Digam o que disserem
Vasco Pulido Valente, in Público (28/03/2008)
Um adeus português
Foram esta semana a leilão o título e os bens de O Independente, para pagar uma dívida de quatro milhões. Ninguém deu nada nem por uma coisa, nem por outra. A oferta máxima pelo título não passou de 1.100 euros, provavelmente porque se julga que não atrai ninguém e até pode repelir uma certa espécie de opinião. O jornal saiu de cena como um resto pouco estimável de uma época morta. Verdade que o longo final tirou todo o dramatismo a um fim mais do que esperado. Mas nem sequer houve um sentimento de perda e melancolia. A televisão não disse nada, a imprensa, quando deu por isso, arrumou o caso com uma notícia desinteressada e curta. O Portugal de 2008 enterrou O Independente como quem enterra um primo de má vida e pior fama, que se deve esquecer. Como se calculará, não partilho esta atitude, que me parece hipócrita e suspeita. Fundado em 1988, O Independente é inseparável do «cavaquismo», ou seja, de uma época de esperança e prosperidade. Portugal não voltaria à «cauda da Europa» e tinha à sua frente um futuro de ouro. Quem não concordava com isto era, evidentemente, um «velho do Restelo». No ridículo entusiasmo em que se tornara a ortodoxia oficial, O Independente nunca se iludiu. Esteve sempre contra a arrogância e as certezas do Governo e (pelo menos, no primeiro mandato) contra a irresponsável retórica de Soares. Na oposição, só ele existia. O que o PS, reduzido a uma completa impotência, nunca no fundo conseguiu engolir e o que, infelizmente, levou Paulo Portas para a política e o CDS.
Mas falar de O Independente sem falar na liberdade que Miguel Esteves Cardoso trouxe ao jornalismo português não faz sentido. O Terceiro Caderno raspou a solenidade e a pompa de uma geração que, da esquerda ou da direita, herdara as tradições do «respeitinho» indígena. Depois do Terceiro Caderno não se escreveu mais como se escrevia antes. Claro que a iconoclastia empurra sempre para o excesso e que, de quando em quando, se pisou de facto o risco do bom senso e da simples decência. Resta que ler ou escrever no Indy foi um privilégio. Portugal precisava hoje de um terramoto igual. A mim o que me custa, naquele horrível leilão, é a facilidade com que se deita fora uma história exemplar, alegre e rara, na subserviência e na mesquinhez da cultura instalada.
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