O MacGuffin

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

OOPS... HE DID IT AGAIN
(actualizada e corrigida)
Excelente o comentário do maradona (1,69812 metros, confirmado por junta médica) sobre a resposta do Pedro Mexia à pergunta "Teria apoiado a guerra se soubesse (ou estivesse convencido) de que não existiam ADM?". Eu, que raramente desço abaixo da fasquia da "solidariedade e cumplicidade incondicional" no que respeita às posições do Pedro, desta vez não posso estar com ele. Voltarei ao assunto dentro de alguns dias (work, work, work). Até lá, leiam o maradona. E, já agora, a segunda parte do artigo do José Pacheco Pereira, no Público de hoje. Como o dito ficará indisponível dentro de uma semana, deixo registado o fundamental:

"Voltemos ao princípio. Os políticos, Blair e Bush, queriam ir para a guerra e as informações foram muito importantes para os motivar, foram muito importantes para os legitimar (e agora para os deslegitimar), mas é mais que evidente que o desejo da guerra vem de antes e tem outras razões. Políticas. Que foram expostas muitas vezes com clareza, mas que, por erros de todo o tipo, foram-se deixando enlear e subalternizar na questão das armas de destruição maciça (ADM). Como algumas pessoas na Administração americana preveniram, a cedência às pressões internacionais para o multilateralismo e para dar às Nações Unidas um papel legitimador acabaram por enredar os países mais dispostos à acção numa mono-explicação que requeria suporte factual, que agora se percebe que não existia. As guerras não podem ser conduzidas em comité, muito menos em grande comité, nem em parlamentos de nações.

Havia uma razão maior, de factualidade inquestionável, para o que se passou: o 11 de Setembro. Porque a chave de tudo é o 11 de Setembro. O grande e os pequenos 11 de Setembro, na Argélia, no WTC, nas embaixadas americanas da África Oriental, no USS Cole, nas mortes indianas, no metro de Moscovo, em Bali - uma guerra de terror global na fractura civilizacional do islão com a cristandade e o hinduísmo. Mas não só, na fractura entre as democracias e as autocracias e as ditaduras.

O 11 de Setembro revelava uma nova dimensão do terrorismo, que envolvia nações, grupos e indivíduos. Envolvia novas tecnologias de terror e toda uma série de novas tecnologias estavam (estão) na calha. Tinha um epicentro em parte do mundo muçulmano, tinha um epicentro dentro desse epicentro, o conflito israelo-palestiniano, envolvia nações como a Arábia Saudita, o Afeganistão, o Paquistão, o Irão, a Síria, o Iraque, o Iémen, o Sudão e algumas mais. Envolvia políticas que eram activamente prosseguidas por vários estados: o Afeganistão servia de base a Bin Laden, mas o Iraque estava a tornar-se, junto com a Síria e o Irão, num dos principais desestabilizadores na Palestina.

Toda a panóplia de soluções diplomáticas tinha falhado em tornar a região mais segura. O conflito israelo-palestiniano parecia intratável, porque enquanto os grupos terroristas faziam explodir autocarros, os israelitas retaliavam em espécie. O crescimento do fundamentalismo muçulmano associava-se intimamente com as ditaduras da região. Os europeus e as Nações Unidas estavam mergulhadas numa política de manter a todo o custo o "statu quo". Restava aos americanos esperar outro atentado, a que se contava que reagissem outra vez pontualmente. Os americanos estavam a ser empurrados para um comportamento não muito diferente dos israelitas.

A Administração Bush não aceitou esta passividade e fez uma coisa que já estava há muito esquecida pela passividade europeia e pelo politicamente correcto internacional: resolveu fazer uma política activa, de mudar brutalmente os dados da questão, que implicava acções militares preventivas sobre os estados que ou apoiassem grupos terroristas ou fossem fautores de políticas de desestabilização regionais. Esta política resultou parcialmente na Síria e na Líbia, mas a sua prova dos nove teria de ser o Iraque. Por várias razões, o Iraque era o único país que tinha os meios e os recursos para prosseguir as políticas antiamericanas mais agressivas na região. Era também um país que se sabia disposto a tudo e com tradição de beligerância, um pária internacional que violava as resoluções das Nações Unidas todos os dias.

Estas eram as razões últimas da política americana e elas têm consistência. O que resta saber, e o episódio das ADM não é de bom augúrio, é se, sendo esta uma política arriscada, ousada e difícil, os americanos e os seus aliados tinham a capacidade militar e política para a levar a bom termo. Porque não é uma política de canhoneira, dão-se uns tiros e vão-se embora os barcos. Exige acções a longo prazo, persistência e tem custos económicos e humanos consideráveis.

Ora, dito isto, preto no branco, eu partilho das razões por que Bush e Blair quiseram ir para a guerra, antes sequer de encontrarem o enganoso pretexto e legitimação nas AMD, e teria preferido que eles tivessem ficado pelas declarações de guerra do pós-11 de Setembro, que tinham uma clareza linear e disseram isto tudo: estamos em guerra e vamos onde for preciso para nos defendermos.

Na história do futuro o que julgará esta política é saber se a resposta global ao terrorismo teve ou não eficácia a longo prazo, se uma política activa, de resposta preventiva ao terrorismo, o travou, adiou ou minimizou como ameaça.

Falando agora por mim. Lamento, e lamento muito, todos estes enganos à volta das ADM, em que quem defendeu a guerra participou. O preço que se paga e o que se pagará pode até ser muito mais perigoso do que se não se tivesse feito nada. Se Bush e Blair forem derrotados, se uma retirada do Iraque for feita às pressas e atabalhoadamente, se for impossível prosseguir políticas afirmativas (direi mais, agressivas) contra o terrorismo, o mundo ficará muito mais perigoso. No meio de uma enorme confusão política, num mundo sem liderança democrática, com um defensismo hipócrita a rezar para que os atentados aconteçam na casa do vizinho e não na minha, só se tem que esperar pelo primeiro grande atentado para começar tudo de novo numa conjuntura mil vezes pior. O ovo da serpente que se está a chocar nestas terras continua lá, a crescer."

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