A culpa não é da comunicação social
Antes de vos comunicar algo de espectacular sobre o assunto em epígrafe, que reputo de algum lustre para o país, deixem-me dizer o seguinte: a culpa de o PSD não descolar do PS nas intenções de voto, não é da comunicação social. É, acima de tudo o resto, da actual direcção do PSD.
A ideia de remover, como quem remove um tumor, o Eng. Sócrates da cadeira do poder é, digamos, reconfortante. Mas a vida conserva resistências. Em política, não basta coadjuvar a propulsão com o combustível do descontentamento. Mesmo que não sejamos donos de um cérebro que nos habilite a compor odes ou a resolver problemas matemáticos, facilmente detectamos a seguinte evidência: a performance política do PSD, no que toca ao poder de «mobilização» (palavra feia, eu sei), tem sido miserável. Não de um tipo de miséria meneziana ou santanista, vazia de conteúdo, mas de uma miséria saturada de inconsistência programática e ausência de gravitas.
Mês após mês, o PSD tem picado alegremente, uma a uma, as check boxes da checklist “O que fazer caso se pretenda perder eleições contra um primeiro-ministro que está no poder há seis anos e deixou o país de calças na mão”. No mínimo, primoroso. No máximo, trágico.
Aflige a complacência com que o PSD tem tratado o governo, confundindo guerrilha politiqueira (campo onde o PS é campeão e o Dr. Miguel Relvas um menino de coro), com objectividade e frontalidade. Aflige a forma amadora e preguiçosa como tem tentado desmontar o argumentário socialista (na essência mais que paupérrimo), dando a imagem de não ter ideias concretas, sólidas e amplamente pensadas (repare-se, por oposição, na dinâmica discreta e eficaz do CDS). Aflige a forma imprudente como cauciona pseudo-think tanks (o Movimento Mais Sociedade é um bom exemplo) e deixa à solta gente certamente honesta mas politicamente inepta (como Leite de Campos), que lançam para o ar autênticas bombas programáticas para consumo de uma opinião pública já em estado de pré-colapso nervoso e não propriamente habilitada a decompor a mensagem na sua intrinseca e inelutável bondade. Aflige a forma como Pedro Passos Coelho não congrega personalidades políticas de peso (não me refiro a barões e baronetes, mas a gente com créditos firmados na sociedade portuguesa) e insiste em fazer-se acompanhar por figuras menores, que só o prejudicam. Aflige a apetência para os tirinhos de pólvora no pé e para tiros de bazuca (Fernando Nobre) no corpo inteiro.
Dito isto, convém dissertar sobre um fenómeno que, não sendo inédito na democracia portuguesa, atinge por estes dias máximos históricos: o governo demissionário está literalmente a ser levado ao colo pela comunicação social.
A comunicação social portuguesa (perdoem-me a generalização), apoiada na máquina de propaganda em que se transformou a Lusa (aqui sem pedido de perdão), anda a praticar há muitos meses, e sem pudor ou vergonha, um indolente churnalism.
As recentes notícias sobre a «execução orçamental» foram disso um bom exemplo. Tudo é engolido sem que se questionem os números, as fontes e os critérios. Há uma semana atrás, o Público, como que respondendo a esta notícia do Jornal de Negócios (não fosse o senhor primeiro-ministro fica aborrecido), publicava o seguinte:
Em Portugal, o jornalismo resume-se, em boa parte, a isto. O secretário de Estado «garantiu» aos jornalistas; o Gabinete do primeiro-ministro «nega»; o primeiro-ministro «assegura». Eles mandam dizer, o jornalista engole e publica. Ponto. Publish ou perish?
Ontem, na TVI, para além do pavão que, lá fora, gritava sempre que o primeiro-ministro atingia níveis inauditos de demagogia, a pavoa-jornalista que entrevistava o pavão-político fez questão, por defeito profissional (muitos anos na RTP é o que dá), de estender uma passadeira vermelha ao candidato do PS. A forma como Judite de Sousa emudeceu nas questões chave e tentou, de forma pueril e inconsistente, dar ares de entrevistadora-rija nas questões da politiquice, prova bem a que ponto o nosso jornalismo baixou os braços e se rendeu à lenga-lenga da dita politiquice: «eu sou incomensuravelmente bom; eu fiz o meu melhor; a oposição é um nojo; se culpas houver, há que reparti-las por toda a gente, cá e lá fora.»
