And the Oscar goes to Benard
João Benard da Costa, in Público (02/03/2008)
Oscaradas
1. "Ninguém se lembra de uns Óscares assim (tão bons)" lia-se na primeira página do PÚBLICO de 24 de Fevereiro, no dia (ou na noite) deles. Remetia-se para o P2, onde se percebia que "tão bons" ou "tão maus" tanto fazia, como o branco e o tinto de Álvaro de Campos e exactamente para o mesmo acto. Citava-se até a Newsweek: "The Oscars must die" e falava-se de um "diagnóstico terminal".
Com os fusos horários a desajudar entre Los Angeles e Lisboa, a hora a que a festa acaba já não dá para novas nos matutinos do dia seguinte. Mas, na Terça, 26, as estatuetas voltaram às primeiras páginas e ao P2 para anunciar o que "toda a gente" sabia há 24 horas. Alguns portugueses ensonados que se arrastaram por uma noite em que o "marketing" vendia atmosfera (juro pela minha rica saúde que esta frase constava de um depoimento) murmuravam, desalentados ou resignados, que "a Oscarmania em Portugal não existe". Se não existe, não é por culpa dos chamados "media", menos ainda por culpa dos chamados "críticos", que puxam pela cerimónia o mais que podem, dando largo espaço a palpites pernósticos.
Aproveito para perguntar porque é que escrevem "Óscares" em português, com maiúscula e tudo. Como não há nenhum Óscar envolvido na história dos prémios (nem sequer o daquela história apócrifa em que uma secretária olhou a estatueta e disse que esta lhe lembrava um tio Óscar que teria), não vejo qualquer razão para o aportuguesamento do plural da palavra. Por isso, insisto com o meu revisor: deixe estar oscars que eu não estou a escrever nem sobre o Marechal Carmona nem sobre Óscar de Lemos. Adiante.
2. 80 anos comemoraram os oscars, sete anos mais velhos do que eu. Mas, durante mais de metade da minha vida e mais de metade da vida deles, os oscars nem na América vinham na primeira página. Embora o oscar com mais adequada designação que eu conheça tenha acontecido logo no primeiro ano da atribuição deles, foi anunciado meses antes da sua entrega, como se fazia e faz com os Nobel ou com os Pullitzer. Refiro-me a Sunrise de Friedrich Wilhelm Murnau, premiado "melhor produção de qualidade artística", título que 80 anos depois lhe pode continuar a caber. Ninguém deu por isso e duvido que o justíssimo prémio tenha levado aos cinemas de então mais um espectador que fosse ou que seja.
Durante os anos 30, em que ainda foram premiados realizadores como Capra (três vezes), Ford ou McCarey, foi frequente que as vedetas mais "papabile" (se a expressão me é permitida) nem pusessem os pés na cerimónia, ao princípio maçudo jantar. Claudette Colbert, que ganhou o oscar de melhor actriz em 1934 por It Happened One Night (primeiro filme na história de Hollywood a receber todos os oscars principais, o que só voltou a acontecer em 1975 e em 1991) soube da notícia por um telegrama que recebeu num "wagonlit"; Walt Disney, que ganhou 40 entre 1932 (Mickey Mouse) e 1966 (ano em que morreu) nem se dava ao trabalho de os ir receber. Os oscars foram inventados para dar caução moral e artística ao cinema ou, como disse Douglas Fairbanks (esse que em Portugal era conhecido por Douglas Faz-Bancos) num jantar de 1927: "são imperativas acções construtivas para pôr fim a ataques que nos desacreditam e estabelecer na opinião pública a ideia que o cinema é uma instituição legítima e respeitável e os que nele trabalham pessoas honradas". Nem sequer como chamariz publicitário funcionavam muito. Prova: a austríaca Louise Rainer (n.1910 e que celebrou há pouco 98 anos) chegou à América em 1935, foi contratada pela MGM, e em 1936 e 1937 recebeu consecutivamente o oscar de melhor actriz por The Great Ziegfeld de Robert Z. Leonard e The Good Earth de Sidney Franklin. Na história dos oscars, capítulo actrizes, nunca foi suplantada e só Katharine Hepburn a igualou em 1967 e 1968. Pois bastaram três anos para a senhora se evaporar e mesmo na Cinemateca dou um doce a quem se lembrar dela.
3. Seguramente, os anos 30, 40 e 50 foram os anos de maior cinefilia no mundo chamado ocidental (América, Europa e satélites ou prolongamentos). De vez em quando (e em revistas especializadas) lá se dizia que o filme Y tinha tido vários oscars ou a que actriz Z o ganhara. Mas ninguém ligava muito e sobretudo ninguém estabelecia juízos de valor com base nas estatuetas. Cinco dos maiores cineastas que já trabalharam em Hollywood (Hitchcock, Hawks, Sternberg, Lubitsch e Fritz Lang) nunca ganharam um oscar na vida deles, como também nunca os receberam Greta Garbo ou Marlene, Cary Grant ou Montgomery Clift.
