O MacGuffin: Para já, três *

terça-feira, novembro 06, 2007

Para já, três *

Sobre a Educação e o respectivo «sistema», tratemos dos mitos:

Mito n.º 1: “A solução não passa por injectar mais dinheiro”.
Só um ignorante ou um idiota útil pode afirmar uma coisa destas. Regra geral, as escolas públicas, em Portugal, estão mal equipadas, têm instalações miseráveis, há falta de pessoal (professores e auxiliares) e qualquer actividade extra-curricular que envolva o mínimo esforço financeiro está votada ao fracasso. Alguns exemplos banais e (re)correntes: a) a escola do ensino básico que a minha filha frequentou, recorria, todos os anos, à caridade dos pais para comprar papel, toner para a fotocopiadora e os mais elementares artigos (canetas, cartolinas, etc.); b) no Inverno, a referida escola raramente tinha dinheiro para comprar a lenha cuja combustão em salamandras subdimensionadas serviria, supostamente, para aquecer as salas de aula (invariavelmente geladas); c) quando uma das auxiliares meteu baixa para cuidar de um filho enfermo, a escola ficou, durante semanas, apenas com uma funcionária para acompanhar o recreio de cerca de oitenta alunos (entre os 6 e os 10 anos), controlar as entradas e saídas da escola, limpar e arrumar as salas de aula, e, finalmente, varrer o chão, recolher e depositar o lixo (foi uma sorte não ter recorrido a baixa psiquiátrica); d) na escola que actualmente a minha filha frequenta, a insonorização, entre salas, é vergonhosa; o ginásio está miseravelmente equipado; as salas de convívio são paupérrimas; as salas de aula são frias no Inverno e um forno no Verão; a turma da minha filha é constituída por 28 alunos (às vezes 30…) e, repare-se, foi considerada a melhor escola de Évora.
A solução pode passar pela reorganização das escolas – ao nível das competências e da autonomia, por exemplo – e por uma melhor gestão dos recursos. Mas passa, invariavelmente, por mais dinheiro. Como diria Shakespeare, sem ovos não se fazem hamlets.

Mito n.º 2: “As escolas privadas são, por regra, melhores que as escolas públicas.”
À excepção de uma dúzia de escolas de «elite» (onde, de facto, as instalações e os meios, a qualidade dos professores, o reduzido numero de alunos por turma e a própria selecção dos alunos fazem toda a diferença), as diferenças são marginais e, nalguns casos, as posições invertem-se. A questão é diversa: retirando as tais escolas de «elite», os resultados são genericamente maus. E isso deve-se a questões mais profundas e endémicas. A geração actual (de professores, gestores, auxiliares, etc.) é filha de um sistema que não premiou a excelência, promoveu a mediocridade, permitiu o regabofe, institucionalizou o eduquês e entreteve-se a mascarar estatisticamente o insucesso escolar.

Mito n.º 3: “A condição social do aluno não tem qualquer, ou tem muito pouca, influência sobre a sua performance escolar”
É óbvio que sim. Os alunos provenientes das classes alta ou média-alta têm uma maior probabilidade de serem melhor educados (em casa) por pais que, também eles, transitaram de meios mais favorecidos (materiais e intelectuais). Um aluno que seja bem educado em casa tem maior probabilidade de ser organizado, de respeitar a autoridade, de pensar pela própria cabeça (e não pela do bando) e de se aplicar. Não quero com isto dizer que não há meninos pobres inteligentes e bons alunos, nem meninos ricos burros e péssimos alunos. Estou a falar de probabilidades e correlações, empiricamente evidentes. Nem estou a defender que a escola anule e substitua a família na educação das crianças (por inépcia desta). Um sistema de ensino público tem a obrigação de, controlada e moderadamente, ou seja, dentro das suas limitações, transmitir conhecimento e educação a quem não a conhece ou conhece mal. O problema é que este desígnio, ou propósito, tem limites. Não se pode exigir da escola aquilo que ela não pode dar. É um equilíbrio difícil e muitas vezes precário, mas que tem de ser tentado. Mas nunca, obviamente, pela via do facilitismo e da falta de autoridade. O que nos remete, claro, para a falência dessa entidade meio obtusa, no dias que correm, chamada «família» - onde putativamente deveria haver disciplina, uma hierarquia, dedicação educacional e emocional - razão maior do descalabro de todo o sistema.


* originalmente publicado aqui.

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