O MacGuffin

sexta-feira, março 21, 2003

VINHO E ESPECIALISTAS

Se há coisa com a qual eu me divirto é com a histeria à volta do vinho. Em Portugal - país de modas, fados e guitarradas (para além de outras coisas que não vale a pena agora mencionar) - a temática do vinho está ao rubro. Não há português que se preze que hesite em demonstrar a sua douta opinião sobre vinhos, fruto de aturados estudos em matéria de vinicultura e enologia.

A mui eborense Fundação Eugénio de Almeida, promoveu, no Verão de 2002, um evento a que denominou de “Noites de Lua Cheia”. Como o próprio nome indicava, em noites de Lua Cheia organizaram-se provas de vinho ao ar livre, com acompanhamento musical (ensemble de cordas), onde se convidavam «especialistas» e enólogos para falar sobre as «pomadas». Aos convidados, onde eu humildemente me incluí, era proporcionada uma prova guiada, com explicações técnicas de um enólogo, acompanhada de conversa franca com o Enólogo responsável da Fundação, o Eng. Colaço do Rosário (pai de uma grande amiga de infância). Mas o ponto alto das noites acontecia quando se pedia ao público não «especialista» (pensava eu, ingenuamente, ser não-especialista) uma opinião de leigo sobre o que estava a beber.

Um ilustre senhor, supostamente leigo na matéria, a quem tinha sido pedido uma opinião, abriu a boca, ao microfone, para dizer, ex-cathedra, “acho que este tinto tem os taninos arredondados”. Espantoso. Outro houve que falou em “tons finais de chocolate e especiarias”. Uma senhora afirmou, como quem jura pela alminha dos filhos, que aquele tinto “tinha uma aresta cortante”. E eu soluçava para dentro.

Em boa verdade, não há gato nem rato que não domine as questões báquicas. Ele é “deixar respirar o vinho” (fazem tudo menos o importante: decantar), ele é “aquecer o tinto para lhe dar corpo” (a temperaturas completamente idiotas e obscenas, quando o vinho tinto não devia ultrapassar os 20º), ele é “refrescar o branco” (no limiar da solidificação gélida, retirando-lhe 90% do gosto, não vá o bicho desiludir), ele é “não beber vinho tinto com peixe porque não joga” (outra total idiotice), ele é empregar termos caros como “sabor a pele de borrego”, “final mineral” ou “taninos arredondados”, etc. etc. etc. O mundo nunca mais foi o mesmo. Os especialistas invadiram-no.

Finalmente, como ‘pièce de résistance’, é espantosa a forma absolutamente convencida como estes «especialistas» colocam nos píncaros o vinho português, aproveitando, ‘en passant’, para dizer que “os franceses não são grande coisa” e “os espanhóis são muito inferiores aos nossos”. Pobres coitados!

Pois eu, no que toca a vinhos, e para resumir o paleio, estou com o Andrew Jefford: o vinho é caos. “Não há outro produto que nós, seres humanos, possamos comprar que seja mais diverso, mais confuso, mais irregular, mais imprevisível, mais imperscrutável e, por fim, mais incognoscível do que o vinho”.

Consigo retirar prazer de um “Terra D’Ossa” (Redondo) ao preço da uva mijona, como consigo desprezar um “Marquês de Borba” do pretensioso Portugal Ramos ou um “Pêra Manca” (que me perdoe o Eng. Colaço!) que me assaltam a carteira. Tudo depende de tudo. Cada garrafa é uma garrafa. Cada momento é um momento. Cada disposição é uma disposição. O resto, meus amigos, é conversa da treta.

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