O MacGuffin: Helena

segunda-feira, abril 11, 2005

Helena

Uma autêntica palhaçada
Helena Matos in Público
"Esta semana teve lugar um peculiar incidente na Assembleia da República: os dois deputados do Partido Ecologista "Os Verdes" participaram no plenário de quinta-feira sentados em cadeiras colocadas no corredor entre as bancadas. Esta foi a forma arranjada por Heloísa Apolónia e Francisco Madeira Lopes para se manifestarem contra o facto de terem perdido o lugar na primeira fila do Parlamento de que têm usufruído.
No recurso que apresentou no final do plenário, Heloísa Apolónia afirmou: "Existe o direito à indignação. Assiste-nos o direito ao protesto." E garantiu: "À frente ou mais atrás continuaremos firmes." O caricato do episódio só é suplantado pelo que tem de constrangedor: os "Verdes" politicamente não existem nem nunca existiram. Criados há mais de 20 anos, não se lhes conhece uma iniciativa parlamentar de peso. Após ter passado horas a consultar o site da Assembleia da República em busca dum debate parlamentar em que os deputados do Partido Ecologista "Os Verdes" não tivessem alinhado com o PCP, estou habilitada a afirmar que o site da AR é óptimo, mas que o máximo do desalinhamento dos Verdes em relação ao PCP é absterem-se nas matérias em que o partido vota contra ou a favor.
A propósito de Franco, um jornalista espanhol disse-me que as hemerotecas eram a consciência dos jornalistas. Este arquivo da AR é, em muito boa medida, a consciência da classe política portuguesa. Acresce que está excelentemente organizado. Cobre um período muito mais alargado que o da própria AR - estão disponíveis os textos das diversas câmaras parlamentares desde 1822 -, apresenta várias e acessíveis formas de pequisa. Assim recomendo vivamente que se vá a http://debates.parlamento.pt e se escolha a opção "Pesquisa por texto livre". Experimente-se fazer, por exemplo, nas legislaturas III República uma pesquisa para palavras como "igreja", "nacionalizações", "Angola". Garanto que se fica com matéria de reflexão para várias semanas. Não apenas por aquilo que as pessoas defenderam e defendem, mas sobretudo pela capacidade que muitas revelam para esquecer o que disseram. Quanto aos "Verdes", a sua irrelevância política torna-se ainda mais óbvia quando se lêem as declarações dos seus sucessivos deputados.
O problema dos "Verdes" não é serem vermelhos por dentro - coisa que nem sequer foi segredo; o seu problema era e é limitarem-se a declinar em versão light o discurso do PCP. Esta estratégia funciona muito bem, quando transposta para movimentos de intelectuais, movimentos pela paz ou pela solidariedade, grupos de jovens ou de utentes... Mas, num parlamento, tudo rapidamente se reduz a uma caricatura. O Partido Ecologista "Os Verdes" é, em Portugal, uma criação administrativa do PCP, como, aliás, o foram e são tantos outros movimentos e organizações. Simplesmente estes últimos desaparecem discretamente do nosso olhar, quando deixam de ser úteis, coisa que não é possível de fazer com um partido com assento parlamentar e que, ao contrário do MDP-CDE, nem sequer tem históricos para lhe fecharem a porta.
Um dos dados mais interessantes acerca dos "Verdes" é a sua expressão eleitoral. Quantas pessoas votam neles? Ninguém sabe. Não sendo um homem propriamente conhecido pelo seu sentido de humor, Durão Barroso acertou no alvo quando, em Junho de 2003, no meio dum debate parlamentar, lembrou a Heloísa Apolónia, que acabara de o interpelar sobre as questões da representatividade: "A verdade é que o seu partido nunca foi a votos directamente, sr.ª deputada. O seu partido está aqui representado numa coligação." E, pode acrescentar-se com toda a tranquilidade, não só não existe fora dessa coligação, como não existe também fora da Assembleia da República. Por exemplo, quando aconteceu um congresso dos "Verdes"? Quem são os dirigentes desse partido de que só se conhecem os dois deputados a que têm direito na Assembleia da República? Quando fizeram um comício?...
"Os Verdes" surgem na Assembleia da República em 1983. No final da década de 70, a possibilidade de Portugal optar pela energia nuclear tornara-se o caldo de cultura excelente para o aparecimento de várias organizações ambientalistas. Para os vários jovens que já não se reviam nas juventudes partidárias, as causas de ambiente preencheram o espaço afectivo e militante que, poucos anos antes, fora afectado à política partidária.
Esse era um mundo polifacético onde se cruzavam militantes desiludidos da extrema-esquerda, monárquicos, saudosos do movimento hippie, adeptos da alimentação macrobiótica ou da observação das aves... com nomes incontornáveis da cultura portuguesa como António José Saraiva.
O Partido Ecologista "Os Verdes" não tinha nada a ver com este mundo. Foi criado por uma cúpula partidária. Ao fim de 20 anos é como corpo estranho que se mantém. Nunca conseguiu ganhar credibilidade na área do ambiente, nem peso político. As palavras que a 17 de Março de 1983 o então deputado pelo PPM Luís Coimbra proferiu na AR, ao tomar conhecimento que nas listas da APU para as próximas eleições, constava um Partido Ecologista "Os Verdes" foram: "O chamado "Partido Verde" não é conhecido em nenhum meio ecológico existente em Portugal (...), não é conhecido em nenhuma das ligas de protecção da natureza e defesa do património que existem pelo país fora. (...) As pessoas que vieram a público nunca foram "verdes", ecologistas, nem nada fizeram até hoje, em Portugal, em defesa da protecção da natureza, em qualquer situação que se relacione com a defesa do ambiente.
(...) Ora, como esse autodenominado "Partido Verde" nada afirma, nada clarifica, as pessoas que o integram não são conhecidas no meio, eu, em nome do meu partido, afirmo muito claramente que consideramos a existência desse autodenominado "Partido Verde" uma autêntica palhaçada."

P. S. - É patética a catadupa de argumentos que se arranjam para não promover a troca de manuais escolares. Simultaneamente procura-se instilar a ideia de que, não sendo possível trocá-los, o Estado devia pagá-los. Deixando para melhor oportunidade a discussão em torno do que é ser pobre - gasta-se muito mais em telemóveis do que em livros! -, é óbvio que no dia em que o Estado passar a pagar os manuais escolares não mais teremos controlo sobre essa despesa. E se actualmente é vergonhosa a panóplia de livros obrigatórios, no dia em que passarem as escolas a pagá-los podemos preparar-nos para o pior.
Antes pelo contrário, os livros escolares devem ser pagos pelas famílias, que os devem entregar nas escolas para se começar a promover a troca dos manuais. Que algumas famílias tenham apoios para comprar os livros é outra matéria que, de modo algum, se deve misturar com esta. E, absolutamente ao contrário do que tem sido defendido, acho que receber livros que já tenham sido usados não deve ser um estigma dos alunos eufemisticamente designados como carenciados. A reutilização não é uma maldição dos pobres."

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