Duas ou três explicações podem ser adiantadas para o que se está a passar.
A primeira, digamos, «histórica», é a de que o jornalismo em Portugal foi, desde sempre, fraco no seu papel de escrutinador, ainda que pontuado por jornalistas (poucos) de boa cepa. Ou seja: o lastro é longo e indelével. Dou um exemplo. Há anos, ou décadas, que a esquerda dita «progressista» proclama o seu amor pelo «modelo nórdico». O «Estado Social» nórdico é o nirvana dos socialistas «modernos». A «excelência» dos serviços de saúde e do sistema de educação «nórdicos», são o sonho húmido da esquerda bem pensante, na mesma medida que a ideia de introduzir um sistema de «plafonamento» na Segurança Social para as pensões mais elevadas, é um pesadelo com direito a danos cerebrais. Em boa verdade, a ideia do «fantástico modelo nórdico» foi mais ou menos assimilada na generalidade da população que, digamos, ainda lê jornais. Pergunta-se: alguém na comunicação social portuguesa esteve ou está interessado em perceber, in loco, o que é e como funciona o «modelo nórdico»? Algum jornalista se lembrou de estudar o «modelo nórdico»? Em Portugal há um manto de desinformação consentida e de ignorância deliberada em relação ao exterior, que promove, há décadas, o embrutecimento atávico das mentalidades e a cristalização rançosa das consciências (daí, também, a nostalgia bacoca em torno do desgraçado do Zeca e dos «amanhãs que cantam»). Em muito boa medida, a classe jornalística portuguesa é simultaneamente agente e produto deste situacionismo.
A segunda, mais, digamos, «corporativa», é a de que a generalidade das redacções é afectada por um pendor ideológico, que as impede, por preguiça e complacência, de fazer o trabalhinho de casa quando o que está em causa é o modus operandi de entidades representativas de determinado quadrante político. Repare-se na diferença entre a histeria em torno da escolha de Fernando Nobre (apesar de se tratar de uma escolha caricata, não merecia o chinfrim) e a indulgente indiferença com que trataram a escolha de Ricardo Rodrigues.
A terceira, mais, digamos, «conspirativa», é a de que a máquina tentacular do Partido Socialista, liderada por um Secretário Geral especialista na propaganda e no manuseio hábil de instrumentos subtis de intimidação, é extremamente eficaz na forma como satura o éter de arrumadas explicaçõezinhas, pujantes simplismos encantatórios («eu fiz o meu melhor», «eu lutei até ao fim», «o PS defendeu o interesse nacional», «o PS é a favor do Estado Social», etc.) e malabarismos matemáticos (e metodológicos...), sem que alguém ouse questionar o porquê e mande aferir da fidedignidade.
Deixado literalmente «à solta» por uma comunicação social viciada em óxido nitroso, este governo - o primeiro-ministro, os ministros Pedro Silva Pereira, Augusto Santos Silva e Jorge Lacão e, last but not least, o Dr. Francisco Assis, elevado de forma insondável à categoria de grande intelectual e príncipe da política – transfigurou-se numa vertiginosa máquina de spin e de contra-informação, gerindo e controlando, minuto a minuto, o espaço informativo.
Sim, é verdade: isto não explica o posicionamento do PSD nas sondagens. Mas convém perceber o que se está a passar. Para memória futura.
A ideia de remover, como quem remove um tumor, o Eng. Sócrates da cadeira do poder é, digamos, reconfortante. Mas a vida conserva resistências. Em política, não basta coadjuvar a propulsão com o combustível do descontentamento. Mesmo que não sejamos donos de um cérebro que nos habilite a compor odes ou a resolver problemas matemáticos, facilmente detectamos a seguinte evidência: a performance política do PSD, no que toca ao poder de «mobilização» (palavra feia, eu sei), tem sido miserável. Não de um tipo de miséria meneziana ou santanista, vazia de conteúdo, mas de uma miséria saturada de inconsistência programática e ausência de gravitas.
