O MacGuffin: Shall never surrender

sábado, maio 01, 2010

Shall never surrender



Vasco Pulido Valente, in Público 1/5/2010
O que move Sócrates

Já antes do Verão passado, durante a campanha eufemisticamente chamada pré-eleitoral, Manuela Ferreira Leite tinha dito e redito que o Estado devia abandonar obras “megalómanas”, como o TGV, o novo aeroporto, a terceira travessia do Tejo (a TTT) e alguns troços de auto-estrada, por enquanto adiáveis. Sócrates reagiu com indignação. Com ou sem a crise, ou exactamente por causa da crise, o putativo “progresso” do país não devia parar. Passaram meses, passaram eleições, subiu a dívida e subiu o défice, aumentaram os juros, só Sócrates não mudou; mesmo depois da última entrevista com Passos Coelho. Anteontem, o ministro das Finanças anunciou que tencionava “reavaliar” o “investimento em obras públicas”. Pareceu um bom sinal. Infelizmente, esse tardio regresso à racionalidade ficou pela eliminação de uma pequena parte de auto-estrada e talvez do tabuleiro rodoviário da TTT, mas não chegou ao TGV, nem ao aeroporto de Alcochete. Com isto, o Governo presumivelmente espera criar emprego (a pior espécie de emprego, para a pior espécie de produto) e, pensa ele, promover o consumo interno. Há quem fale por aí do “autismo”de Sócrates. Não concordo. Verdade que o poder leva sempre a um certo irrealismo: pelo isolamento, pelo incenso de uma corte dependente e (como se constata) acéfala e pelo facto, não despiciendo, de que um primeiro-ministro precisa de acreditar no que faz. De qualquer maneira, não é manifestamente o “autismo” que move Sócrates. O que move Sócrates não é mais do que a imagem, de “modernizador” e “duro”, que, no fundo de si próprio, ele julga ser. Gostava de nos legar um Portugal irreconhecível e maravilhoso: com computadores na escola, com o MIT, com o Simplex triunfante, com o novo aeroporto, com o TGV. Um Portugal como essa América que ele viu na Beira em séries de televisão para provincianos.

Sucede que Portugal, a que falta tudo ou quase tudo, não se transformou, ou se transforma, com propaganda cosmética. Sócrates percebeu o fracasso. Mas, “como um animal selvagem”, resistiu. Queria deixar um monumento ao seu glorioso consulado. O Simplex não servia, o inglês na escola também não e, muito menos, servia a contenção do défice, que de repente explodiu, ou a hegemonia do PS, que já desapareceu. Do Portugal fantástico com que ele sonhou, sobra o aeroporto, a TTT e o TGV. Isso, sim, está à altura dele. Não contem com ele para desistir.

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