PORQUE É QUE EU AS VEZES ME ARREPENDO DE BATER NO MIGUEL SOUSA TAVARES
O Ridículo Causa Danos
Por MIGUEL SOUSA TAVARES
Público, Sexta-feira, 12 de Março de 2004
"1 - Aqui há uns anos, na televisão, havia um programa de conversas em que o jornalista Luís Osório entretinha um debate com o dr. Daniel Sampaio e uma figura retorcida, que se sentava sobre as pernas, fazia uns vagos gestos com as mãos e, volta e meia, soltava umas frases desgarradas, tipo-pós-modernas, restaurante dos Tibetanos ou Frágil. Entre os meus amigos, baptizámo-la de "A Vírgula", devido aos seus contorcionismos, e divertiamo-nos a imitá-la no dito programa. Mas, ao consultar a lista de deputados saídos das últimas legislativas, constatei com espanto que "A Vírgula" havia sido eleita suplente na lista do Bloco de Esquerda e, como tal, estava destinada - devido ao rotativismo igualitarista do Bloco - a aparecer ocasionalmente como deputada da nação, isto é, minha deputada. Cheguei a vê-la, aliás, numa intervenção parlamentar, onde já não apareceu sentada sobre as pernas e a pose era claramente de alguém que tinha passado a levar-se francamente a sério - embora com piores resultados.
Esta semana, nestas libérrimas páginas do PÚBLICO, "A Vírgula" - de sua graça, Ana Drago - apareceu-me a dissertar sobre o aborto, ao melhor estilo do "direito à minha barriga". Entre o panfletário e o patético, desabafava ela que "o Dia Internacional da Mulher é mais um dia em que procuro novos caminhos para saber o que faço da minha revolta com a sistemática condenação do direito ao meu corpo".
Eu - votante, discreto militante e fervoroso crente da despenalização do aborto e do direito ao aborto em hospitais públicos, com a assistência médica e os meios do Estado - confesso, todavia, que vomito este discurso. Na questão do aborto, o que menos me preocupa é o direito da deputada Ana Drago ao seu corpo: que faça com ele o que quiser. O que me preocupa, única e exclusivamente, é o direito de uma criança que vai nascer a ter um pai e uma mãe, condições de vida minimamente aceitáveis e alguém que se preocupe com ela, que a ame, que lhe ensine o milagre de estar vivo e a responsabilidade de sobreviver. Começa, porque o aborto não é um direito: é uma tragédia, uma tragédia que se assume, em desespero ou em consciência, quando o que se apresenta como alternativa é uma tragédia ainda maior. Segue-se que, se fosse direito de alguém, não se percebe por que haveria de ser apenas da mãe e não também do pai - e se o pai, contra a vontade da mãe, quiser ter o filho e se comprometer a criá-lo e educá-lo sozinho? Ah, pois, o útero, a barriga, o corpo: o corpo é da mulher, é ela que manda nele. E quem é que manda verdadeiramente no corpo da mulher? Serão os seus progenitores que a criaram, em vez de terem decidido abortar dela? Será ela própria, os produtos de beleza, os cirurgiões plásticos? Não, quem manda é a natureza. É a natureza que decide se uma mulher é fértil ou infértil, se adoece ou se tem saúde, se engravida ou se aborta espontaneamente. Por isso, eu vejo a questão do aborto, não como um problema ideológico ou religioso, mas como parte do equilíbrio profundamente instável das regras desse imenso jogo que é a vida - a vida, segunda as únicas verdades invencíveis, que são as da natureza. Na natureza, quando uma fêmea mata à nascença as crias mais fracas, não o faz porque as não queira ou não ame, mas apenas porque não tem condições para criar todos os filhos e opta por defender os que podem sobreviver. Na natureza humana, as condições são mais amplas, mais dolorosas e mais traumatizantes que a simples capacidade de sobrevivência física dos filhos. Entram em jogo outras e mais angustiantes coisas, como as condições psicológicas, financeiras, conjugais, amorosas. A decisão é de cada um, conforme a sua vida, a sua força, a sua convicção íntima. E se defendo a liberalização do aborto é porque entendo que o que é íntimo é impartilhável e escapa a Deus e a César. Não é, seguramente, porque a Igreja Católica e alguns fanáticos que julgam saber em exclusivo o que é a família são contra, que eu sou a favor. Mas também não sou a favor, certamente, por causa do direito à barriga da deputada Ana Drago.
2 - Por idênticos e primários raciocínios, caiu em cima de Luís Vilas Boas um coro de politicamente correctos, só porque ele se atreveu a dizer uma coisa óbvia: que um casal homossexual não oferece garantias para criar e educar equilibradamente uma criança. Uma vez mais, é o direito das próprias crianças a uma infância saudável que passa para segundo plano, cedendo ao direito dos homossexuais, mulheres ou homens, de brincarem aos pais e mães. Uma vez mais, a minha resposta é: olhem para a natureza. Já viram elefantes "gays" ou focas lésbicas a criarem filhos em comum? Peçam o que é legitimo pedir - igualdade de direitos conjugais e sucessórios, por exemplo -, mas não peçam o que não é natural pedir e ofende os direitos legítimos de terceiros inocentes.
3 - E no Dia Internacional da Mulher, o Presidente Jorge Sampaio foi almoçar com mulheres que vestem fardas - da polícia ou das Forças Armadas. Com aquele seu ar de quem carrega às costas a missão de justiçar o mundo inteiro, avançou para um grupo de mulheres-polícias e quis saber se tinham muitas dificuldades de relacionamento com os colegas homens. Elas entreolharam-se, surpreendidas com a pergunta: "Nenhumas", responderam. Lá morreu mais um Dia Internacional da Mulher.(...)"
