No Sergi Arola ou no Santcelone?
O João Galamba - economista, blogger e a mais recente estrela na galáxia de opinion-makers televisionados - esteve há uns tempos na SIC Notícias onde disse coisas fantásticas. A propósito dos manifestos sobre as estratégias macroeconómicas (era esse o tema em apreço), o João Galamba afirmou que o Estado devia «liderar» no que toca a investimentos porque, logo a seguir, viria o investimento privado. (Estão a ver a coisa? O investimento privada vive, acabrunhado, numa tenda ou num pardieiro (ou será antes Quinta da Marinha?). De tempos a tempos, observa, nervosamente e de soslaio, mal escondendo uma inveja ainda assim mitigada por um eventual interesse na coisa, o comportamento exemplar e sacrossanto do investimento público. Sem este, não dá um passo, mantendo-se no interior do seu albergue, a pão e água.) Dito de outra forma, o Estado deve ser o pastor, os privados a carneirada. Melhor ainda: o Estado deve ser o motor, os privados o atrelado.
O nosso João Galamba defende, por isso, e de forma pungente, a tese da estratégia «integrada», «global» e «a longo prazo» (é esta a profundidade temporal que ele, aliás, impõe) em sede de investimento público. Com base numa profissão de fé que cauciona a putativa e inexpugnável santidade e utilidade do papel do Estado na economia, o opinion maker economista (ou o contrário, não sei) quer em Portugal o TGV (várias linhas se possível), o aeroporto, a terceira ponte sobre o Tejo, a terceira auto-estrada Lisboa-Porto, viadutos, obras e empreitadas estatais que puxem o atrelado dos privados - um bando, supõe-se, de atadinhos amorfos.
No meio deste comovente entusiasmo, o João Galamba recusou falar de projectos ou de opções concretas: as suas circunvalações cerebrais posicionam-no num plano dialéctico superior que esmaga a mania pateta e escusada das continhas (que lhe faz lembrar o Sr. Anacleto, da mercearia de infância, sempre de lápis na orelha a fazer contas à vidinha) e, horror dos horrores, a chata da análise custo-benefício, exercício próprio de avarentos e de gente pouco progressista (Manuela Ferreira Leite e afins). A conclusão é óbvia para o nosso João Galamba: tudo o que vier do Estado e no âmbito de uma estratégia «integrada», «global» e «a longo prazo» (repetir isto até à exaustão) é uma bênção, uma panaceia, um seguro de vida colectivo. Mais: é a única saída para a crise. O filão é inesgotável e há-de sempre haver quem pague.
En passant, o João Galamba teve ainda tempo para denunciar aquilo que toda a gente sabe e eu, um vegetal, não sabia: os privados – tipo «as empresas» - não investem porque estão com medo e/ou na expectativa. Os malandros!
Dando de barato o facto de certos investimentos só serem possíveis via iniciativa do Estado – como dono de obra – a conversa do João Galamba é de uma vacuidade atroz e de uma arrogância típica de quem domina conceitos vagos, impregnados, por sua vez, por ignorância a mais diversa. O que não é de estranhar: o João Galamba parece ser o típico menino que raramente saiu da academia quando deveria ter saído (há alturas mais certas para levar com o bafo quente e petrificado da realidade terrena) ou que ocupa, agora, um qualquer cargo no Estado onde, de quando em vez, lhe caem no colo as estatísticas do INE ou os boletins do BdP, tão úteis para a sua personalidade de economista perceber o país. O país? Bem, o país é uma coisa demasiado complexa e distante: empresas, empresários, trabalhadores, clientes, fornecedores, o fisco, a segurança social, as direcções regionais? Entidades abstractas que o João Galamba acredita existirem mas que, na realidade, ele desconfia que talvez não existam, pelo menos para além dos clichézinhos e das ideias feitas com que espargiram as suas meninges, e às quais ele se agarra que nem uma lapa.
