Mitos
Vasco Pulido Valente in Público 10/01/2010
A França, a Europa e as Pátrias"É uma velha convicção dos políticos que um país só prospera e só se afirma com uma boa dose de nacionalismo. Esta ideia romântica (no sentido técnico da palavra) ainda não desapareceu, apesar do uso que Hitler, Mussolini e outros beneméritos fi zeram dela. A gente da minha idade ainda com certeza se lembra da obsessão com a ilusória “identidade portuguesa” depois do 25 de Abril e da perda das colónias de África. A esquerda até inventou que Portugal se tinha tornado numa “placa giratória” entre o Ocidente e o Terceiro Mundo. Os disparates não paravam. E continuam. Manuel Alegre, por exemplo, falou ontem no Expresso de um “Quinto Império cultural e da língua” e acha, muito seriamente, que os problemas da economia “não se resolvem, sem orgulho ou confiança no país”. Nada disto é extraordinário.Extraordinário é que a doença se tenha pegado à França e que Sarkozy ande agora oficialmente à procura da “identidade francesa”. Verdade que desde o Grand Siècle (o século XVII), de uma maneira ou de outra, a França dominou a Europa. As “Luzes” foram, sobretudo, as “Luzes” da Enciclopédia e Voltaire, não as da Inglaterra ou da Alemanha, bem mais decisivas para o futuro. E a Revolução convenceu erradamente os franceses de que encarnavam e transportavam consigo os valores da humanidade. Nem a empresa napoleónica, uma empresa de conquista e rapina, os fez pensar duas vezes. Mesmo no século XIX, a França, regularmente vencida (ou com a vitória pírrica e partilhada da I Guerra), não deixou de se considerar, como dizia o outro, o “farol” do mundo. Nem sequer a humilhação de 1940 a desanimou. Em 1945, a “inteligência” indígena persistia em arengar a América, a África e a Ásia, com a autoridade espúria de mãe da liberdade. E era ouvida.O Mercado Comum e a “Europa” que dele saiu acabaram pouco a pouco com este delírio. Mitterrand teve passageiramente um ou outro acesso de grandeur. Dali em diante, a França entrou na mediocridade que lhe competia. Já ninguém a levava a sério como consciência de serviço. Em certo sentido, a França fi cou no desemprego da História. A campanha de Sarkozy para redescobrir e reinventar a “identidade francesa” é um sintoma e o reconhecimento dessa definitiva queda. Mas, na prática,como é que se redescobre ou reinventa uma “identidade”? Até hoje há duas sugestões radicais: cantar A Marselhesa no princípio dos jogos de futebol e meter Camus (um semi-reformista e um semiliberal) no Panthéon (tirar e pôr pseudo-heróis no Panthéon sempre foi, de resto, um grande divertimento revolucionário). A União Europeia, para desgosto do dr. Soares, não passa de mito. Em compensação, para descanso do dr. Soares, a Europa das Pátrias não renascerá."
9 Comentários:
Ah... O Vasco Pulido Valente, sempre tão esclarecido e perspicaz. Ainda me lembro da aposta com o Mário Soares sobre o "óbvio" vencedor das Presidenciais de 2008 nos Estados Unidos: Mitt Romney, que mal as primárias começaram desistiu a favor de John McCain.
Há uns anos, Gordon Brown também andava preocupado com essas questões. Actualmente, deve ter outras preocupações.
http://www.prospectmagazine.co.uk/2005/04/britainrediscovered/
O link no comentário anterior acaba com "britainrediscovered".
Não percebo como se reconhece um problema de identidade, e ao mesmo tempo se criticam as tentativas de o resolver, tudo em meia dúzia de linhas.
Qual a solução de VPV para a França ? e para Portugal ?
Encharcarmo-nos todos em Whisky e fecharmos a porta ?
Ah, é verdade, resta uma hipótese: mergulhar de cabeça no pensamento único anglo-saxónico, acabar com esta brincadeira dos países e ficar tudo sintonizado com Washington, seu modelo económico e social.
Uma espécie de federalismo global (que de resto, infelizmente já existe).
Será isso?