Não consigo precisar que idade teria eu quando ouvi pela primeira vez a palavra oscar, mas seguramente já sabia bem palavras muito mais feias e nem sequer fui muito precoce nesse último domínio. Mas, às vezes, desde que começou a tal oscarmania, dou comigo a pensar nos foguetes que teriam saudado 1941 se algum de nós tivesse voto na matéria em tão recuado ano. Ouçam só: melhor filme: How Green Was My Valley de John Ford, o filme que eu escolhi em 2006 para abrir o Ciclo da Gulbenkian "Como o Cinema era Belo"; melhor realizador: John Ford (a receber o prémio pela terceira vez); melhor actriz: Joan Fontaine em Suspicion de Hitchcock; melhor actor: Gary Cooper em Sergeant York de Howard Hawks. Ford, Hitchcock e Hawks num só ano, nem Barca Velha 66.
Quando eu comecei a ficar espigadote e a botar catadura em coisas de cinema (estou a falar dos meados dos anos 50) era até de bom tom, entre os conhecedores ou candidatos a tal, rir ou sorrir desprezivamente quando se lhes falava de oscars. Marty de Delbert Mann em 1955, o ano de East of Eden de Kazan, de Rebel Without a Cause de Nicholas Ray, de Moonfleet de Fritz Lang, de Land of the Pharaohs de Hawks, de The Night of the Hunter de Charles Laughton? Brincamos ou quê...? Nem sequer nos indignávamos. Hollywoodices oscaradas. Around the World in 80 Days de Michael Anderson? A publicidade já fez bom barulho em 59, com os 11 oscars ganhos pelo Ben Hur de William Wyler, mas este teria razões para dar voltas no túmulo (morreu em 1981) se a comparasse com a que fizeram, trinta e oito anos depois, a Titanic de James Cameron ou quarenta e quatro anos depois, a Lord of the Rings: The Return of the King, únicos filmes que conseguiram os mesmos 11 oscars das corridas de galeras de Charlton Heston. Só com o dinheiro dispendido na publicidade aos dois últimos, fazia Wyler um Ben Hur 2 e um Ben Hur 3 se os tempos fossem disso quando John F. Kennedy foi eleito Presidente dos EUA.
Último exemplo para perceberem como mudámos de planeta. Em 1965, a Academia premiou The Sound of Music de Robert Wise, ou seja, o celebérrimo Música no Coração que ganhou 5 oscars. Os Cahiers du Cinema, à época, nem crítica publicaram ao filme. Numa curta nota que dava conta doutras estreias, escreveram que "era um filme a não ver, sob nenhum pretexto". Não discuto razões ou desrazões. Pergunto apenas se alguma revista séria de cinema (ou mesmo não séria) se permitiria dizer isso hoje do filme dos irmãos Coen. Naquela altura é que muitos países não estavam para velhos. Agora estão-no e para os mais assustadoramente decrépitos. Mas, como dizia uma senhora que eu cá sei: "Acabou-se o romantismo" e o cinema como as outras artes (que lá chegarão, lá chegarão) medem-se a percentagens do PIB e não por conceitos mofentos de "qualidade artística".
4. Entretanto corria a água debaixo das pontes e a crónica crise transformava-se em caso sério. Foi isto pelo começo dos anos 70 e, a pouco e pouco, achou-se que era preciso curar a ferida com o pêlo do mesmo cão. Não estou aqui para escrever dos "movie brats" (Coppola, Spielberg, Scorsese e outros sexagenários de hoje) mas se a indústria os abraçou tão depressa foi porque não se podia dar ao luxo de os ter de fora. Como não se podia dar ao luxo de ter de fora os Fellinis, Tatis, Bergmans que andavam por essa Europa a chegar à Taprobana. Dessem-lhes alpista e deixassem-nos pousar.
Exemplo sumarento desta progressão é o caso Buñuel em 1972. Esse antigo proscrito que os Estados Unidos tinham posto na rua (leia-se México) nos anos 40, quando descobriram, segundo Iris Barry, que ser republicano em Espanha não queria dizer a mesma coisa que ser republicano na América, viu o seu filme Le Charme Discret de la Bourgeoisie ser nomeado para o melhor filme em língua estrangeira. Como a publicidade aos oscars já começava muito antes (foi no ano de The Godfather, lembram-se?) alguns jornalistas cotados foram até ao México para entrevistar Don Luis e perguntar-lhe se ele tinha esperanças de ganhar o prémio. "Esperanças?", respondeu Buñuel abrindo muito o olho do espanto, "não tenho esperanças, tenho certezas. Paguei o prémio por bom dinheiro e os americanos podem ter muitos defeitos, mas para eles, negócio feito é negócio feito".
Estavam asseguradas as manchetes e um escândalo dos diabos. Buñuel comprara o júri? Da Europa, o produtor Silberman telefonava-lhe fulo: "Tínhamos boas hipóteses. Você deitou tudo a perder". Muita gente se mexeu a explicar em Hollywood que o homem era um provocador mas era um génio. E, na noite dos oscars, em Março de 1973, Buñuel ganhou o de melhor filme estrangeiro. Quando lho disseram, ele respondeu calmamente: "Eu não lhes tinha dito? Os americanos podem ter muitos defeitos, mas negócio feito é negócio feito".
Fiquemo-nos com essa certeza.
Fiquemo-nos com a globalização e pensemos que, dos 18 realizadores com mais do que uma estatueta ganha, 14 o conseguiram antes de 1968, ou seja, na primeira metade da vida dos oscars. Nos últimos 40 anos, com quatro excepções (Forman, Oliver Stone, Spielberg, Clint Eastwood) tem sido um ano um realizador. Todos os viveram, como a rosa, o espaço de uma manhã. Amanhã ninguém se lembra de nada. Nem vale a pena lembrar.
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