VIDRINHOS
Uma notícia no telejornal da RTP1 dava conta de um fenómeno brutalmente inquietante: com o aproximar da data de início do novo ano escolar, as crianças ficam mais «stressadas» e um «nervoso miudinho»(sic) apodera-se das suas almas – facto que preocupa país, avós, psicólogos e professores.
Sinal dos tempos. Vivemos numa era onde o excesso de zelo, aliado a um paternalismo indulgente, tomou de assalto a mentalidade dos papás e das mamãs. As criancinhas são agora vistas como seres frágeis, desequilibrados, deprimidos, a necessitar de um acompanhamento permanente. E passaram a ter direito a uma série de sofisticadas patologias do foro mental, que avidamente os pais compram sem pestanejar. Se uma criança espirra, cai a casa. Se uma criança chora, tenta-se a todo o custo sondar a causa obscura e complexa da carpintina. Se anda calada, é depressão. Se anda excitada, é stress. Quando os miúdos fazem asneira da grossa, o tradicional tabefe, a salvifica «nalgada» e o útil puxão de orelhas passaram a ser olhados como «traumatizantes» e «atentatórios». A normal e saudável relação hierárquica entre pais/filhos está desacreditada, dando lugar à falta de autoridade e a um conceito difuso de disciplina.
Nesta matéria, apesar de ser ainda um papá imberbe, noto que a sociedade evoluiu no sentido contrário ao desejável. Na ânsia de melhorar a «performance», soterrar frustrações ou colmatar putativos defeitos de outras gerações, os papás modernos trataram de subverter tudo. Pelo que me é dado a observar, a generalidade dos pais de hoje não deixam os seus filhos crescer. Não os deixam amadurecer livremente. Há uma insinuação constante, uma preocupação excessiva, um assédio doentio. Evitam a todo o custo que os seus rebentos passem por qualquer tipo de adversidade, incluindo as mais inócuas. Lêem milhares de livros da treta sobre psicologia infantil ao mesmo tempo que atafulham o quarto da criança com brinquedos, roupa para as mais diversas ocasiões e um par de sapatos para cada dia da semana. A abundância, o facilitismo, o proteccionismo excessivo e a pusilanimidade marcam presença na relação pais/filhos.
“No meu tempo” não havia tempo para nervosismos. O regresso às aulas era encarado como uma inevitabilidade natural. Qualquer surto de inquietação era liminarmente combatido por um “não sejas maricas”, seguido de uma pequena lição que tornava a escola o melhor dos mundos, ao contrário de outros.
Os tempos e as preocupações não eram menores, mas sim de natureza diferente. Quando era puto brincava na terra e na lama, arranhava diariamente os joelhos, apanhava chuva, andava à porrada, subia às arvores, jogava à bola até à exaustão, fazia quilómetros de bicicleta, assaltava quintais em busca das melhores nêsperas. O meu grupo era sempre acompanhado por dois ou três rafeiros pulguentos, certamente portadores de gravíssimas doenças. A indumentária era simples e parca, sempre pontuada por joelheiras e remendos. Os jeans eram para durar, durar e durar. Um cenário hoje em dia inverosímil.
Os meus pais assistiam a tudo isto com a devida atenção mas sempre com um saudável e essencial distanciamento. Eu sabia que eles estavam lá - presentes, atentos. Mas nunca vi, da parte deles, a ânsia de se imiscuírem em todos e quaisquer aspectos da vida dos seus filhos. Não me lembro de assistir a esse proteccionismo exacerbado que hoje em dia se nota. Os meus pais deram-me espaço para lidar com o mundo, com as minhas pequenas angústias, com as dificuldades normais da vida de uma criança. Sempre com o acento tónico na questão da responsabilidade individual e na certeza de que, caso eu quisesse ou precisasse, eles estariam na primeira linha. Que eu saiba, não foram piores pais do que eu ou a generalidade dos jovens pais de agora.
As crianças de hoje são protegidas por uma redoma de vidro que supostamente as protegerá dos perigos e dos traumas. Pois é. Mas o que a maioria dos pais-galinha não compreendem é que essa redoma de vidro irá impedir que os seus filhos criem os seus próprios mecanismos de defesa (fisiológicos e psicológicos) e desenvolvam uma clara noção do que significa o termo “responsabilidade”. O meu pai é bem capaz de ter razão quando afirma que estamos a criar uma geração de “copinhos de leite”...
