INFELIZMENTE, COMEÇOU
Infelizmente, a guerra começou. Apesar de ser a favor desta intervenção, confesso que é com tristeza e de coração apertado que vejo o anúncio do inicio da intervenção militar, para derrubar o regime de Saddam. Mas entendo que esta guerra é uma guerra necessária. Tratava-se de escolher entre: 1) confiar na palavra de Saddam, alinhando no seu jogo de hide-and-seek, e aceitando como suficiente o desarme, não o derrube, do brutal regime instalado no Iraque (que já matou, à sua conta, centenas de milhares de pessoas); e 2) uma intervenção que retire Saddam do poder e neutralize um foco de instabilidade à escala regional e mundial, sob todos os aspectos (incluindo eventuais ligações e cooperações com grupos terroristas).
Importa, contudo, falar sobre o que se passou. Os meses que antecederam o que agora foi anunciado, não deverão ser esquecidos. Foram esticadas muitas cordas. O relativismo moral e cultural, as comparações absurdas, a falta de sentido das proporções e o latente anti-americanismo de muito boa gente alcançaram níveis inéditos. Pensando bem, um fenómeno previsível.
No plano internacional, a França, a Alemanha (‘en passant’, a Europa) e a Rússia vestiram a capa de timoneiros dos direitos humanos e da legalidade. Chirac e Schroeder colocaram as asas de anjinho. Pouco interessou referir que, no passado, os aviões que sobrevoaram as aldeias curdas, gazeando as população com armas químicas, eram ‘Mirage’, made in France. De pouco valeu saber que foram sobretudo a França e a Rússia (e não os EUA) que armaram e colaboraram com o regime de Saddam. Tornou-se irrelevante lembrar que a francesa Elf explora actualmente mais de 1/4 da extração de petróleo no Iraque. Tudo porque o alvo a abater era o unsofisticated & dummy Bush Jr.
No plano doméstico, o senador Freitas do Amaral insistiu, e aprofundou, o seu Soarismo; Louçã e Rosas - os filo-tiranos, como lhes chamaria Mark Lilla - voltaram à carga com o simplismo e maniqueismo que tão bem os caracteriza; Carlos Fino voltou ao seu jornalismo de propaganda; e quase todos os «do costume» olearam a sua maquina anti-americanista e explanaram as suas teorias da conspiração, de inspiração Chomskiana. Todos encheram a boca de «direito internacional» (que parece servir para Bush, mas não para Saddam), incluindo o Bloco de Esquerda, que tinha anunciado estar contra a intervenção com ou sem o aval do Conselho de Segurança. Todos se indignaram com a perspectiva da morte de inocentes numa eventual guerra, embora ninguém se tenha lembrado dos inocentes que morreram, ao longo dos últimos anos, por conta do Sr. Saddam, no seguimento do seu trabalhinho de aniquilação de vidas humanas «incómodas» para a «ordem» do seu pais, e das sucessivas violações materiais das várias resoluções da ONU. E todos, está claro, esqueceram o 11 de Setembro: um acontecimento longínquo e difuso, provavelmente o resultado de um erro de pilotagem.
Houve, também, da parte de muita «pomba» e «pacifista», putativamente defensores da liberdade, acessos de urticária mental sempre que alguém ousou (para eles uma afronta!) defender uma via «belicista». Por exemplo, na organização de palestras, tertúlias e fóruns para debater a guerra, revelaram-se autênticos estalinistas ao recusarem convidar pessoas que pudessem veicular opinião diferente.
Em boa verdade, vivem-se tempos perigosos e radicalmente politizados. O tom e o estilo dominantes (de inspiração esquerdista), empurraram a discussão para o monocromático “ou és pela Paz (em abstracto) ou és pela guerra (em concreto)”. Logo, és contra «nós», as pessoas de “bem” e de “boa vontade”. O automatismo, aliado ao simplismo, é gritante. És a favor da guerra? Logo és belicista, neo-liberal, Bushista, insensível, sanguinário, contra a palestina, racista, cínico, reaccionário e, no limite, uma besta; és a favor da coligação internacional que agora avança em solo iraquiano? Então estás do lado dos «poderosos», contra os «oprimidos» e «pobrezinhos» (será Saddam um «oprimido» e um «pobrezinho»?).
