Moby cock
Esta gente (uma, duas, três e quatro), que não tem mais nada para fazer enquanto o país se despedaça ao largo, envolveu-se numa troca de argumentos que não lembra ao diabo. Mais uma vez, o maradona está carregado de razão. O ponto resume-se a este excerto: “o método para se inculcar o Moby Dick em alguém não está na idade (…) mas na vontade fundamental, que apenas nascerá de uma educação cuidadosamente despreocupada, nutrida por um estratégico desleixo pelas rotas que levarão ao único desfecho que todos deveríamos ter como prioritária para aqueles que, por estarem indefesos, mais queremos respeitar: a autonomia, que qualquer dia morremos afogados em papagaios.”. A posição do João Gonçalves, secundada pela do Ouriquense, não é apenas chata: é redutora.
Por volta dos doze anos de idade, dei de caras com um livro que o meu pai guardava numa estante do seu escritório. Chamava-se “O Dinossauro Excelentíssimo”. Peguei no livro porque acreditava tratar-se de um livro sobre dinossauros. O meu pai nada fez para impedir que o lesse. Lembro-me vagamente de me ter dito qualquer coisa do género “lê e depois diz-me o que achaste”. Deve-o ter dito, certamente, com um sorriso. É claro que abandonei o livro passado pouco tempo. Tudo era difícil: as expressões, as palavras e, acima de tudo, o sentido do que estava escrito. Mais tarde, por volta de 90, voltei a pegar no "Dinossauro". Não posso afirmar, para benefício do argumento, que reli o livro. Em bom rigor, não o tinha lido. Assim como não posso afirmar que marquei na minha agenda, aos doze anos, que no dia x do mês y de 1990 voltaria a pegar no livro. Mas posso afirmar que o contacto com aquele livro despertou em mim a curiosidade de, mais tarde, o ler. Aquele livro, como tantos outros, passou a representar um mundo que me era complexo mas, ao mesmo tempo, apelativamente misterioso. Conto este episódio porque sei que a forma despreocupada e livre como sempre me deixaram folhear qualquer livro que fosse em qualquer idade - produto, por sua vez, de uma orientação literária absolutamente desorientada/caótica por parte dos meus pais - despertou em mim a curiosidade de ler, mesmo quando estranhava o que lia. O estranhar levou-me sempre a pensar que havia um difuso mas certamente admirável lado da vida e do conhecimento ao qual eu não tinha acesso - mas, acreditava, um dia haveria de ter. É natural que uma parte do gosto, e também do esforço, em querer saber e conhecer mais, passou pela ideia, ainda que mais ou menos inconsciente, de que abriria um dia portas até então vedadas.
O exemplo do “Dinossauro Excelentíssimo” é, aliás, extremo. Pedir a uma criança de doze anos que «apanhe» as entrelinhas do que está escrito no livro de Cardoso Pires, é o mesmo que pedir a José Sócrates que perceba o peso ou o ónus de um “mutatis mutandis” na aplicação de uma política keynesiana aos dias de hoje. Moby Dick é, por isso, bem mais pacífico: à superfície não deixa de ser um livro de aventuras perfeitamente cognoscível para uma criança de dez ou doze anos, ou para um adolescente de catorze ou dezasseis. Pensar-se que uma leitura de Moby Dick aos treze anos arruma em definitivo o livro (ou seja, que se queima ali a única oportunidade de leitura da obra), não tem o mais leve fundamento. Assim como é ridículo pensar-se que a leitura naquela idade «formata» para sempre a percepção ou o entendimento da «mensagem» da obra. Os “Maias” que li aos dezasseis eram bem diferentes dos "Maias" que li aos trinta (e não houve conflito de espécie alguma entre uma e outra experiência). A probabilidade de uma leitura aos doze, catorze ou dezasseis contribuir para a releitura aos trinta ou quarenta, é bem maior que a probabilidade da ausência de leitura aos doze, catorze ou dezasseis contribuir para a primeira das leituras numa idade maior. Por razões óbvias, retiro da equação a existência de intelectos que jamais perceberão esta ou aquela obra, seja aos dez, trinta ou oitenta.
Por volta dos doze anos de idade, dei de caras com um livro que o meu pai guardava numa estante do seu escritório. Chamava-se “O Dinossauro Excelentíssimo”. Peguei no livro porque acreditava tratar-se de um livro sobre dinossauros. O meu pai nada fez para impedir que o lesse. Lembro-me vagamente de me ter dito qualquer coisa do género “lê e depois diz-me o que achaste”. Deve-o ter dito, certamente, com um sorriso. É claro que abandonei o livro passado pouco tempo. Tudo era difícil: as expressões, as palavras e, acima de tudo, o sentido do que estava escrito. Mais tarde, por volta de 90, voltei a pegar no "Dinossauro". Não posso afirmar, para benefício do argumento, que reli o livro. Em bom rigor, não o tinha lido. Assim como não posso afirmar que marquei na minha agenda, aos doze anos, que no dia x do mês y de 1990 voltaria a pegar no livro. Mas posso afirmar que o contacto com aquele livro despertou em mim a curiosidade de, mais tarde, o ler. Aquele livro, como tantos outros, passou a representar um mundo que me era complexo mas, ao mesmo tempo, apelativamente misterioso. Conto este episódio porque sei que a forma despreocupada e livre como sempre me deixaram folhear qualquer livro que fosse em qualquer idade - produto, por sua vez, de uma orientação literária absolutamente desorientada/caótica por parte dos meus pais - despertou em mim a curiosidade de ler, mesmo quando estranhava o que lia. O estranhar levou-me sempre a pensar que havia um difuso mas certamente admirável lado da vida e do conhecimento ao qual eu não tinha acesso - mas, acreditava, um dia haveria de ter. É natural que uma parte do gosto, e também do esforço, em querer saber e conhecer mais, passou pela ideia, ainda que mais ou menos inconsciente, de que abriria um dia portas até então vedadas.
O exemplo do “Dinossauro Excelentíssimo” é, aliás, extremo. Pedir a uma criança de doze anos que «apanhe» as entrelinhas do que está escrito no livro de Cardoso Pires, é o mesmo que pedir a José Sócrates que perceba o peso ou o ónus de um “mutatis mutandis” na aplicação de uma política keynesiana aos dias de hoje. Moby Dick é, por isso, bem mais pacífico: à superfície não deixa de ser um livro de aventuras perfeitamente cognoscível para uma criança de dez ou doze anos, ou para um adolescente de catorze ou dezasseis. Pensar-se que uma leitura de Moby Dick aos treze anos arruma em definitivo o livro (ou seja, que se queima ali a única oportunidade de leitura da obra), não tem o mais leve fundamento. Assim como é ridículo pensar-se que a leitura naquela idade «formata» para sempre a percepção ou o entendimento da «mensagem» da obra. Os “Maias” que li aos dezasseis eram bem diferentes dos "Maias" que li aos trinta (e não houve conflito de espécie alguma entre uma e outra experiência). A probabilidade de uma leitura aos doze, catorze ou dezasseis contribuir para a releitura aos trinta ou quarenta, é bem maior que a probabilidade da ausência de leitura aos doze, catorze ou dezasseis contribuir para a primeira das leituras numa idade maior. Por razões óbvias, retiro da equação a existência de intelectos que jamais perceberão esta ou aquela obra, seja aos dez, trinta ou oitenta.
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