O MacGuffin: “Borbulhagem”, diz ele

quinta-feira, março 13, 2008

“Borbulhagem”, diz ele

Constança Cunha e Sá, in Público (13/03/2008)

Um Vazio Complicado

No início da semana, o dr. Luís Filipe Menezes encarava as inúmeras críticas suscitadas pelas alterações ao regulamento interno do partido com o optimismo natural de quem conta com o apoio das "bases", do "povo" e de outras entidades metafísicas que ele, por pudor, se absteve de referir. Segunda-feira, no rescaldo do Conselho Nacional, todas essas declarações tinham uma dimensão reduzida, revelando apenas "alguma borbulhagem" que andava "no ar", fruto do sucesso "evidente" da sua notável liderança. Compreensivo, o dr. Menezes explicava com um saber de experiência feito: "Em quatro meses, trouxemos o partido de uma situação em que não pensava na vitória para uma situação que pensa na vitória" acrescentando didacticamente que quando um fenómeno, como este, acontece, "o comportamento das pessoas altera-se e passa a haver mais ambição". Nesse dia, o que interessava era a fidelidade das "bases" e as renovadas expectativas do "povo" que ele e o "seu PSD" tinham subitamente desenterrado.

No dia seguinte, o diagnóstico mudou radicalmente: a natural "borbulhagem" da véspera ganhou novos e tenebrosos contornos, transformando-se, numa noite, num inqualificável ataque à fulgurante liderança do dr. Menezes. Em conformidade com esta diferente interpretação dos factos, a Comissão Permanente do partido decidiu que o dr. Rui Rio tinha que ir, com carácter de urgência, ao Conselho de Jurisdição explicar as suas "gravíssimas" e "intoleráveis" declarações, explicando nomeadamente como é que os actuais regulamentos internos podiam transformar o PSD numa próspera lavandaria de ordem financeira. António Capucho, por sua vez, viu confirmada a sua anunciada demissão da concelhia de Cascais com um "agradecimento pelos serviços prestados", uma velha fórmula salazarista que a direcção do PSD achou por bem ressuscitar, no que pode ser visto como um oportuno piscar de olhos a uma direita retrógrada e saudosista, depois de um salto inesperado para os protestos da "rua" e para o colo dos sindicatos. Este PSD do dr. Menezes é assim: previsivelmente imprevisível. Num dia, junta-se ao entusiasmo do PREC, no dia seguinte entrega-se aos pequenos requintes do salazarismo; num dia, regista uma auspiciosa "borbulhagem", no dia seguinte encontra um "intolerável" e "gravíssimo" ataque à sua irrepreensível liderança.

Num esforço meritório, os Ribaus, os Botas e os Lopes do partido, desdobraram-se em comentários e explicações que tornaram ainda mais precisa a posição adoptada pela actual direcção do PSD. Enquanto a maioria se escudou prudentemente no "assassinato político" do líder e no "ataque sistemático" às suas desenjoativas propostas, o dr. Santana Lopes, como já é habitual, sobressaiu pela ousadia dos argumentos e pela sua luminosa insensatez: começando, modestamente, na TSF, por considerar que foram "ultrapassados" todos os limites, o velho Lázaro da nossa pequena política acabou, gloriosamente, em Gaia, a denunciar "o clima de terror robespierriano" que, graças ao dr. Rui Rio e a outros elementos igualmente perniciosos, passou a existir no interior do PSD. Obviamente, comparar o "Terror", ou melhor, o "Grande Terror" da Revolução Francesa com as trapalhadas do PSD revela uma confrangedora ignorância da História. Mas, pior ainda, revela o estado em que se encontra um partido onde a irresponsabilidade é uma regra de ouro e o mais puro oportunismo se transformou na única estratégia política perceptível.

Os últimos quatro meses de que o dr. Menezes tanto se orgulha foram, de facto, uma festiva sucessão de delírios e piruetas políticas que culminaram, na semana passada, com a bombástica confissão de que, embora o PS já não mereça governar, o PSD ainda não se encontra em condições de o substituir - um "paradoxo" que o dr. Menezes, com a sua intuição apurada, considera que pode estar na origem de um "vazio complicado". Em momentos muito especiais, a democracia tem destas coisas!

A alteração dos regulamentos, impedindo a fixação dos cadernos eleitorais e abrindo caminho à perversão de qualquer processo democrático interno, é o reconhecimento desse "vazio" por parte de uma direcção acossada que apenas se mantém no poder por obra e graça dos interesses imediatos dos seus caciques locais. A forma como essa mesma direcção reagiu às críticas de Rui Rio e de António Capucho (a "purga", segundo Pacheco Pereira) confirma o autismo de quem vive à margem do país, entretido com pequenos jogos de poder partidário, e a impunidade de quem conta com os cálculos alheios e garante orgulhosamente que só "à bomba" é que o tiram da liderança que tão arduamente conquistou.

Se, em 2009, o dr. Menezes ainda se mantiver à frente do partido, como o próprio garante que se manterá, o PSD estará irremediavelmente condenado à sua própria insignificância: a maioria relativa do PS será naturalmente vista com mais uma vitória retumbante do líder e das suas bases que continuarão impunemente a mandar no partido; e a maioria absoluta, por sua vez, obrigará o partido e um novo líder a quatro anos de oposição, entregues a um grupo parlamentar difícil de descrever. Até lá, o dr. Menezes não deixará de ser o principal trunfo de um primeiro-ministro em queda, podendo mesmo, na recta final, adquirir um papel insubstituível na sua campanha eleitoral. Quem sabe se o tal "vazio complicado" não será mesmo demasiado complicado.

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