Longe de mim questionar a cruzada dos justos. Eu aceito todos os argumentos razoáveis. Apesar de ser favorável a uma intervenção militar para derrubar Saddam, respeito e posso até concordar com alguns argumentos contrários. Nesta matéria, como noutras, tenho dúvidas. Por isso, relembro as palavras de Waltzer (um esquerdista moderado): “Uma guerra curta, um novo regime, um Iraque desmilitarizado, medicamentos e comida nos portos iraquianos, não será isto melhor do que um permanente sistema de coerção e controlo? Talvez, mas quem pode garantir que a guerra será curta e que as suas consequências serão limitadas?“ Eu tenho esperança que esta guerra será rápida e de consequências limitadas. Vou rezar para que assim seja. E espero que Saddam seja derrubado e que os iraquianos, curdos e xiitas possam viver melhor. Pelo menos, que possam votar em quem quiserem, criticar quem entenderem e opinar livremente. E que sejam libertados de um embargo estúpido.
Relembro, por fim, as palavras de Ramos Horta, Nobel da Paz:
“ (...) sigo com alguma consternação o debate sobre o Iraque no Conselho de Segurança da Nações Unidas e na NATO. Não estou impressionado nem admirado com a posição grandiloquente de certos lideres Europeus. A sua postura enfraquece o único meio efectivo de fazer pressão sobre o ditador iraquiano: a ameaça do uso da força. Os críticos nos EUA não dão qualquer crédito à estratégia agressiva da administração Bush, embora seja ela a verdadeira responsável pela aceitação por parte de Bagdade do regresso dos inspectores àquele pais e pela forma como o Iraque está a cooperar um pouco mais, se é que está a cooperar alguma coisa. As demonstrações anti-guerra são verdadeiramente nobres. Eu sei que a diferença de opiniões e o debate público sobre assuntos desta natureza são essenciais. Em Timor Leste, podemos agora gozar do direito de exprimir as nossas opiniões porque este país é hoje uma democracia independente – algo que nos foi negado ao longo dos 25 anos de reinado do terror. Felizmente para todos, a era da globalização tem permitido que cidadãos de todo o mundo possam ter uma voz sobre os grandes assuntos da actualidade. Mas se os movimentos anti-guerra dissuadirem os EU e os seus aliados de partirem para uma guerra contra o Iraque, terão contribuído para a paz dos mortos. Saddam Hussein emergirá vitorioso e mais desafiador do que nunca. O que foi até agora alcançado estará perdido. A política de contenção está condenada a falhar. Não podemos esquecer que os déspotas protegidos pelo seu próprio aparato de segurança estão ainda capacitados para tomar todo o tipo de decisões. Saddam Hussein arrastou o seu povo para, pelo menos, duas guerras. Usou sobre as populações armas químicas. Matou centenas de milhares de pessoas e torturou e oprimiu muitas mais. Então porque razão, nestas manifestações, eu não vi uma único cartaz ou escutei um único discurso clamando pelo fim das violações aos direitos humanos no Iraque, a remoção do ditador e a liberdade para o povo iraquiano e curdo? Se estamos dispostos a demonstrar e a exercer pressão, não seria conveniente focalizar essa pressão sobre o verdadeiro vilão, com o objectivo de o levarmos a destruir as suas armas de destruição massiva e a retirar-se do poder? Negligenciar este ponto, a favor de um irracional e simplista anti-americanismo, é ofuscar o verdadeiro debate em torno da guerra e da paz. Concordo quando se afirma que a administração Bush deve dar mais tempo aos inspectores para cumprirem o seu mandato. Os EUA são uma nação suprema que sobreviverá sempre aos seus inimigos. Pode, pois, dar-se ao luxo de ser mais paciente. Kofi Annan, o Secretário Geral da ONU, tem-se revelado um forte negociador e um inimigo de ditadores. Ele e um grupo de lideres mundiais devem utilizar este momento para persuadir Saddam Hussein a render-se e a exilar-se. Desta forma, Saddam seria visto como um homem que soube evitar uma guerra e poupar o seu povo. Mesmo assim, esta estratégia não resultará sem a verdadeira e objectiva ameaça do uso da força.
Abandonar esta ameaça seria, agora, perigoso e arriscado. Sim: o movimento anti-guerra poderia clamar por vitória por ter evitado uma guerra. Mas teria também de reconhecer e aceitar que teria ajudado a manter no poder um ditador impiedoso e teria de o explicar às suas milhares de vitimas. A história já demonstrou por diversas vezes que o uso da força é por vezes o preço a pagar pela libertação. Um intelectual Kosovar respeitável disse-me, uma vez, como se tinha sentido quando o mundo finalmente tinha decidido intervir no seu país: “Eu sou um pacifista. Toda a vida o fui. Mas tive uma grande alegria e senti-me livre quando vi as bombas da NATO caírem.”
