Afinal, do que é que estamos a falar?
Vai longa a celeuma em torno do que Manuela Ferreira Leite disse sobre os espanhóis. Em boa verdade, ela não disse nada sobre os espanhóis, mas para todos os efeitos os fazedores de opinião (Carlos Abreu Amorim aproveitou o caso para uma vez mais nos assegurar que quem está a ser julgado nestas eleições é, acima de tudo, a líder do PSD) decretaram que sim, que disse e disse muito mal. Devo estar tonto: a única crítica que consigo apontar ao discurso de Manuela Ferreira Leite prende-se com a possibilidade de alguém se sentir intelectualmente insultado perante a propalação de tamanha evidência. Manuela Ferreira Leite disse o óbvio: por muito interesse que Espanha tenha na construção da linha de alta velocidade, enquanto projecto transfronteiriço, Portugal tomará a decisão que tiver que tomar independentemente disso (i.e., do interesse espanhol e das pressões espanholas). Se bem me lembro, o Dr. Rondão de Almeida (socialista e presidente da Câmara Municipal de Elvas) promoveu, a 30 de Agosto, uma reunião com autarcas e associações comerciais do Alentejo e da Extremadura espanhola para defender, pomposa e inocentemente, o avanço de investimentos públicos estruturantes, como o TGV. A reunião, onde estiveram presentes apenas autarcas socialistas de ambos os lados da fronteira (porque seria?), teve como objectivo, segundo as palavras do imaculado Rondão de Almeida, «mobilizar os autarcas e agentes locais alentejanos e da vizinha região espanhola para exigir que o Governo português cumpra as promessas em relação a projectos como o do comboio de alta velocidade (TGV)». É claro que, pelo meio, a verdadeira razão da reunião veio ao de cima: tratava-se de mais um episódio na já longa tentativa de apoucar os argumentos de Manuela Ferreira Leite sobre a defesa do adiamento do projecto TGV, desta vez com espanhóis à mistura. O nome de Manuela Ferreira Leite veio à baila e não pelas melhores razões. Para além de óbvias e razoáveis, as palavras de Manuela Ferreira Leite foram, por isso, compreensíveis do ponto de vista político. Até porque seria impensável o contrário: autarcas ou empresários ou associações portuguesas ao serviço de estratégias de ordem política para atingir candidatos ao cargo de primeiro-ministro de Espanha. Qualquer português dotado de funções cognitivas médias, nível de inteligência mínimo e nível de «partidarite» tendencialmente nulo («partidarite» é aquela doença que põe gente supostamente inestimável a defender o indefensável em nome de um ódio cego e néscio a um ou outro candidato ou partido) perceberá que as palavras de Ferreira Leite não tinham o objectivo de, como já vi escrito e dito, aniquilar o esforço de décadas em prol do bom relacionamento entre Portugal e Espanha, nem sequer encerravam qualquer sentimento nacionalista ou anti-ibérico. Tinham o objectivo de se defender das manobras estúpidas de certos dirigentes do PS, e de deitar por terra o argumento simplório, acompanhado do papelinho, que Sócrates utilizou no debate, segundo o qual Manuela Ferreira Leite teria entrado em contradição já que há seis anos atrás havia assinado um compromisso com Espanha sobre o TGV. Foi, portanto, uma resposta política às acusações e manobras «ibéricas». Nada mais, nada menos. Quiseram agora os socialistas – os mais canídeos tipo Emídio Rangel (um caso que roça o patológico) e os mais discretos como Luis Amado – fazer de um não caso, um caso. E assim decorre esta alegre campanha: entre fait-divers e pseudo-casos, dramas inusitados e temas que só interessam aos portadores da «partidarite».
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