Uma notícia no telejornal da RTP1 dava conta de um fenómeno brutalmente inquietante: com o aproximar da data de início do novo ano escolar, as crianças ficam mais «stressadas» e um «nervoso miudinho»(sic) apodera-se das suas almas – facto que preocupa país, avós, psicólogos e professores.
Sinal dos tempos. Vivemos numa era onde o excesso de zelo, aliado a um paternalismo indulgente, tomou de assalto a mentalidade dos papás e das mamãs. As criancinhas são agora vistas como seres frágeis, desequilibrados, deprimidos, a necessitar de um acompanhamento permanente. E passaram a ter direito a uma série de sofisticadas patologias do foro mental, que avidamente os pais compram sem pestanejar. Se uma criança espirra, cai a casa. Se uma criança chora, tenta-se a todo o custo sondar a causa obscura e complexa da carpintina. Se anda calada, é depressão. Se anda excitada, é stress. Quando os miúdos fazem asneira da grossa, o tradicional tabefe, a salvifica «nalgada» e o útil puxão de orelhas passaram a ser olhados como «traumatizantes» e «atentatórios». A normal e saudável relação hierárquica entre pais/filhos está desacreditada, dando lugar à falta de autoridade e a um conceito difuso de disciplina.
Nesta matéria, apesar de ser ainda um papá imberbe, noto que a sociedade evoluiu no sentido contrário ao desejável. Na ânsia de melhorar a «performance», soterrar frustrações ou colmatar putativos defeitos de outras gerações, os papás modernos trataram de subverter tudo. Pelo que me é dado a observar, a generalidade dos pais de hoje não deixam os seus filhos crescer. Não os deixam amadurecer livremente. Há uma insinuação constante, uma preocupação excessiva, um assédio doentio. Evitam a todo o custo que os seus rebentos passem por qualquer tipo de adversidade, incluindo as mais inócuas. Lêem milhares de livros da treta sobre psicologia infantil ao mesmo tempo que atafulham o quarto da criança com brinquedos, roupa para as mais diversas ocasiões e um par de sapatos para cada dia da semana. A abundância, o facilitismo, o proteccionismo excessivo e a pusilanimidade marcam presença na relação pais/filhos.
“No meu tempo” não havia tempo para nervosismos. O regresso às aulas era encarado como uma inevitabilidade natural. Qualquer surto de inquietação era liminarmente combatido por um “não sejas maricas”, seguido de uma pequena lição que tornava a escola o melhor dos mundos, ao contrário de outros.
Os tempos e as preocupações não eram menores, mas sim de natureza diferente. Quando era puto brincava na terra e na lama, arranhava diariamente os joelhos, apanhava chuva, andava à porrada, subia às arvores, jogava à bola até à exaustão, fazia quilómetros de bicicleta, assaltava quintais em busca das melhores nêsperas. O meu grupo era sempre acompanhado por dois ou três rafeiros pulguentos, certamente portadores de gravíssimas doenças. A indumentária era simples e parca, sempre pontuada por joelheiras e remendos. Os jeans eram para durar, durar e durar. Um cenário hoje em dia inverosímil.
Os meus pais assistiam a tudo isto com a devida atenção mas sempre com um saudável e essencial distanciamento. Eu sabia que eles estavam lá - presentes, atentos. Mas nunca vi, da parte deles, a ânsia de se imiscuírem em todos e quaisquer aspectos da vida dos seus filhos. Não me lembro de assistir a esse proteccionismo exacerbado que hoje em dia se nota. Os meus pais deram-me espaço para lidar com o mundo, com as minhas pequenas angústias, com as dificuldades normais da vida de uma criança. Sempre com o acento tónico na questão da responsabilidade individual e na certeza de que, caso eu quisesse ou precisasse, eles estariam na primeira linha. Que eu saiba, não foram piores pais do que eu ou a generalidade dos jovens pais de agora.
As crianças de hoje são protegidas por uma redoma de vidro que supostamente as protegerá dos perigos e dos traumas. Pois é. Mas o que a maioria dos pais-galinha não compreendem é que essa redoma de vidro irá impedir que os seus filhos criem os seus próprios mecanismos de defesa (fisiológicos e psicológicos) e desenvolvam uma clara noção do que significa o termo “responsabilidade”. O meu pai é bem capaz de ter razão quando afirma que estamos a criar uma geração de “copinhos de leite”...
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial