O MacGuffin: Moeda de troca

sexta-feira, outubro 14, 2011

Moeda de troca

Ok: aceito e compreendo as medidas de austeridade ontem anunciadas. Nenhum primeiro-ministro as anunciaria com prazer ou motivado por desígnios ideológicos. Mas há uma coisa que quero exigir deste primeiro-ministro, como moeda de troca: o fim da imoralidade na gestão da coisa pública. Exemplo: não quero continuar a sustentar o monstro que dá pelo nome de RTP. You scratch my back and I'll scratch yours.

4 Comentários:

Blogger LF disse...

Até só capaz de concordar com a primeira parte do teu post.
Também aceito, com alguma resignação, as medidas, com as quais não concordo, mas das quais percebo que o governo não possa fugir.
Para mim o problema situa-se no plano internacional, e aí é que acho que o caminho teria de ser outro.
Há que reformular toda a forma de financiamento dos estados, há que regulamentar os mercados financeiros, e tornar a União Europeia numa verdadeira união política, financeira, fiscal e orçamental - pois caso contrário, mais tarde ou mais cedo, implodirá com consequências dramáticas para a maior parte dos países que a integram.
É aí que se deve situar (nem sempre tem acontecido, reconheço), o posicionamento das esquerdas. No combate a um sistema financeiro internacional selvagem, e a lideranças políticas medíocres (quase todas de direita, diga-se de passagem) que não têm feito outra coisa que não cavar a sepultura da Europa.

Já quanto à privatização da RTP não posso estar mais em desacordo.
Podemos discutir a qualidade do serviço público actual. Podemos discutir se a RTP pode gastar menos do que gasta, e apresentar maior qualidade do que aquela que apresenta (estaremos certamente de acordo quanto a isso). Mas deitar fora o menino com a água do banho é que não.

Para além do mais, a RTP é o garante de algum pluralismo na informação.
Não quero que toda a informação portuguesa, e a consequente formação da consciência política e cultural, esteja integralmente concentrada nas mãos de grupos económicos cotados em bolsa, com as consequências redutoras que isso tem.
Podes argumentar que a RTP aparece muitas vezes como a voz dos governos, o que é condenável. Mas mesmo desse ponto de vista, os governos somos nós que os elegemos, enquanto para a Impresa, a Cofina ou a Média Capital não pomos prego nem estopa, e sabemos que em questões fundamentais estarão sempre unidas da defesa de determinados pontos de vista do seu interesse.

11:35 da manhã  
Blogger MacGuffin disse...

Zé Luis,

Dois reparos (para já).

A crise internacional não deve servir para mascarar os erros que cometemos, nem o que tem de ser feito. O país desbaratou a sua capacidade produtiva (agricultura, industrial, pescas) e endividou-se para além do razoável. Da mesma forma que é pouco sério dizer que a crise é de origem estritamente interna, não será sério dizer que a culpa da situação que vivemos é estritamente «dos mercados» e da «desregulação» internacional. Isso é uma grandiosa treta, a que boa parte da esquerda se gosta de agarrar, prestando um péssimo serviço ao país. É por isso que estamos cheios de inimputáveis. É por isso que não há um pensamento estratégico de longo prazo.

Segundo reparo: quando escreves «para além do mais, a RTP é o garante de algum pluralismo na informação», estavas a brincar, não estavas? A RTP tem sido, desde sempre (desde o tempo da outra senhora), mais ou menos maniatada pelo poder político. E será sempre. Nenhum governo fará o contrário. É preciso ter uma memória muito curta para esquecer o que se passou durante o consulado socratino (só para falar desse). Emendas a mão mais tarde, dizendo que «sim é verdade, a RTP tem sido a voz do governo, mas ao menos somos nós que elegemos os governos». É um argumento pífio, para não dizer absurdo. Até porque a questão não deve ser colocada assim: «fomos nós que os elegemos». Mas sou eu que a pago! Eu não pago a Impresa e a TVI.

Além disso, algo nos separa, de fundo: eu não defendo uma televisão pública. Não acho que o Estado deva deter um conjunto de canais generalistas, nem deter produtoras de conteúdos (telenovelas e assim). Quando muito, a RTP deveria ter um canal que se limitasse a passar programas «de qualidade»/«educativos» (documentários, debates, séries, etc.), mesmo sabendo que há alguma dose de subjectividade inerente as estes conceitos. Uma espécie de PBS à nossa escala e capacidade financeira. Para tal, bastaria uma estrutura 90% mais reduzida que a actual. Que não nos fosse tão ao bolso. Prefiro mil vezes um modelo transparente, de tipo anglo-saxónico, em que todos sabem quem é que defende quem e o quê, do que este ideal fantasioso e utópico de «pluralismo na informação» (como tu lhe chamas).