O Ridículo Causa Danos
Por MIGUEL SOUSA TAVARES
Público, Sexta-feira, 12 de Março de 2004
"1 - Aqui há uns anos, na televisão, havia um programa de conversas em que o jornalista Luís Osório entretinha um debate com o dr. Daniel Sampaio e uma figura retorcida, que se sentava sobre as pernas, fazia uns vagos gestos com as mãos e, volta e meia, soltava umas frases desgarradas, tipo-pós-modernas, restaurante dos Tibetanos ou Frágil. Entre os meus amigos, baptizámo-la de "A Vírgula", devido aos seus contorcionismos, e divertiamo-nos a imitá-la no dito programa. Mas, ao consultar a lista de deputados saídos das últimas legislativas, constatei com espanto que "A Vírgula" havia sido eleita suplente na lista do Bloco de Esquerda e, como tal, estava destinada - devido ao rotativismo igualitarista do Bloco - a aparecer ocasionalmente como deputada da nação, isto é, minha deputada. Cheguei a vê-la, aliás, numa intervenção parlamentar, onde já não apareceu sentada sobre as pernas e a pose era claramente de alguém que tinha passado a levar-se francamente a sério - embora com piores resultados.
Esta semana, nestas libérrimas páginas do PÚBLICO, "A Vírgula" - de sua graça, Ana Drago - apareceu-me a dissertar sobre o aborto, ao melhor estilo do "direito à minha barriga". Entre o panfletário e o patético, desabafava ela que "o Dia Internacional da Mulher é mais um dia em que procuro novos caminhos para saber o que faço da minha revolta com a sistemática condenação do direito ao meu corpo".
Eu - votante, discreto militante e fervoroso crente da despenalização do aborto e do direito ao aborto em hospitais públicos, com a assistência médica e os meios do Estado - confesso, todavia, que vomito este discurso. Na questão do aborto, o que menos me preocupa é o direito da deputada Ana Drago ao seu corpo: que faça com ele o que quiser. O que me preocupa, única e exclusivamente, é o direito de uma criança que vai nascer a ter um pai e uma mãe, condições de vida minimamente aceitáveis e alguém que se preocupe com ela, que a ame, que lhe ensine o milagre de estar vivo e a responsabilidade de sobreviver. Começa, porque o aborto não é um direito: é uma tragédia, uma tragédia que se assume, em desespero ou em consciência, quando o que se apresenta como alternativa é uma tragédia ainda maior. Segue-se que, se fosse direito de alguém, não se percebe por que haveria de ser apenas da mãe e não também do pai - e se o pai, contra a vontade da mãe, quiser ter o filho e se comprometer a criá-lo e educá-lo sozinho? Ah, pois, o útero, a barriga, o corpo: o corpo é da mulher, é ela que manda nele. E quem é que manda verdadeiramente no corpo da mulher? Serão os seus progenitores que a criaram, em vez de terem decidido abortar dela? Será ela própria, os produtos de beleza, os cirurgiões plásticos? Não, quem manda é a natureza. É a natureza que decide se uma mulher é fértil ou infértil, se adoece ou se tem saúde, se engravida ou se aborta espontaneamente. Por isso, eu vejo a questão do aborto, não como um problema ideológico ou religioso, mas como parte do equilíbrio profundamente instável das regras desse imenso jogo que é a vida - a vida, segunda as únicas verdades invencíveis, que são as da natureza. Na natureza, quando uma fêmea mata à nascença as crias mais fracas, não o faz porque as não queira ou não ame, mas apenas porque não tem condições para criar todos os filhos e opta por defender os que podem sobreviver. Na natureza humana, as condições são mais amplas, mais dolorosas e mais traumatizantes que a simples capacidade de sobrevivência física dos filhos. Entram em jogo outras e mais angustiantes coisas, como as condições psicológicas, financeiras, conjugais, amorosas. A decisão é de cada um, conforme a sua vida, a sua força, a sua convicção íntima. E se defendo a liberalização do aborto é porque entendo que o que é íntimo é impartilhável e escapa a Deus e a César. Não é, seguramente, porque a Igreja Católica e alguns fanáticos que julgam saber em exclusivo o que é a família são contra, que eu sou a favor. Mas também não sou a favor, certamente, por causa do direito à barriga da deputada Ana Drago.
2 - Por idênticos e primários raciocínios, caiu em cima de Luís Vilas Boas um coro de politicamente correctos, só porque ele se atreveu a dizer uma coisa óbvia: que um casal homossexual não oferece garantias para criar e educar equilibradamente uma criança. Uma vez mais, é o direito das próprias crianças a uma infância saudável que passa para segundo plano, cedendo ao direito dos homossexuais, mulheres ou homens, de brincarem aos pais e mães. Uma vez mais, a minha resposta é: olhem para a natureza. Já viram elefantes "gays" ou focas lésbicas a criarem filhos em comum? Peçam o que é legitimo pedir - igualdade de direitos conjugais e sucessórios, por exemplo -, mas não peçam o que não é natural pedir e ofende os direitos legítimos de terceiros inocentes.
3 - E no Dia Internacional da Mulher, o Presidente Jorge Sampaio foi almoçar com mulheres que vestem fardas - da polícia ou das Forças Armadas. Com aquele seu ar de quem carrega às costas a missão de justiçar o mundo inteiro, avançou para um grupo de mulheres-polícias e quis saber se tinham muitas dificuldades de relacionamento com os colegas homens. Elas entreolharam-se, surpreendidas com a pergunta: "Nenhumas", responderam. Lá morreu mais um Dia Internacional da Mulher.(...)"
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