O MacGuffin

domingo, abril 06, 2003

COMENTÁRIOS
Do meu amigo Zé Luis: “Introduzindo um pouco de polémica na conversa, aquela de comparares o Mia Couto ao rato Mickey é que não lembra ao diabo. Será por o Mia Couto ser de esquerda? A propósito, lembro-me de também desdenhares do José Saramago, talvez pelo mesmo motivo (experimenta a ler por exemplo "O ano da morte de Ricardo Reis", para mim o seu melhor romance, e estou à vontade para falar pois já os lí todos). Que dizes então do Gabriel Garcia Marquez, que esteve na base de várias iniciativas de apoio a Fidel Castro? Será que não tem por isso qualidade literária? Não te deixes cair no erro de confundir estética com ideologia, e tal como eu não deixo de ler Borges, Vargas Llosa ou Celine, não desprezes aqueles com os quais discordas pois és tu quem fica a perder. A propósito de Gabo, aconselho vivamente o primeiro volume da sua autobiografia que estou a ler no momento e me parece delicioso, tal como a maioria dos seus livros aliás, dos quais me permito destacar "O Amor nos Tempos de Cólera", seguramente um dos melhores romances que lí em toda a minha vida e para mim, ao contrário da opinião generalizada ("Cem anos de solidão"), o seu melhor livro.

Meu caro ZL: que existe uma estética ou, neste caso, uma literatura que permite o acesso a alegorias ou projecções político-ideológicas, disso não tenho dúvidas. Agora, seria um total disparate deixar de ler este ou aquele escritor, enquanto autor de ficção, ou este ou aquele poeta, pela simples razão de ele ter posições políticas contrárias à minha. Isso sim, seria totalmente idiota. Confesso, contudo, que não encaixo bem na forma como certos escritores, sob a capa da «ficção», insinuaram sub-repticiamente os seus manifestos políticos. Bem diferente dos que, honestamente, escreveram à luz de uma alegoria política. Assumida e objectivamente (Orwell, por exemplo).
Voltando ao teu comentário, a razão porque não gosto de Saramago ou de Mia Couto (embora Saramago seja melhor escritor que Couto), é sobretudo uma questão de estilo. Aliás, o Mia, tal como, por exemplo, o jovem Peixoto, escrevem, sobretudo, para servir o «style», esquecendo o verdadeiro fim da escrita: contar qualquer coisa (uma história, de preferência). Com factos verosímeis, uma escrita escorreita e livre de malabarismos linguísticos duvidosos, imagens ou figuras de estilo que rocem o disparate. No fundo, que escrevam bem. E, já agora, que deixem de olhar para os seus umbigos.
Portanto, caro ZL, não me obrigues a ter de gostar do Saramago, do Couto ou do jovem Peixoto só para provar a A ou B que não misturo as coisas, que não sou preconceituoso, etc. Va bene?
(PS: do que li do Gabriel gostei.)

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