Ai, ai, Zé Luis... continuamos a analisar sempre a realidade e os outros com base em estereótipos e preconceitos... E depois ainda acusas os outros de «pensamento único»... Ou seja, um gajo não pode criticar ou afirmar que a «Europa», enquanto entidade social abstracta e objecto de um suposto modelo «state of the art» não passa de um mito, que é logo apelidado de americanista, bushista, anglo-saxónico... Isto faz lembrar o tempo da outra senhora, em que quem dizia mal de Salazar levava logo na testa com o epíteto de comuna. VPV é um iconoclasta cujo fio condutor, se é que ele tem um, é o de desmontar e escancarar a céu aberto estas utopias inconsequentes e, acima de tudo, a presunção de certas luminárias que agem e pensam como se alguma coisa de sólido e concreto já tivesse sido alcançada, não se dando conta de que tudo está mais ou menos colado com cuspo. Tiro o chapéu a quem tem a coragem de dizer o que tem que ser dito: que esta «Europa» é pífia. A melhor maneira de melhorar o que quer que seja é reconhecer as coisas tal como elas são. Não é enfiar a cabeça na areia ou encharcamo-nos de Whisky. Que é precisamente o que os líderes europeus em geral e os fazedores desta Europa fazem, sem se dar conta de que existe um mundo real, palpável, diversificado, heterogéneo, que não encaixa no simplismo dos seus diktats e das suas planificações de corredor. Que chatice, o Vasco, não é? Estes «velhos do Restelo» estragam sempre a festa.
Carlos, escreva mais.
As divinas reproduções dos maravilhosos outros são estupendas, mas falta a sua lavra.
Que é tão boa quanto a deles.
I will, I will... Obrigado.
Esta Europa não está a funcionar ?
Estamos de acordo !
Os lideres europeus são mediocres ?
Estamos de acordo !
Portanto há um problema.
Soluções VPV não apresenta nenhuma. Nem lhe caberia a ele apresentar.
Mas poderia pelo menos evitar criticar que as tenta, ainda que ao de leve, propor.
Enunciando um problema, e criticando todas as propostas de solução, entramos no domínio da masturbação intelectual, em que aliás VPV é perito.
A não ser que se queira concluir algo por baixo dos panos.
Também eu estou desiludido com a Europa enquanto entidade una, um tanto artificialmente criada.
Estou-o, sobretudo desde que vi, incrédulo, Durão Barroso tomar os seus destinos depois da farsa das Lajes.
A UE perdeu, para mim, credibilidade, e fez-me também perder a esperança.
Mas é inquestionável que a Europa, sobretudo o seu eixo central (e talvez o problema tenha sido tentar forçá-la a ir longe demais), tem características próprias, que se distinguem facilmente de qualquer outra parte do globo. Existem diferenças, rivalidades históricas, mas há um forte denominador comum, que, concedo, nem sempre se estende até Portugal (historicamente virado de costas para o continente).
Acho louvável que se procure explorar esse denominador comum, e com ele criar um espaço de paz, prosperidade e afirmação cultural.
A alternativa é, por muito que evites admitir, o jugo total dos EUA.
Não só no plano político, mas também militar, social, cultural e civilizacional.
Acontece que eu, como muitos outros europeus, não gosto daquilo (embora reconheça as claras melhorias com Obama).
Escreveste: "Soluções VPV não apresenta nenhuma. Nem lhe caberia a ele apresentar. Mas poderia pelo menos evitar criticar que as tenta, ainda que ao de leve, propor."
Discordo. Tentar não é tudo. Tentar forjar uma ideologia ou uma imagem ou uma ideia estúpida, inconsequente ou ridícula não confere ao agente imunidade perante as críticas só porque se tentou fazer qualquer coisa. E é positivo, salutar, essencial que haja alguém que chame os bois pelos nomes ou que desmascare, ainda por cima com estilo como o faz VPV, os embustes e as farsas da política da cosmética propangadista.
Dizes uma coisa acertada: "nem lhe caberia a ele apresentar". Porque há muita gente que anda há demasiado tempo a veicular a ideia de que para se dizer mal ou criticar tem que se apresentar uma alternativa ou uma solução. Não é só um disparate: é injusto. E só é compreensível vindo de quem vem: dos que fazem merda (pardon my french) ou não sabem o que fazer. É essa a forma encontrada para neutralizar as críticas e a «maledicência». É essa a doutrina socrática: "calem-se porque vocês só sabem dizer mal." Perfeito, não é? E o mais curioso é que a maior parte das vezes a crítica encerra, implicitamente, um caminho: o contrário.
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