12:45 da tarde  
Blogger LF disse...

Quando digo que a RTP é um garante de pluralismo, digo-o sobretudo sob o ponto de vista teórico.
Mas para mim é importante saber que um canal, pelo menos um, não está na mão do mais alto poder económico.
E realço, por exemplo, que só nos telejornais da RTP aparecem reportagens de todos os partidos parlamentares. Nos privados, segundo critérios comerciais (legítimos, e óbvios) só se vê PSD e PS.

Em Inglaterra (berço do mundo anglo-saxónico) existe televisão pública, à semelhança da esmagadora maioria dos países europeus.
Também eu dispensava novelas e concursos, mas não dispenso uma informação tutelada pelo poder democrático. E gostaria muito de ter uma programação cultural de qualidade, que não existe (é um facto), mas que só podemos exigir a um canal público.
Ainda assim, a RTP 2 tem algumas coisitas.

Quanto a custos, aceito que pudessem, e devessem, ser muito menores. Mas isso é outra discussão, e nessa, como já disse, talvez estejamos de acordo.

Talvez possamos estar de acordo também quanto a órgãos de informação transparentes, em que "todos sabem quem é que defende o quê". Uns de esquerda, outros de direita, abertamente, para que quem os lê possa fazer a sua análise, sabendo com o que conta.
Isto é também outra discussão. Só que em Portugal todos defendem mais ou menos o mesmo...Tirando o Avante, não estou a ver mais nenhum jornal tendencialmente de esquerda. Nem sei como se financiaria, sabendo-se de onde vem a maior fatia do bolo publicitário.


Quanto à questão da crise, é verdade que foram cometidos muitos erros internos, e não foram só do tempo do Sócrates.
O que quis dizer é que há todo um modelo de financiamento dos estados, de liberdade de operações financeiras, de permeabilidade à especulação, que tem de ser revisto, e é aí que o discurso da esquerda pode, e deve, ser mais eficaz, até porque é aí (e não em reivindicações imediatistas e irrealistas) que ele encontra a razão.
Não quero desculpabilizar ninguém, mas também não adianta estarmos constantemente a olhar para trás. Importa é perceber o que pode ser corrigido, para que situações como esta não se repitam, e para que estados soberanos não estejam sujeitos a este ajoelhar aos pés dos mercados.
É verdade que houve um endividamento excessivo. Mas foi o aumento súbito dos juros (ao nível dos mercados) que precipitou a crise, e esse aumento deu-se por motivos não apenas imputáveis à boa ou má governação.

As economias, as empresas e os estados estão reféns do poder financeiro. Há que rever tudo isto.
Se quiseres, à falta de modelos alternativos, há que refundar o capitalismo. Não necessariamente antes que ele morra, mas antes que nos mate a todos.

4:38 da tarde  
Blogger MacGuffin disse...

Zé Luis,

Faço-te uma pergunta: o que são os «mercados»?

Ao contrário do que deixas subentender nas tuas palavras, os «mercados» não são monstrinhos empenhados em destruir países. Os «mercados» são entidades e particulares que nos emprestam dinheiro. Gente que toma decisões tendencialmente racionais (para além de quererem ganhar dinheiro, sob a forma de juro, gostam de emprestar a quem lhes oferece menor risco e, para o avaliar, recorrem a agências de rating, que por sua vez têm a tendência chata de farejar problemas estruturais e derivas de endividamento dos países, das empresas, etc.).

Queres ficar menos dependente dos mercados? Só conheço uma solução: pôr o país a produzir, instituir uma cultura de trabalho e de responsabilidade, de rigor e de comedimento nos gastos, de organização e pensamento estratégico (o que queremos ser daqui a cinquenta ou cem anos?).

Deixemos de culpar sempre o exterior (mais o tenebroso «poder financeiro»). E deixemos de esperar sempre pelo exterior. Tem sido esse o nosso mal: da mesma forma que no tempo de Cavaco Silva gostámos e pedimos o dinheirinho dos fundos, parecemos empenhados em continuar a pensar que a Europa, através de passes de mágica e bondade germânica, nos vai tirar do buraco. Fia-te na virgem e não corras…

5:09 da tarde  

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