O MacGuffin

sexta-feira, outubro 24, 2003

O SR. DR. EDUARDO PRADO COELHO
A crónica de ontem (quinta-feira) de Eduardo Prado Coelho é um portento épêcêniano. EPC consegue, uma vez mais, explicar o inexplicável, farejar o inescrutável, decifrar o indecifrável, dissecar o incognoscível. O juiz Rui Teixeira terá, supostamente, tratado Paulo Pedroso por “Senhor Paulo Pedroso”. Fim da história? Não. EPC explica:

”A utilização da fórmula "o senhor" está carregada de pressupostos ideológicos. Rui Teixeira pretende provar que, perante a justiça, todos são iguais: não há doutores nem meios-doutores, deputados nem meios-deputados. Mas acaba por provar o contrário. Vejamos porquê.
Em Portugal, a norma leva a tratar as pessoas pelos seus títulos: desde "o senhor guarda" até ao "senhor doutor", passando pelo "senhor engenheiro", o "senhor secretário-geral", o "senhor arquitecto", ou o "mister" com que são designados os treinadores de futebol. Lembro-me de mostrar a um funcionário administrativo francês a lista dos portugueses para uma determinada comissão mista para a cultura: do lado francês, todos eram apenas "monsieur"; do lado português só havia "doutores". Ora como em França os "doutores" são médicos, o meu interlocutor espantava-se com uma tão forte representação do corpo clínico. Já do lado da emigração havia situações divertidas: os membros da nossa comunidade tratavam respeitosamente o embaixador por "senhor embaixador", mas, depois, desabituados do tratamento por "o senhor", faziam uma tradução directa do "vous" e diziam "você". O embaixador cambaleava um pouco, mas depois recompunha-se perante aquele "você" que parecia agressivo mas não era.
Tratando um professor universitário e deputado por "o senhor Pedroso", o juiz Rui Teixeira não está a pôr todos no mesmo nível, mas a baixar o nível de Paulo Pedroso, porque cria para ele uma infracção à norma. Ser equitativo nas formas de tratamento é seguir a norma vigente numa língua. Transgredi-la é criar um efeito sobre o outro que, neste caso, é claramente vexatório.


Eduardo Prado Coelho – perdão: Dr. Eduardo Prado Coelho (Deus me livre de incorrer num abaixamento do nível do Dr. Eduardo Prado Coelho) – conseguiu encontrar mais uma prova cabal da cabala, a acrescentar a tantas outras. E, claro, da má-fé do juiz Rui Teixeira. O Dr. Eduardo Prado Coelho (reparem como insisto no “Dr.” para não o vexar) não sabe se o juiz Rui Teixeira tratou Jorge Ritto, Hugo Marçal ou Ferreira Dinis por “Doutores”; não sabe se, ao longo da sua actividade como juiz, terá tratado outros “professores universitários” ou “licenciados” por “Doutores” ou, simplesmente, por “Senhores”. A haver diferenças de tratamento, só assim se poderia aventar a possibilidade, ela própria remota, de uma atitude descriminatória por parte de Rui Teixeira em relação a um arguido em concreto. Das duas uma: ou o Dr. Eduardo Prado Coelho arranjou, apressada mas diligentemente, mais um argumento para colocar em causa as intenções e o comportamento de Rui Teixeira enquanto juiz, ou, no fundo, o Dr. Eduardo Prado Coelho (pós-modernista encartado) aprecia e pretende ajudar a perpetuar a forma absolutamente patética e estupidamente reverencial como, no Portugal de hoje, nos passámos todos a tratar por “Doutores”. O que nos remete para outra questão: e se, em Portugal, se fizesse um back to basics de forma a desvalorizar um pouquinho a forma e a cosmética, para nos concentrarmos no que é essencial?

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