O MacGuffin: janeiro 2014

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Didas

Miguel Esteves Cardoso, Público 30/01/2014

Para a Marieta 
"Anteontem morreu a nossa gata Marieta. É impossível não pensar nela. Vivia connosco desde 1998 e era pouco maior do que quando era pequenina. Era uma persa-tartaruga elegante, resmungona e selectiva. Quando a Marieta gostava de uma pessoa ou de um gato (o Agostinho), gostava com o coração todo e não vacilava. 
Era uma grande amiga e uma grandiosa inimiga. Quando não gostava de uma pessoa (toda a gente) ou de um gato (todos os gatos, especialmente o Casimiro), toda ela se transformava num diabrete de snobismo, desprezo, nojo, violência e assanhamento. 
Nunca conheci um bicho mais meiguinho ou mais doido por festinhas e companhia. Nunca se ia embora. Ia-se derretendo. Virava-se e oferecia a fofura da barriguinha. Babava-se de tão contente. Era a imperatriz da sensualidade. Quando esteve com o primeiro cio, antes de ser esterilizada, a fúria sexual dela era avassaladora. Não sabia que coisa era a timidez, a vergonha ou o fazer-se cara. 
Era uma brincalhona séria: compreendia, como poucos gatos e nenhum cão, que brincar é um bem de primeira necessidade. Não se divertia quando brincava: empenhava-se e tentava vencer, não descansando enquanto não vencesse. 
Todos os dias muitos seres humanos perdem não apenas a companhia como a presença e a existência dum ser melhor do que o humano com uma personalidade menos apessoada e fingida do que a nossa. 
A Marieta era uma dessas pessoas. Que choramos: agora somos nós os que chamamos por ela. E ela não vem."

sexta-feira, janeiro 24, 2014

Mais conservadores

Francisco José Viegas:
“A “crise” obrigou-nos a repensar o modo de vida e a forma como lidamos com as coisas banais: o preço da bica, as compras de Natal, a roupa do ano passado, os gestos menores do dia-a-dia, as meias-solas para os sapatos, a ida ao restaurante. Dificilmente iremos encarar o futuro com a mesma leviandade. Há quem se lamente de que, assim, ficamos “mais conservadores”. Se for verdade, é uma vantagem, porque a “saída da troika” não significa o recomeço das festividades ou o regresso ao tempo em que a prosperidade se vendia ao preço do pechisbeque, cheio de engenharias financeiras. Voltaremos a ser portugueses de antanho, provavelmente, renitentes em relação às ilusões do progresso barato, céticos quando se tratar de fazer contas. Os nossos carros terão doze ou quinze anos. A nossa biblioteca será revisitada. Os nossos casacos terão cotoveleiras. Estaremos mais atentos à vida que construímos. Assim serão os anos que vêm.”
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