Infelizmente, a guerra começou. Apesar de ser a favor desta intervenção, confesso que é com tristeza e de coração apertado que vejo o anúncio do inicio da intervenção militar, para derrubar o regime de Saddam. Mas entendo que esta guerra é uma guerra necessária. Tratava-se de escolher entre: 1) confiar na palavra de Saddam, alinhando no seu jogo de hide-and-seek, e aceitando como suficiente o desarme, não o derrube, do brutal regime instalado no Iraque (que já matou, à sua conta, centenas de milhares de pessoas); e 2) uma intervenção que retire Saddam do poder e neutralize um foco de instabilidade à escala regional e mundial, sob todos os aspectos (incluindo eventuais ligações e cooperações com grupos terroristas).
Importa, contudo, falar sobre o que se passou. Os meses que antecederam o que agora foi anunciado, não deverão ser esquecidos. Foram esticadas muitas cordas. O relativismo moral e cultural, as comparações absurdas, a falta de sentido das proporções e o latente anti-americanismo de muito boa gente alcançaram níveis inéditos. Pensando bem, um fenómeno previsível.
No plano internacional, a França, a Alemanha (‘en passant’, a Europa) e a Rússia vestiram a capa de timoneiros dos direitos humanos e da legalidade. Chirac e Schroeder colocaram as asas de anjinho. Pouco interessou referir que, no passado, os aviões que sobrevoaram as aldeias curdas, gazeando as população com armas químicas, eram ‘Mirage’, made in France. De pouco valeu saber que foram sobretudo a França e a Rússia (e não os EUA) que armaram e colaboraram com o regime de Saddam. Tornou-se irrelevante lembrar que a francesa Elf explora actualmente mais de 1/4 da extração de petróleo no Iraque. Tudo porque o alvo a abater era o unsofisticated & dummy Bush Jr.
No plano doméstico, o senador Freitas do Amaral insistiu, e aprofundou, o seu Soarismo; Louçã e Rosas - os filo-tiranos, como lhes chamaria Mark Lilla - voltaram à carga com o simplismo e maniqueismo que tão bem os caracteriza; Carlos Fino voltou ao seu jornalismo de propaganda; e quase todos os «do costume» olearam a sua maquina anti-americanista e explanaram as suas teorias da conspiração, de inspiração Chomskiana. Todos encheram a boca de «direito internacional» (que parece servir para Bush, mas não para Saddam), incluindo o Bloco de Esquerda, que tinha anunciado estar contra a intervenção com ou sem o aval do Conselho de Segurança. Todos se indignaram com a perspectiva da morte de inocentes numa eventual guerra, embora ninguém se tenha lembrado dos inocentes que morreram, ao longo dos últimos anos, por conta do Sr. Saddam, no seguimento do seu trabalhinho de aniquilação de vidas humanas «incómodas» para a «ordem» do seu pais, e das sucessivas violações materiais das várias resoluções da ONU. E todos, está claro, esqueceram o 11 de Setembro: um acontecimento longínquo e difuso, provavelmente o resultado de um erro de pilotagem.
Houve, também, da parte de muita «pomba» e «pacifista», putativamente defensores da liberdade, acessos de urticária mental sempre que alguém ousou (para eles uma afronta!) defender uma via «belicista». Por exemplo, na organização de palestras, tertúlias e fóruns para debater a guerra, revelaram-se autênticos estalinistas ao recusarem convidar pessoas que pudessem veicular opinião diferente.
Em boa verdade, vivem-se tempos perigosos e radicalmente politizados. O tom e o estilo dominantes (de inspiração esquerdista), empurraram a discussão para o monocromático “ou és pela Paz (em abstracto) ou és pela guerra (em concreto)”. Logo, és contra «nós», as pessoas de “bem” e de “boa vontade”. O automatismo, aliado ao simplismo, é gritante. És a favor da guerra? Logo és belicista, neo-liberal, Bushista, insensível, sanguinário, contra a palestina, racista, cínico, reaccionário e, no limite, uma besta; és a favor da coligação internacional que agora avança em solo iraquiano? Então estás do lado dos «poderosos», contra os «oprimidos» e «pobrezinhos» (será Saddam um «oprimido» e um «pobrezinho»?).
