O MacGuffin

sábado, dezembro 06, 2003

SEM NORTE
Entro numa livraria e deparo com uma espécie de torre, feita de cartão, onde se lê: “O retrato crítico de uma América sem norte”. Serve a dita para promover um livro de 1992, editado pela primeira vez em Portugal em 1993 pela Presença, e agora lançado na Asa: Leviathan de Paul Auster. Paul Auster é um autor da minha preferência, embora lhe reconheça alguma inconstância na sua produção literária. The New York Trilogy é muito bom. Assim como Leviathan. Timbuktu é fraquinho. Moon Palace encheu-me as medidas, Mr Vertigo nem por isso. Leviathan é uma história sobre a amizade de Benjamin Sachs e Peter Aaron, o narrador. Tudo começa quando Aaron, por intuição, sabe que o homem não identificado que se fez explodir no Norte do Wisconsin é Sachs. Ao longo do livro, Aaron conta-nos a história de Sachs: um promissor escritor que encetou um trabalho de desafio relativamente às fronteiras da sua própria identidade, vacilando entre a postura do intelectual, do homem de família, do mulherengo e acabando como operacional de actos subversivos contra a ordem pública. Aos poucos, vamos percebendo a razão da intuição de Aaron. Quanto muito, Leviathan mostra-nos a forma como um homem perdeu o “seu norte” pela incapacidade de conseguir separar o seu ego do mundo e das circunstâncias exógenas. Mas não é sobre a obra deste escritor norte-americano que queria falar. Queria falar da expressão “retrato crítico de uma América sem norte”(sic).
Eu gostava, a sério que gostava, que os responsáveis da editora Asa explicassem, tintin por tintin, onde, como e em que circunstâncias Leviathan é um retrato de uma “América sem norte”. Em boa verdade, alguém, na Asa, avistou um filão. E o filão é este: a voragem actual em consumir tudo que possa denunciar, provar ou amplificar a suposta iniquidade, malignidade e viciosidade da América Imperial, tal como é descrita por vultos contemporâneos como Mário Soares, Freitas do Amaral ou Boaventura Sousa Santos. A América do hamburgueres, do consumismo, dos ignorantes que nem sabem onde fica Portugal. A América potência invasora e ocupante (como nos explica o Dr. Sampaio). O bom e ordeiro povo nem por um minuto vacila perante a história destes senadores e destes especialistas. Engolem tudo, alimentando, assim, as suas certezas e proporcionando uma paz duradoura às suas alminhas. Para certas pessoas, não importa que o seu país, o seu continente, o seu quintal ou a sua própria vida estejam atolados de problemas, perversidade, hipocrisia ou cinismo. O que importa é alimentar o ódio mesquinho e o preconceito mais reles. É a velha mesquinhez e a insidiosa avareza de quem se satisfaz com a desgraça alheia (inventada ou não), especialmente se a desgraça alheia vier de quem, supostamente, é arrogantemente altivo, «manipulador» e abastado. Alguém na Asa percebeu isso. Estes tipos da Asa são uns espertos.


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