O MacGuffin

segunda-feira, junho 09, 2003

KETCHUP VS. SINATRA

Sobre o meu ‘post’ “Terei exagerado”, recebi dois sumarentos comentários (de um papá e de uma mamã):

Do Nuno: ”A tua filha viu a Luz - ou a Voz. Como sinatrófilo indefectível e membro da Sinatra Music Society, digo sem reservas que essa rapariga vai longe. E pode juntar-se à minha filhota mais velha (5, going on 6), que, tendo o pai que tem, trata o Frank por "Mestre Sinatra".

Da Isabel: ”Os meus filhos também gostam muito do frank (têm 4 e 7 anos). Claro que para mim é claríssimo que a música (e muito em especial, as incríveis orquestrações e arranjos que só os americanos conseguem fazer) explica a preferência da sua filhota. Estamos a falar de material musical que é perfeitíssimo do ponto de vista perceptivo, tudo bate certo, é como os bebés preferirem olhar para um rosto humano em vez de uma pintura abstracta... Não sei é se tem passado pelo mesmo que eu, que é a minha filha ter sentido que era esquisita por não puder partilhar com colegas os seus gostos musicais... Numa festa recente os meus filhos eram os únicos que nunca tinham ouvido as ketchup e não conheciam aquela coreografia pateta. Num primeiro momento, fiquei altivamente orgulhosa, mas pensei melhor e achei que não valia a pena excluir a possibilidade de os miúdos partilharem gostos musicais com colegas por não conhecerem as músicas que os outros ouviam... Então, em vez de só ouvirem os nossos cds, passaram a ouvir rádio, e estou surpreendida com avaliações estéticas. São implacáveis: a minha filha fica desconcertada com o abrunhosa, acha que não é, nem poderia ser nunca, cantor (pudera, habituada ao sinatra, à barbra streisand, ao gilberto gil, aos beatles, etc). Enfim, este mail longo não é nada o meu estilo (nem responder a posts) mas como me identifiquei com o que disse, não resisti. Já agora, se quiser dar uma vista de olhos num blog onde colaboro com mães (e pais também): www.maes.blogspot.com “

Caros colegas: obrigado pela vossa participação.

Não é fácil gerir as solicitações a que estão sujeitas, hoje em dia, as crianças. Por muito que nós, pais, no espaço reservado e protegido do lar, tentemos, sub-reptícia e discretamente, incutir nos nossos rebentos determinados padrões de gosto ou de estilo, há uma parte significativa do seu tempo sobre a qual não exercemos qualquer espécie de controlo. Embora não devemos ser indiferentes ou estar desatentos, não podemos ser derrotistas ou excessivamente zelosos em relação a uma coisa que é, repito, incontrolável. Lutar contra isso é tarefa quixotesca. Até porque poderá provocar situações de segregação ou desconforto nas próprias crianças (por exemplo, a sensação de não pertencerem a determinado «grupo» que ouve ou tem gosto por determinada coisa).

Não me importo muito com o facto da minha filha ouvir - na escola, em festas ou em casa das amigas - determinadas manifestações musicais. É impossível evitar e, provavelmente, é até desejável que isso aconteça (para que saibam optar e diferenciar). Resta-nos a nós, pais, fazer o trabalho de casa. Qual? «Insinuar» alternativas (o termo é adequadíssimo), despertar-lhes, serena e inteligentemente (nunca de forma compulsiva), no espaço que controlamos, o gosto e a sensibilidade por «outras» musicas. Gosto e sensibilidade que, é bom dizê-lo, reflectem a vivência e a sensibilidade dos seus (pro)genitores.

Como já referi, a minha filha tem sete anos. Esta semana, por exemplo, andei no carro com um CD do Miles Davis intitulado “Ballads & Blues”. Sei que ela o adora. Mas não pretendo insinuar que a minha filha seja uma indefectível do Jazz (como o pai). Ainda é muito cedo (até porque o Jazz não é propriamente ‘perfeito’ ou ‘arrumadinho’ do ponto de vista da percepção). Mas o «bichinho» já lá está.

Todo este trabalho de abertura do leque de escolhas deve, contudo, obedecer a duas regras básicas: 1ª) Não forçar a «injecção». Não nos podemos esquecer que uma criança de sete anos ainda não tem «ouvido» para determinadas «complicações»; 2ª) Escolher criteriosamente o que lhes propomos dar a ouvir.

Quando referi “leque de escolhas”, é também bom referir que não pode haver excessiva elasticidade, em termos de diversificação. Se eu martelar os ouvidos da minha filha com os meus vinis do Steve Reich, posso correr o risco de obter o resultado inverso do pretendido. Por outro lado, não iria cair no disparate de abrir o leque a estilos que eu não oiço. Recusar-me-ia a incluir no menu Trash, Heavy Metal, Tecno ou Disco Sound da treta, para cumprir a função de “abrir o leque”. Até por uma questão sanitária.

Resumindo e concluindo, as palavras mágicas são: bom senso; (algum) bom gosto; razoabilidade; e muita, muita atenção. O resto virá com o tempo.

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