (é seguramente o mais visto e revisto filme da minha vida). Hoje, fazendo jus ao meu nickname, decidi postar umas breves notas sobre Rear Window.



Janela Indiscreta (título feliz para um país que se habitou à infelicidade de inventar os títulos mais improváveis para os filmes made abroad) foi realizado em 1954, no mesmo ano de Chamada Para a Morte. Eis a ficha técnica:

Realização: Alfred Hitchcock
Produtora: Paramount, USA
Argumento: John Michael Hayes, baseado numa novela de Cornell Woolrich
Fotografia: Robert Burks
Interpretes: James Stewart, Grace Kelly, Wendell Corey, Thelma Ritter, Raymond Burr, Judith Evelyn, Ross Bagdasarian, Georgine Darse, Jesslyn Fax, Rand Harper, Irene Winston, entre outros.

O filme conta-nos a história de L. B. Jefferies (James Stewart), um fotografo que se encontra «preso» num quarto de um apartamento nova-iorquino, de perna engessada, resultado de um acidente de trabalho (Jefferies fazia a cobertura de uma corrida de automóveis quando um carro se despistou na sua direcção - momento, aliás, registado pela sua objectiva). Nessa sua condição de inválido, Jefferies recebe a visita diária de duas personagens: Stella (a fabulosa Thelma Ritter), enfermeira da seguradora que assegura a massagem rotineira e a injecção diária de «common sense» (os diálogos são irresistíveis); Lisa Carol Fremont (Grace Kelly), a improvável namorada de Jefferies (e futura noiva), menina da alta sociedade nova-iorquina, colaboradora da Harper’s Bazaar, muito ciosa da sua imagem e postura, sempre a par do último gadget da Tiffany & Co. ou do mais recente grito da moda, directamente de Paris para a sua Park Avenue. Contudo, Lisa está longe de ser a típica fashion victim, patetinha e frívola: Lisa é uma mulher encantadora, educada e sofisticada, senhora de um excelente sentido de humor, que sonha, um dia, casar com Jefferies. Apesar de nitidamente apaixonado (quem não ficaria?) Jefferies mantém algumas reservas relativamente ao casamento, face à notória diferença de estilos de vida. Jefferies é o típico fotografo aventureiro, sempre em busca do furo jornalístico, da fotografia impossível, seja ela tirada em Long Island, Calcutá ou Caxemira. Lisa é o oposto. Um dos temas abordados em Janela Indiscreta é, precisamente, a questão do compromisso vs. incompatibilidades.

Jefferies encontra-se numa situação que é um convite ao tédio, não colmatado pelas esporádicas visitas da enfermeira Stella e da encantadora Miss Lisa. Agarra-se ao único foco de distracção disponível naquele cubículo: o cenário exterior de um pátio traseiro, proporcionado por uma abertura na parede vulgarmente conhecida como «janela». «A» janela. Por via de uma quase «inevitabilidade», Jefferies acaba por vestir o fato de peeping-tom, entregando-se a um exercício de voyeurismo que, de inicio, tem mais de lúdico do que de patológico. A janela de Jefferies passa a ser, também, a nossa janela, a janela (física e metafórica) do espectador, como voyeur em segunda-mão.

Pode sempre dizer-se que Janela Indiscreta é um filme sobre o voyeurismo. Mas de que tipo? Jefferies é, sem margem para dúvidas, um voyeur, mas um voyeur de circunstância, forçado, gozando da atenuante de se encontrar imobilizado e confinado a um espaço exíguo, rodeado por quatro paredes e, lá está, uma janela. O seu voyeurismo não advém de uma obsessão doentia (de índole sexual ou não), mas resulta «apenas» do «natural» índice de curiosidade sobre o alheio, intrínseco a qualquer ser humano. No caso de Jefferies, pode até dizer-se que se trata de defeito profissional (a profissão de fotógrafo obriga-o a ser curioso e observador). “Eu aposto consigo que nove em cada dez pessoas que vejam uma mulher a despir-se a caminho da cama, ou até mesmo um homem arrumando o seu quarto, vão ficar especadas a observar; ninguém dirá, desviando o olhar, 'aquilo não me diz respeito'. Poderiam descer as cortinas mas raramente o fazem; ficam parados, observando”, afirmou Hitchcock em entrevista a Truffaut. A eventual crítica de Hitchcock ao voyeurismo é, desta forma, mitigada pelo constatar e pela aceitação tácita dessa fraqueza humana. Essa ambiguidade é transposta magistralmente para o final do filme: Jefferies, o voyeur, é coroado herói embora, momentos antes, tivesse sido «castigado» pelo seu atrevimento e pela sua indiscrição (partindo outra perna e quase acabando morto).