Mês após mês, o PSD tem picado alegremente, uma a uma, as check boxes da checklist “O que fazer caso se pretenda perder eleições contra um primeiro-ministro que está no poder há seis anos e deixou o país de calças na mão”. No mínimo, primoroso. No máximo, trágico.
Aflige a complacência com que o PSD tem tratado o governo, confundindo guerrilha politiqueira (campo onde o PS é campeão e o Dr. Miguel Relvas um menino de coro), com objectividade e frontalidade. Aflige a forma amadora e preguiçosa como tem tentado desmontar o argumentário socialista (na essência mais que paupérrimo), dando a imagem de não ter ideias concretas, sólidas e amplamente pensadas (repare-se, por oposição, na dinâmica discreta e eficaz do CDS). Aflige a forma imprudente como cauciona pseudo-think tanks (o Movimento Mais Sociedade é um bom exemplo) e deixa à solta gente certamente honesta mas politicamente inepta (como Leite de Campos), que lançam para o ar autênticas bombas programáticas para consumo de uma opinião pública já em estado de pré-colapso nervoso e não propriamente habilitada a decompor a mensagem na sua intrinseca e inelutável bondade. Aflige a forma como Pedro Passos Coelho não congrega personalidades políticas de peso (não me refiro a barões e baronetes, mas a gente com créditos firmados na sociedade portuguesa) e insiste em fazer-se acompanhar por figuras menores, que só o prejudicam. Aflige a apetência para os tirinhos de pólvora no pé e para tiros de bazuca (Fernando Nobre) no corpo inteiro.
Dito isto, convém dissertar sobre um fenómeno que, não sendo inédito na democracia portuguesa, atinge por estes dias máximos históricos: o governo demissionário está literalmente a ser levado ao colo pela comunicação social.
A comunicação social portuguesa (perdoem-me a generalização), apoiada na máquina de propaganda em que se transformou a Lusa (aqui sem pedido de perdão), anda a praticar há muitos meses, e sem pudor ou vergonha, um indolente churnalism.
As recentes notícias sobre a «execução orçamental» foram disso um bom exemplo. Tudo é engolido sem que se questionem os números, as fontes e os critérios. Há uma semana atrás, o Público, como que respondendo a esta notícia do Jornal de Negócios (não fosse o senhor primeiro-ministro fica aborrecido), publicava o seguinte:
«O secretário de Estado do Orçamento, Emanuel dos Santos, classificou hoje os números da execução orçamental como positivos e rejeitou a ideia de que a redução do défice esteja a ser feita à custa de adiamento de despesas e de serviços em ruptura, como avançou hoje o Jornal de Negócios. Emanuel dos Santos garantiu aos jornalistas que, “se há serviços que reclamam essa situação, é porque não tomaram as medidas adequadas para cortar as despesas”. “Não podemos pedir cortes na despesa e deixar tudo na mesma”, afirmou, garantindo que há dinheiro para satisfazer todos os compromissos do Estado, incluindo os salários dos militares do Exército.»O Diário de Notícias, também a semana passada, publicava esta:
«O Gabinete do primeiro-ministro nega que o Governo esteja de costas voltadas para Teixeira dos Santos. (…) Contrariando o que diz hoje o jornal "Expresso", o gabinete de Sócrates adiantou que o primeiro ministro e o ministro das Finanças "nos últimos quatro dias reuniram-se quatro vezes". Isto no âmbito das negociações com Troika que, recorde-se, mesmo com tolerância de ponte nesta quadra festiva tem mantido um ritmo de trabalho diário e sem paragens.»O défice de 2010 foi revisto em alta, passando para 9,1%. O governo «garante» que se trata de uma mera alteração metodológica.
Em Portugal, o jornalismo resume-se, em boa parte, a isto. O secretário de Estado «garantiu» aos jornalistas; o Gabinete do primeiro-ministro «nega»; o primeiro-ministro «assegura». Eles mandam dizer, o jornalista engole e publica. Ponto. Publish ou perish?