Quantas vezes o João Galamba visitou empresas (grandes, pequenas, assim-assim)? Já trabalhou nalguma empresa? Onde é que o João Galamba se baseia para dizer que os empresários não investem porque estão com medo ou na expectativa? Numa bola de cristal, lá de casa, ou através dos jornais económicos? Nunca lhe terá ocorrido a ideia de que, na sua generalidade, os empresários estão sem meios para se movimentar? Que o «receio» ou a «expectativa» são uma capa para uma (outra) dura realidade: a de não haver dinheiro e saco para continuar a trabalhar num país burocrático, servido por uma lei laboral repleta de contradições, por uma carga fiscal pesadíssima que trata as boas e más empresas de igual modo, um país repleto de programas cretinos e mal direccionados pelo bom do Estado?
O João Galamba já alguma vez tentou elaborar uma candidatura a um programa de investimento co-financiado? Saberá ele o que é aquilo? O João Galamba tem a mínima noção de quais são os apertadíssimos critérios que habilitam uma empresa a tornar-se elegível para sonhar com uma provável mas remota aprovação de uma candidatura a um qualquer programa de incentivo da UE (e que, na prática, leva a que os apoios só estejam ao alcance das empresas que, na realidade, até passavam mais ou menos bem sem o dito apoio)?
O João Galamba já alguma vez tentou recrutar pessoal? Chegou a inteirar-se do nível qualitativo do que lhe surgiu pela frente? O João Galamba tem a mínima noção do que são os programas de estágios profissionais (InovJovens e Ca.) lançados pelos Centros de Emprego: a burocracia da coisa, a total ineficácia da fiscalização, o alcance duvidoso e restritivo dos programas?
O João Galamba alguma vez tentou dar início a um projecto agrícola em Portugal, daqueles que lá fora (em Espanha, por exemplo) têm futuro, mas que cá dentro escapam ao directório instituído pela UE para efeitos de «elegibilidade»?
O João Galamba alguma vez foi a um banco pedir, em nome de uma empresa que está em dificuldade, dinheiro para um projecto de remodelação ou de reestruturação? O João Galamba tem a noção do aperto em que vivem actualmente milhares e milhares de empresas e empresários neste país, que viram as vendas e a procura sucumbirem no espaço de um ano e as instituições financeiras bater-lhes com a porta na cara?
O Estado? Alguém devia avisar o João Galamba do seguinte: o Estado somos nós. O Estado é constituído por pessoas – falíveis, competentes, incompetentes, assim-assim, capazes de boas escolhas ou péssimas opções, excelentes iniciativas ou decisões desastrosas e abstraídas da realidade. O João Galamba devia perceber, tão bem quanto percebe o papel fundamental do Estado, que as pessoas que fazem parte desse mesmo Estado têm interesses: pessoais, corporativos, partidários, privados, whatever.
O Estado é, mais para o bem que para o mal mas muito naturalmente, uma coisa falível. É por isso que importa falar de coisas concretas quando estão em causa decisões públicas sobre investimentos públicos, e não apenas discutir o plano da filosofia política (mais Estado, menos Estado, que papel, etc.). É preciso saber se o investimento A é melhor que o B ou se, inclusivamente, valerá a pena fazê-lo agora, depois ou nunca. É preciso perceber as implicações de cada investimento, quem vai beneficiar com ele no curto, médio e longo prazo, comparar alternativas, fazer escolhas perante meios e recursos escassos. E-s-c-a-s-s-o-s. O tal lapinhos atrás da orelha.
Do que este país precisa não é de um Estado paternalista ou «timoneiro». Muito menos «controleiro». Do que este país precisa é de um tecido produtivo à séria: de novos projectos privados na agricultura, na floresta e na industria. Mark my words, Johnny-o: p-r-i-v-a-d-o-s. Daqueles que criam postos de trabalho sustentáveis, com criação liquida de riqueza, porque não sobrecarregam o Estado. Portugal precisa de produzir, ou de continuar a produzir, carros, bicicletas, calçado, roupa, fruta, cereais, moldes, computadores e componentes, programas informáticos, painéis fotovoltaicos, gado, lacticínios, mobiliário, estruturas metálicas, máquinas, ferramentas, compotas, fibras ópticas, vinho, azeite, cortiça, etc. etc. Portugal precisa de marcas, patentes, inovação, novas industrias. Não de betão e macadame. Auto-estradas, TGVs, terceiras travessias, aeroportos faraónicos: são estas as prioridades? Para levar o quê, para onde? O João Galamba a Madrid para almoçar no Santcelone, fazer compras na Calle Serrano e depois, quem sabe, visitar o Prado?
O nosso João Galamba defende, por isso, e de forma pungente, a tese da estratégia «integrada», «global» e «a longo prazo» (é esta a profundidade temporal que ele, aliás, impõe) em sede de investimento público. Com base numa profissão de fé que cauciona a putativa e inexpugnável santidade e utilidade do papel do Estado na economia, o opinion maker economista (ou o contrário, não sei) quer em Portugal o TGV (várias linhas se possível), o aeroporto, a terceira ponte sobre o Tejo, a terceira auto-estrada Lisboa-Porto, viadutos, obras e empreitadas estatais que puxem o atrelado dos privados - um bando, supõe-se, de atadinhos amorfos.
No meio deste comovente entusiasmo, o João Galamba recusou falar de projectos ou de opções concretas: as suas circunvalações cerebrais posicionam-no num plano dialéctico superior que esmaga a mania pateta e escusada das continhas (que lhe faz lembrar o Sr. Anacleto, da mercearia de infância, sempre de lápis na orelha a fazer contas à vidinha) e, horror dos horrores, a chata da análise custo-benefício, exercício próprio de avarentos e de gente pouco progressista (Manuela Ferreira Leite e afins). A conclusão é óbvia para o nosso João Galamba: tudo o que vier do Estado e no âmbito de uma estratégia «integrada», «global» e «a longo prazo» (repetir isto até à exaustão) é uma bênção, uma panaceia, um seguro de vida colectivo. Mais: é a única saída para a crise. O filão é inesgotável e há-de sempre haver quem pague.
En passant, o João Galamba teve ainda tempo para denunciar aquilo que toda a gente sabe e eu, um vegetal, não sabia: os privados – tipo «as empresas» - não investem porque estão com medo e/ou na expectativa. Os malandros!
Dando de barato o facto de certos investimentos só serem possíveis via iniciativa do Estado – como dono de obra – a conversa do João Galamba é de uma vacuidade atroz e de uma arrogância típica de quem domina conceitos vagos, impregnados, por sua vez, por ignorância a mais diversa. O que não é de estranhar: o João Galamba parece ser o típico menino que raramente saiu da academia quando deveria ter saído (há alturas mais certas para levar com o bafo quente e petrificado da realidade terrena) ou que ocupa, agora, um qualquer cargo no Estado onde, de quando em vez, lhe caem no colo as estatísticas do INE ou os boletins do BdP, tão úteis para a sua personalidade de economista perceber o país. O país? Bem, o país é uma coisa demasiado complexa e distante: empresas, empresários, trabalhadores, clientes, fornecedores, o fisco, a segurança social, as direcções regionais? Entidades abstractas que o João Galamba acredita existirem mas que, na realidade, ele desconfia que talvez não existam, pelo menos para além dos clichézinhos e das ideias feitas com que espargiram as suas meninges, e às quais ele se agarra que nem uma lapa.
Quantas vezes o João Galamba visitou empresas (grandes, pequenas, assim-assim)? Já trabalhou nalguma empresa? Onde é que o João Galamba se baseia para dizer que os empresários não investem porque estão com medo ou na expectativa? Numa bola de cristal, lá de casa, ou através dos jornais económicos? Nunca lhe terá ocorrido a ideia de que, na sua generalidade, os empresários estão sem meios para se movimentar? Que o «receio» ou a «expectativa» são uma capa para uma (outra) dura realidade: a de não haver dinheiro e saco para continuar a trabalhar num país burocrático, servido por uma lei laboral repleta de contradições, por uma carga fiscal pesadíssima que trata as boas e más empresas de igual modo, um país repleto de programas cretinos e mal direccionados pelo bom do Estado?
O João Galamba já alguma vez tentou elaborar uma candidatura a um programa de investimento co-financiado? Saberá ele o que é aquilo? O João Galamba tem a mínima noção de quais são os apertadíssimos critérios que habilitam uma empresa a tornar-se elegível para sonhar com uma provável mas remota aprovação de uma candidatura a um qualquer programa de incentivo da UE (e que, na prática, leva a que os apoios só estejam ao alcance das empresas que, na realidade, até passavam mais ou menos bem sem o dito apoio)?
O João Galamba já alguma vez tentou recrutar pessoal? Chegou a inteirar-se do nível qualitativo do que lhe surgiu pela frente? O João Galamba tem a mínima noção do que são os programas de estágios profissionais (InovJovens e Ca.) lançados pelos Centros de Emprego: a burocracia da coisa, a total ineficácia da fiscalização, o alcance duvidoso e restritivo dos programas?
O João Galamba alguma vez tentou dar início a um projecto agrícola em Portugal, daqueles que lá fora (em Espanha, por exemplo) têm futuro, mas que cá dentro escapam ao directório instituído pela UE para efeitos de «elegibilidade»?
O João Galamba alguma vez foi a um banco pedir, em nome de uma empresa que está em dificuldade, dinheiro para um projecto de remodelação ou de reestruturação? O João Galamba tem a noção do aperto em que vivem actualmente milhares e milhares de empresas e empresários neste país, que viram as vendas e a procura sucumbirem no espaço de um ano e as instituições financeiras bater-lhes com a porta na cara?
O Estado? Alguém devia avisar o João Galamba do seguinte: o Estado somos nós. O Estado é constituído por pessoas – falíveis, competentes, incompetentes, assim-assim, capazes de boas escolhas ou péssimas opções, excelentes iniciativas ou decisões desastrosas e abstraídas da realidade. O João Galamba devia perceber, tão bem quanto percebe o papel fundamental do Estado, que as pessoas que fazem parte desse mesmo Estado têm interesses: pessoais, corporativos, partidários, privados, whatever.
O Estado é, mais para o bem que para o mal mas muito naturalmente, uma coisa falível. É por isso que importa falar de coisas concretas quando estão em causa decisões públicas sobre investimentos públicos, e não apenas discutir o plano da filosofia política (mais Estado, menos Estado, que papel, etc.). É preciso saber se o investimento A é melhor que o B ou se, inclusivamente, valerá a pena fazê-lo agora, depois ou nunca. É preciso perceber as implicações de cada investimento, quem vai beneficiar com ele no curto, médio e longo prazo, comparar alternativas, fazer escolhas perante meios e recursos escassos. E-s-c-a-s-s-o-s. O tal lapinhos atrás da orelha.
Do que este país precisa não é de um Estado paternalista ou «timoneiro». Muito menos «controleiro». Do que este país precisa é de um tecido produtivo à séria: de novos projectos privados na agricultura, na floresta e na industria. Mark my words, Johnny-o: p-r-i-v-a-d-o-s. Daqueles que criam postos de trabalho sustentáveis, com criação liquida de riqueza, porque não sobrecarregam o Estado. Portugal precisa de produzir, ou de continuar a produzir, carros, bicicletas, calçado, roupa, fruta, cereais, moldes, computadores e componentes, programas informáticos, painéis fotovoltaicos, gado, lacticínios, mobiliário, estruturas metálicas, máquinas, ferramentas, compotas, fibras ópticas, vinho, azeite, cortiça, etc. etc. Portugal precisa de marcas, patentes, inovação, novas industrias. Não de betão e macadame. Auto-estradas, TGVs, terceiras travessias, aeroportos faraónicos: são estas as prioridades? Para levar o quê, para onde? O João Galamba a Madrid para almoçar no Santcelone, fazer compras na Calle Serrano e depois, quem sabe, visitar o Prado?
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