Maio
Miguel Esteves Cardoso in Público 16/05/2010
Maio na roupa
Tem sido estranho este mês de Maio, cheio de chamadas de atenção, para não contarmos com ele. Num mesmo dia, chove e faz sol como lhe apetece. Ontem, durante uma hora, desapareceu a Serra de Sintra. Ficou tudo branco. Depois voltou, a cintilar de sol.
Maio guarda prazeres impossíveis; alguns primeiros. Na segunda-feira, pendurámos jeans, T-shirts, cuecas e meias. Secaram. Depois choveu. Secaram e depois choveu. Secaram pela terceira vez e, um minuto antes de voltar a chover, fomos "apanhar a roupa".
A expressão diz tudo, como apanhar um ladrão ou no título The Catcher in the Rye de Salinger. A ganga e o algodão, ensopados pela água do céu e secados pelo sol, cheiravam a vida. Nunca cheirei um cheiro tão bom. A textura da ganga ficou mais resolvida. O algodão que vesti contava-me uma história meteorológica que acabava bem.
Levando duas descargas de chuva e três da estrela solar, a roupa ficou perfeita. Dos pés à cabeça vesti o tempo que temos tido. Foi maravilhoso e é irreproduzível. Como posso eu pedir à lavadeira mais verde e moderna que gosto da roupa remolhada de chuva e do cheiro da terra dos bosques e resecada pelo sul e com o cheiro do mar?
É a roupa que tenho posta. É a roupa de Maio. Nunca mais vai acontecer nem eu vou esquecer-me. Ponha a sua roupa à mercê do clima. Deixe que seja lavada mais duas ou três vezes pela chuva e secada pelo sol.
Assim sentirá o tempo sobre a pele, como se corresse ao mesmo tempo do que ele.
2 Comentários:
Lindo...
Uma pessoa lê isto (e outras doces preciosidades assim) e pensa que já não há nada a dizer. Dizer o quê, se todos os mimos lhe foram já endereçados? Não se entediará ele de panegíricos? Tantos anos de aplauso? Boceja, por certo, à exclamação dos simples, deslumbrados e ansiosos. Ou não, que sei eu...
Fez escola. Não só de escrita, mas do sentir.
Isso deve deixá-lo feliz.
A mim, deixa.
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