Ontem, na TVI, para além do pavão que, lá fora, gritava sempre que o primeiro-ministro atingia níveis inauditos de demagogia, a pavoa-jornalista que entrevistava o pavão-político fez questão, por defeito profissional (muitos anos na RTP é o que dá), de estender uma passadeira vermelha ao candidato do PS. A forma como Judite de Sousa emudeceu nas questões chave e tentou, de forma pueril e inconsistente, dar ares de entrevistadora-rija nas questões da politiquice, prova bem a que ponto o nosso jornalismo baixou os braços e se rendeu à lenga-lenga da dita politiquice: «eu sou incomensuravelmente bom; eu fiz o meu melhor; a oposição é um nojo; se culpas houver, há que reparti-las por toda a gente, cá e lá fora.»
Duas ou três explicações podem ser adiantadas para o que se está a passar.
A primeira, digamos, «histórica», é a de que o jornalismo em Portugal foi, desde sempre, fraco no seu papel de escrutinador, ainda que pontuado por jornalistas (poucos) de boa cepa. Ou seja: o lastro é longo e indelével. Dou um exemplo. Há anos, ou décadas, que a esquerda dita «progressista» proclama o seu amor pelo «modelo nórdico». O «Estado Social» nórdico é o nirvana dos socialistas «modernos». A «excelência» dos serviços de saúde e do sistema de educação «nórdicos», são o sonho húmido da esquerda bem pensante, na mesma medida que a ideia de introduzir um sistema de «plafonamento» na Segurança Social para as pensões mais elevadas, é um pesadelo com direito a danos cerebrais. Em boa verdade, a ideia do «fantástico modelo nórdico» foi mais ou menos assimilada na generalidade da população que, digamos, ainda lê jornais. Pergunta-se: alguém na comunicação social portuguesa esteve ou está interessado em perceber, in loco, o que é e como funciona o «modelo nórdico»? Algum jornalista se lembrou de estudar o «modelo nórdico»? Em Portugal há um manto de desinformação consentida e de ignorância deliberada em relação ao exterior, que promove, há décadas, o embrutecimento atávico das mentalidades e a cristalização rançosa das consciências (daí, também, a nostalgia bacoca em torno do desgraçado do Zeca e dos «amanhãs que cantam»). Em muito boa medida, a classe jornalística portuguesa é simultaneamente agente e produto deste situacionismo.
A segunda, mais, digamos, «corporativa», é a de que a generalidade das redacções é afectada por um pendor ideológico, que as impede, por preguiça e complacência, de fazer o trabalhinho de casa quando o que está em causa é o modus operandi de entidades representativas de determinado quadrante político. Repare-se na diferença entre a histeria em torno da escolha de Fernando Nobre (apesar de se tratar de uma escolha caricata, não merecia o chinfrim) e a indulgente indiferença com que trataram a escolha de Ricardo Rodrigues.
A terceira, mais, digamos, «conspirativa», é a de que a máquina tentacular do Partido Socialista, liderada por um Secretário Geral especialista na propaganda e no manuseio hábil de instrumentos subtis de intimidação, é extremamente eficaz na forma como satura o éter de arrumadas explicaçõezinhas, pujantes simplismos encantatórios («eu fiz o meu melhor», «eu lutei até ao fim», «o PS defendeu o interesse nacional», «o PS é a favor do Estado Social», etc.) e malabarismos matemáticos (e metodológicos...), sem que alguém ouse questionar o porquê e mande aferir da fidedignidade.
Deixado literalmente «à solta» por uma comunicação social viciada em óxido nitroso, este governo - o primeiro-ministro, os ministros Pedro Silva Pereira, Augusto Santos Silva e Jorge Lacão e, last but not least, o Dr. Francisco Assis, elevado de forma insondável à categoria de grande intelectual e príncipe da política – transfigurou-se numa vertiginosa máquina de spin e de contra-informação, gerindo e controlando, minuto a minuto, o espaço informativo.
Sim, é verdade: isto não explica o posicionamento do PSD nas sondagens. Mas convém perceber o que se está a passar. Para memória futura.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial