VPV sobre MST
Um novo génio
por Vasco Pulido Valente
in Público 21.10.2007
por Vasco Pulido Valente
in Público 21.10.2007
"Há uns tempos, Miguel Sousa Tavares escreveu um romance chamado Equador. Era "um romance de aeroporto" implausível e pueril, que seguia a receita do género: um lugar exótico, longas descrições de paisagens, muito sexo e muita atenção à cozinha e à roupa. Até dois terços, não se lia mal, como se lêem os livros deste género: sem esforço, com meia atenção, para descansar. No meu caso, li a coisa no hospital, numa altura em que não tinha cabeça para mais nada. Hoje só me lembro, e vagamente, do herói: uma espécie de super-Miguel, um pouco ridículo, com o seu arzinho aristocrático e a sua obrigatória consciência de esquerda. A certa altura, o Equador desapareceu (por falta de espaço) na limpeza de uma estante qualquer e não tornei a pensar no assunto.
Nunca me ocorreu que Miguel Sousa Tavares se tomasse por um escritor. Afinal muita gente, sobretudo em Inglaterra e na América, vive de produzir prosa para consumo de massa, que ninguém confunde com literatura. É uma maneira como outra de ganhar a vida. Honesta, ainda por cima. Mas Miguel Sousa Tavares parece que não se considera light e pretende que o levem a sério. Só isso explica que volte agora a meia dúzia de comentários sobre o Equador (não especialmente lisonjeiros) que publiquei há anos numa carta a este jornal. Para explicar essa minha absurda aberração, Miguel Sousa Tavares revelou ontem ao Expresso que eu, quando o critiquei, não tinha lido o livro e que depois, quando de facto o li, o achei óptimo. Quem lhe contou foi um amigo anónimo, presumivelmente tão analfabeto como ele; e em que ele, claro, piamente acredita.
Fora a acusação de fraude (que me incomoda), Miguel Sousa Tavares trata com condescendência o meu putativo pessimismo e lamenta que o meu conhecimento do mundo não vá muito além de Oxford e do Gambrinus (para quem não saiba, um restaurante de Lisboa). Esta estupidez não é inocente, é profiláctica. Serve para me desqualificar, se por acaso eu disser o que penso (e não disser bem) sobre o Rio das Flores, um segundo romance que já saiu ou vai sair daqui a poucos dias. Mesmo vendendo como vende, Miguel Sousa Tavares não consegue suportar que diminuam o que ele julga ser o seu imenso brilho. A mim, não me aflige que ele se apresente como um génio literário. Desde que não ande por aí a espalhar mentiras."
Etiquetas: The Man
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