Janela Indiscreta é um dos filmes onde Hitchcock deu mais largas ao seu sadismo e ao seu exquisite humor negro. Um filme pincelado por uma crueldade que o faz ir muito para além de qualquer visão pessimista da natureza humana. Em jeito de parábola, podemos dizer que o cenário revelado pela janela representa o mundo, e Jefferies o realizador de cinema que, com a sua objectiva (binóculos), nos dá a conhecer o grotesco, o patético, a impossibilidade da felicidade, as pífias misérias humanas. Nós, que juntamente com Jefferies observamos o quotidiano daquele pátio, damo-nos conta de que nos observamos a nós próprios. Miss Torso: a boazona bailarina, rodeada pela homenzarrada que só pensa em saltar-lhe para cima, mas incapaz de a compreender e amar; Miss Lonely Heart: a triste, solitária e amargurada solteirona, cujo desespero a leva a compor jantares à luz das velas com homens imaginários, culminando numa tentativa de suicídio; o compositor falhado, insatisfeito com a sua provável mediocridade e lutando contra a solidão, apesar de conseguir encher o apartamento de gente; o casal sem filhos que, em contrapartida, tem um adorável cãozinho semi-amestrado (que, por sinal, acaba morto); o caixeiro-viajante, homem de poucas falas, antipático, casado com uma mulher impertinente que se encontra acamada e lhe corrói a paciência; o jovem casal recém-casado, para quem a vida ainda é tudo, passando os seus dias a... brincar. É neste cenário, com estas personagens, que Hitchcock mistura, como só ele o sabe fazer, casamento, suicídio, degradação humana e desespero, juntando-lhe o cinismo e a ironia hitchcockiana, mas sem nunca perder de vista uma espécie de solidão moral. Truffaut disse um dia que “a impassividade e ‘objectividade’ em Hitchcock são mais aparentes que reais”. Por detrás da trama e de um tom que mistura realismo, poesia e humor macabro, persiste uma visão do mundo que caminha na direcção da misantropia.Janela Indiscreta deixa também no ar a ideia de que, no remanso e na paz do mais comum dos lares, povoado pela ordinary people mais inofensiva, podem esconder-se os piores crimes.



Do ponto de vista cinematográfico, Janela Indiscreta é riquíssimo. Começa com um magistral e histórico travelling onde, em pouco mais de dois minutos, sem uma palavra ou diálogo, se fica a saber quase tudo sobre todas as personagens. Por outro lado, Janela Indiscreta é um dos raros filmes em que o que é mostrado está quase exclusivamente ligado à observação directa de um dos personagens, como se o filme estivesse contido dentro de outro. Alfred Hitchcock disse uma vez uma coisa sobre Rear Window que resume na perfeição o filme: “Temos um homem imobilizado que olha para fora de casa. É uma parte do filme. A segunda parte revela-nos o que é que ele observa. A terceira parte dá-nos a conhecer a sua reacção. Isto é a mais pura expressão da ideia cinematográfica”. Em nome dessa «pureza», cerca de 60 minutos de Janela Indiscreta (uma hora) são mudos ou semi-mudos. Hitchcock fragmentou o filme, apostou na simetria de planos, numa rigorosa mise-en-scene, voltou a usar, como já o tinha feito em A Corda, o método do «cenário único», deteve-se nos pormenores mais bizarros e recusou os habituais clichés cinematográficos, mesmo que isso colidisse com o solilóquio da representação. Não foi por acaso que Stewart confessou, após ter visionado pela primeira vez o filme, não se lembrar de ter representado «daquela maneira». Em Janela Indiscreta, Hitchcock conseguiu separar a linguagem estrutural do cinema com a da expressão teatral. Com isso compôs um verdadeiro hino ao cinema.



Stella: The New York State sentence for a Peeping Tom is six months in the workehouse. Jefferies: Oh, hello Stella. Stella: You know, in the old days they used to put your eyes out with a redhot poker. Any of those bikini bombshells you’re always watchin’ worth a redhot poker? Oh dear, we’ve become a race of Peeping Toms. What people ought to do is get outside their own house and look in for a change. Yes, sir, how’s that for a bit of homespun philosophy?Jefferies: ’Reader’s Digest’, April 1939. Stella: Well, I only quote from the best. You know, I should have been a gipsy fortune teller instead of an insurance-company nurse. I got a nose for trouble. Smell it ten miles away. You heard of that stock market crash in 29? I predicted it. Jefferies: Just how’d you do that Stella? Stella: Oh, simple. I was nursing a director of General Motors. Kidney ailment, they said. Nerves, I said. Then I asked myself: what’s General Motors got to be nervous about? Overproduction, I said. Collapse. When General Motors has to go to the bathroom 10 times a day, the whole country’s ready to let go. Jefferies: You know Stella, in economics, a kidney ailment has no relationship to the stock market. None whatsoever. Stella: It crashed, didn’t it? Stella: I can smell trouble right here in this apartment. First you smash your leg, then you get to lookin’ out the window – see things you shouldn’t see. Trouble. I can see you in court now, surrounded by a bunch of lawyers in double-breasted suits. You’re pleading. You say: ‘Judge, it was only a bit of innocent fun. I love my neighbours like a father.’ And the judge says: ‘Well, congratulations. You’ve just given birth to three years in Dannenora.’ Jefferies: Yeah, well, right now, I’d even welcome trouble, you know? Stella: You’ve got an hormone deficiency. Jefferies: I can you tell from a thermometer? Stella: Those bathing beauties you’ve been watching haven’t raised your temperature one degree in a month. Are you never going to get married? Jefferies: Oh, I’ll probably get married, one of these days, but when I do, it’s gonna be to someone who thinks of life not just as… just as a new dress and a lobster dinner and the latest scandal. I need a woman who’s willing to – hold it – willing to go anywhere and do anything and love it. Jefferies: So the honest thing for me tod do is just call the whole thing off… Let her find somebody else… Stella: Yeah, I can hear you now. Get out of my life, you perfectly wonderful woman! You’re too good for me. Stella: Look Mr. Jefferies. I’m not an educated woman, but I can tell you one thing: When a man and a woman see each other and like each other, they oughta come together – wham – like a coupla of taxis on Broadway and not sit around analysing each other like to specimens in a bottle.

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