Da forma
Vasco Pulido Valente, hoje, no Público:
Um tiranete da Beira
“O eng. Sócrates comprometeu Portugal em Bruxelas com o PEC IV, sem comunicar coisa alguma ao Parlamento, ao Presidente da República, aos partidos da oposição e aos parceiros sociais. Quando umas tantas pessoas protestaram, o eng. Sócrates respondeu, indignadamente, que o que lhe importava não era a “forma”, era o “conteúdo” do que fizera. Só em Portugal esta explicação poderia ter passado sem um escândalo maior ou mesmo sem a demissão imediata do primeiro-ministro. Convém explicar porquê à ignorância indígena. A democracia é “forma”. Só as ditaduras se justificam pelo “conteúdo”. Uma ditadura não hesitará em invocar – como, de resto, invocou – a “defesa de Portugal” para meter por seu arbítrio os portugueses numa guerra colonial. A democracia, em que teoricamente vivemos, exige que se respeite a “forma”, que em última análise legitima qualquer decisão política. Não custa compreender esta diferença. A democracia assenta na “forma”. O próprio princípio representativo não é mais do que uma “forma” ou, se quiserem, de uma convenção pela qual o eleitorado transfere a sua soberania para duas centenas de indivíduos que representam a sua vontade. O “conteúdo” da vontade dos representantes nem sempre corresponde ao “conteúdo” da vontade dos representados (dificuldade que, por exemplo, o mandato imperativo tentava evitar). Mas, se por acaso se puser em dúvida a “forma” do regime, não há maneira de fundar o menor acto de Governo, excepto no “conteúdo” que um ditador, inevitavelmente sustentado pela força, à altura lhe resolver dar. O mesmo acontece com o Presidente da República. O Presidente existe para assegurar o equilíbrio e o “regular funcionamento” dos poderes do Estado. Por essa simples razão, nada lhe deve ser escondido. Também aqui se trata de uma “forma” que o Governo está obrigado a cumprir. A lei e a tradição não concedem ao Governo o privilégio de escolher o que revela ou não revela a Belém, conforme o “conteúdo” da informação de que dispõe. A “forma” prevalece para garantir o estatuto e a liberdade do Presidente e o exercício pleno das suas funções. Sócrates não percebe isto, e não por falta de inteligência, que já demonstrou, para nosso mal, numa ou noutra ocasião. Sócrates não percebe isto, porque não é e nunca foi um democrata. Resta saber se uma democracia aguenta indefinidamente e de boa saúde a autoridade de um tiranete da Beira.”
1 Comentários:
... e a angústia pelo povo que tem fascínio pelos tiranetes de província?
Há quem afirme a pés juntos que, indo a votos, poderá ganhar outra vez, mesmo que "à rasca", agitando o discursozinho da vítima incompreendida, intercalado com a ameaça sinistra do monstro malfazente do FMI...
O PSD só tem aquele jovem com relativo bom aspecto para amostra, com os fiozinhos de marionete a verem-se aqui e ali, sem uma galeria de ministeriáveis que se apresentem (onde anda o governo sombra?), o Paulo grita e balança demais e a extrema esquerda foi o que se viu.
«Mal por mal...», pensará "o povo"...
A ver vamos...
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