STEINER, GEORGE
“A ideia de que a civilização ocidental é superior a todas as outras e de que a filosofia, ciência e instituições políticas ocidentais estão manifestamente destinadas a conduzir e transformar o globo deixou de ser uma evidência. Muitos ocidentais, especialmente os jovens, acham-na odiosa. Aterrados pela loucura das guerras imperialistas e irados com a devastação ecológica causada pela tecnologia ocidental, hippies e freaks, militantes libertários e vagabundos místicos viraram-se para as outras culturas. São as tradições da Ásia, dos índios americanos ou dos africanos negros que os atraem. É entre esses povos que encontram as qualidades de dignidade, solidariedade comunal, invenção mitológica e envolvimento com as ordens vegetais e animais que o homem ocidental perdeu ou erradicou brutalmente. Esta busca da inocência contém muitas vezes um impulso genuíno de reparação. Onde o pai colonialista massacrou e explorou, o filho hippie procura preservar ou compensar.
No entanto, apesar de poderosos e ubíquos, estes grandes reflexos de medo e compensação na sensibilidade ferida do Ocidente parecem-me ser um fenómeno secundário. O regresso ao irracional é, antes de mais nada, uma tentativa de preencher o vazio criado pela decadência da religião. Sob este grande acesso de irracionalidade encontra-se aquela nostalgia do absoluto, aquela fome de transcendente que observámos nas mitologias, nas metáforas totalizadoras da utopia marxista da libertação do homem, na visão freudiana do sono absoluto de Eros e Tanatos, na punitiva e apocalíptica ciência do homem desenvolvida por Lévi-Strauss. A ausência de uma teologia dominante, de um mistério sistemático como o encarnado na Igreja, é igualmente clara nas fantasias do observador de OVNI, nas esperanças e pânicos do ocultista, no praticante amador de Zen. Que a procura de realidades alternativas por meio do uso de drogas psicadélicas, de um abandono da sociedade de consumo e das manipulações do transe e do êxtase se encontram directamente relacionadas com a fome do absoluto é óbvio – apesar de a dinâmica particular da relação, nomeadamente no caso dos narcóticos, ser mais complexa do que a princípio se supôs. Pergunto, apenas de passagem: terá correlatos genéticos? Reflectirá o estado actual das elites instruídas, especialmente as que existiam em França e na Inglaterra durante a Primeira Grande Guerra? O sono da razão enche este vazio de pesadelos e ilusões.
Pois é isto que, creio eu, as teologias substitutas ou pós-religiosas e todos os tipos de irracionalidade acabaram por revelar-se – ilusões. A promessa marxista faliu miseravelmente. O programa de libertação freudiano só se realizou de forma muito parcial. O prognóstico de Lévi-Strauss é um castigo irónico. O zodíaco, as aparições e as banalidades do guru não saciarão a nossa fome.
Resta-nos uma outra alternativa. Fundar a existência pessoal na procura da verdade científica objectiva: o caminho das ciências filosóficas e exactas. Mas terá este caminho um futuro?”
“A ideia de que a civilização ocidental é superior a todas as outras e de que a filosofia, ciência e instituições políticas ocidentais estão manifestamente destinadas a conduzir e transformar o globo deixou de ser uma evidência. Muitos ocidentais, especialmente os jovens, acham-na odiosa. Aterrados pela loucura das guerras imperialistas e irados com a devastação ecológica causada pela tecnologia ocidental, hippies e freaks, militantes libertários e vagabundos místicos viraram-se para as outras culturas. São as tradições da Ásia, dos índios americanos ou dos africanos negros que os atraem. É entre esses povos que encontram as qualidades de dignidade, solidariedade comunal, invenção mitológica e envolvimento com as ordens vegetais e animais que o homem ocidental perdeu ou erradicou brutalmente. Esta busca da inocência contém muitas vezes um impulso genuíno de reparação. Onde o pai colonialista massacrou e explorou, o filho hippie procura preservar ou compensar.
No entanto, apesar de poderosos e ubíquos, estes grandes reflexos de medo e compensação na sensibilidade ferida do Ocidente parecem-me ser um fenómeno secundário. O regresso ao irracional é, antes de mais nada, uma tentativa de preencher o vazio criado pela decadência da religião. Sob este grande acesso de irracionalidade encontra-se aquela nostalgia do absoluto, aquela fome de transcendente que observámos nas mitologias, nas metáforas totalizadoras da utopia marxista da libertação do homem, na visão freudiana do sono absoluto de Eros e Tanatos, na punitiva e apocalíptica ciência do homem desenvolvida por Lévi-Strauss. A ausência de uma teologia dominante, de um mistério sistemático como o encarnado na Igreja, é igualmente clara nas fantasias do observador de OVNI, nas esperanças e pânicos do ocultista, no praticante amador de Zen. Que a procura de realidades alternativas por meio do uso de drogas psicadélicas, de um abandono da sociedade de consumo e das manipulações do transe e do êxtase se encontram directamente relacionadas com a fome do absoluto é óbvio – apesar de a dinâmica particular da relação, nomeadamente no caso dos narcóticos, ser mais complexa do que a princípio se supôs. Pergunto, apenas de passagem: terá correlatos genéticos? Reflectirá o estado actual das elites instruídas, especialmente as que existiam em França e na Inglaterra durante a Primeira Grande Guerra? O sono da razão enche este vazio de pesadelos e ilusões.
Pois é isto que, creio eu, as teologias substitutas ou pós-religiosas e todos os tipos de irracionalidade acabaram por revelar-se – ilusões. A promessa marxista faliu miseravelmente. O programa de libertação freudiano só se realizou de forma muito parcial. O prognóstico de Lévi-Strauss é um castigo irónico. O zodíaco, as aparições e as banalidades do guru não saciarão a nossa fome.
Resta-nos uma outra alternativa. Fundar a existência pessoal na procura da verdade científica objectiva: o caminho das ciências filosóficas e exactas. Mas terá este caminho um futuro?”
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