Longe de mim questionar a cruzada dos justos. Eu aceito todos os argumentos razoáveis. Apesar de ser favorável a uma intervenção militar para derrubar Saddam, respeito e posso até concordar com alguns argumentos contrários. Nesta matéria, como noutras, tenho dúvidas. Por isso, relembro as palavras de Waltzer (um esquerdista moderado): “Uma guerra curta, um novo regime, um Iraque desmilitarizado, medicamentos e comida nos portos iraquianos, não será isto melhor do que um permanente sistema de coerção e controlo? Talvez, mas quem pode garantir que a guerra será curta e que as suas consequências serão limitadas?“ Eu tenho esperança que esta guerra será rápida e de consequências limitadas. Vou rezar para que assim seja. E espero que Saddam seja derrubado e que os iraquianos, curdos e xiitas possam viver melhor. Pelo menos, que possam votar em quem quiserem, criticar quem entenderem e opinar livremente. E que sejam libertados de um embargo estúpido.
Relembro, por fim, as palavras de Ramos Horta, Nobel da Paz:
“ (...) sigo com alguma consternação o debate sobre o Iraque no Conselho de Segurança da Nações Unidas e na NATO. Não estou impressionado nem admirado com a posição grandiloquente de certos lideres Europeus. A sua postura enfraquece o único meio efectivo de fazer pressão sobre o ditador iraquiano: a ameaça do uso da força. Os críticos nos EUA não dão qualquer crédito à estratégia agressiva da administração Bush, embora seja ela a verdadeira responsável pela aceitação por parte de Bagdade do regresso dos inspectores àquele pais e pela forma como o Iraque está a cooperar um pouco mais, se é que está a cooperar alguma coisa. As demonstrações anti-guerra são verdadeiramente nobres. Eu sei que a diferença de opiniões e o debate público sobre assuntos desta natureza são essenciais. Em Timor Leste, podemos agora gozar do direito de exprimir as nossas opiniões porque este país é hoje uma democracia independente – algo que nos foi negado ao longo dos 25 anos de reinado do terror. Felizmente para todos, a era da globalização tem permitido que cidadãos de todo o mundo possam ter uma voz sobre os grandes assuntos da actualidade. Mas se os movimentos anti-guerra dissuadirem os EU e os seus aliados de partirem para uma guerra contra o Iraque, terão contribuído para a paz dos mortos. Saddam Hussein emergirá vitorioso e mais desafiador do que nunca. O que foi até agora alcançado estará perdido. A política de contenção está condenada a falhar. Não podemos esquecer que os déspotas protegidos pelo seu próprio aparato de segurança estão ainda capacitados para tomar todo o tipo de decisões. Saddam Hussein arrastou o seu povo para, pelo menos, duas guerras. Usou sobre as populações armas químicas. Matou centenas de milhares de pessoas e torturou e oprimiu muitas mais. Então porque razão, nestas manifestações, eu não vi uma único cartaz ou escutei um único discurso clamando pelo fim das violações aos direitos humanos no Iraque, a remoção do ditador e a liberdade para o povo iraquiano e curdo? Se estamos dispostos a demonstrar e a exercer pressão, não seria conveniente focalizar essa pressão sobre o verdadeiro vilão, com o objectivo de o levarmos a destruir as suas armas de destruição massiva e a retirar-se do poder? Negligenciar este ponto, a favor de um irracional e simplista anti-americanismo, é ofuscar o verdadeiro debate em torno da guerra e da paz. Concordo quando se afirma que a administração Bush deve dar mais tempo aos inspectores para cumprirem o seu mandato. Os EUA são uma nação suprema que sobreviverá sempre aos seus inimigos. Pode, pois, dar-se ao luxo de ser mais paciente. Kofi Annan, o Secretário Geral da ONU, tem-se revelado um forte negociador e um inimigo de ditadores. Ele e um grupo de lideres mundiais devem utilizar este momento para persuadir Saddam Hussein a render-se e a exilar-se. Desta forma, Saddam seria visto como um homem que soube evitar uma guerra e poupar o seu povo. Mesmo assim, esta estratégia não resultará sem a verdadeira e objectiva ameaça do uso da força.
Abandonar esta ameaça seria, agora, perigoso e arriscado. Sim: o movimento anti-guerra poderia clamar por vitória por ter evitado uma guerra. Mas teria também de reconhecer e aceitar que teria ajudado a manter no poder um ditador impiedoso e teria de o explicar às suas milhares de vitimas. A história já demonstrou por diversas vezes que o uso da força é por vezes o preço a pagar pela libertação. Um intelectual Kosovar respeitável disse-me, uma vez, como se tinha sentido quando o mundo finalmente tinha decidido intervir no seu país: “Eu sou um pacifista. Toda a vida o fui. Mas tive uma grande alegria e senti-me livre quando vi as bombas da NATO caírem.”
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