COMPLIQUEMOS AS COISAS
Vamos supor, então, que o MacGuffin e o JMF criavam uma empresa para produção de frigoríficos, dado o promissor mercado da Islândia. O seu nome: Icily Lda.
A empresa iniciou a sua actividade com a compra de: um armazém de 2.000 m2; equipamento completo para permitir total independência relativamente a terceiros (ou seja, para que não houvesse necessidade de recorrer ao outsourcing e para permitir a monitorização de todo o processo de fabrico, incluindo a implementação de um rigoroso controlo de qualidade interno); uma pequena frota de três viaturas comerciais para transporte de matérias-primas, máquinas e material diverso. Como manda a boa gestão financeira, nomeadamente a regra de ouro segundo a qual os capitais utilizados pela empresa no financiamento dos seus activos devem ter uma maturidade igual ou superior à vida económica destes, a Icily Lda. contraiu um empréstimo de médio-longo prazo para financiar o investimento em activos fixos. Optou-se por não dotar a empresa de viaturas de serviço para os sócios-gerentes (facto que deixou inconsolável, durante uma semana, o sócio MacGuffin, esperançado que estava em montar-se num Mercedes-Benz S400 CDI, apesar de saber que o sócio JMF se contentava com um Fiat Punto Biturbo).
A empresa iniciou a sua actividade com cerca de 30 funcionários (15 homens e 15 mulheres, por imposição do sócio JMF, muito dado às questões da igualdade e do politicamente correcto).
Ao fim de seis meses de laboração, a Icily Lda. ia de vento em popa, entrando desafogadamente no ciclo de exploração (passada a fase inicial de investimentos). Ao quinto mês, o Break-even point havia sido atingido e ultrapassado. Os custos estavam controlados, o rigor orçamental fazia-se sentir e o nível de encargos financeiros era, agora, comestível.
Passados dois anos, os resultados estavam muito acima das expectativas. A empresa encontrava-se financeiramente equilibrada (níveis de Cash-flows e de liquidez adequados, Necessidades de Fundo de Maneio a um nível aceitável, rácios de solvabilidade irrepreensíveis).
Com o passar do tempo, começaram a verificar-se os primeiros excessos de liquidez e fluxos de caixa supérfluos. As encomendas não paravam de entrar - de tal forma que a capacidade produtiva começou a ficar aquém da desejada. A empresa atacava agora em três frentes: Islândia, Irlanda e Inglaterra (os três "is"). Perante este cenário, tomaram-se algumas decisões: arrancar com duas novas unidades de produção, comprando dois novos armazéns (1.000 m2 cada), totalmente equipadas; admitir mais 40 funcionários (20 para cada nova unidade); aumentar a frota de viaturas comerciais de três para seis; e, finalmente, alugar duas viaturas topo de gama para os sócios gerentes (dois Mercedes-Benz S400 CDI, recorrendo ao Aluguer Operacional, ou renting, em que a renda mensal passaria a incluir os serviços de manutenção e gestão de frota, substituição de pneus, seguro e cartões de combustível).
Passados três anos da sua fundação, a empresa era, agora, um caso de sucesso, com direito a visita de S. Exa. o Presidente da República, e os sócios MacGuffin e JMF eram convidados para colóquios e workshops sob o lema da “Gestão para o Sucesso”.
No ano seguinte, nuvens negras adensaram-se no horizonte da Icily Lda. Duas novas marcas concorrentes – uma coreana e outra norte-americana - haviam conseguido ganhar uma série de concursos para fornecimento de frigoríficos industriais e os seus modelos para o segmento de retalho começavam a ser um sucesso de vendas. A Icily Lda. começou por assistir a uma quebra acentuada das suas encomendas. A razão tornou-se, rapidamente, óbvia: os frigoríficos das marcas concorrentes eram muito mais baratos e fiáveis.
Com a quebra das encomendas e da produção, chegou-se à conclusão que a Icily Lda. havia crescido mas, ao mesmo tempo, engordado. Os custos fixos representavam um peso insuportável na estrutura da empresa, o desperdício era notório, a qualidade dos seus frigoríficos tinha regredido, o descontrolo orçamental instalou-se, o nível de liquidez tinha alcançado um nível preocupante e a insatisfação dos trabalhadores começava a fazer-se sentir.
Os sócios MacGuffin e JMF, com a ajuda de um consultor externo, encetaram, então, um trabalho de diagnóstico. As conclusões não se fizeram esperar: a Icily Lda. tinha de emagrecer, não só através da redução da sua dimensão e respectiva capacidade produtiva, mas igualmente levando o enfoque da sua activiadade para o nicho de mercado onde o critério fosse o da qualidade. Só dessa forma a Icily Lda. poderia voltar a posicionar-se no mercado e ganhar vantagem competitiva sobre as suas rivais. Entrar na guerra dos preços seria um suicídio. O mercado a atacar seria o escandinavo e a lógica “volume” teria de ser substituída pela lógica “valor e qualidade”. Finalmente, o emagrecimento da empresa seria a única opção viável para que a Icily não entrasse em falência e não tivesse de fechar as suas portas.
Primeiro medida de fundo preconizada: desactivar duas das unidades de produção, alienando o imóvel e todo o equipamento (resultado: receitas extraordinárias). Segunda: alienar todo o equipamento de pintura, incluindo as duas estufas e o laboratório (resultado: receitas extraordinárias). Terceira: recorrer ao outsourcing na parte referente à pintura e aos acabamentos finais – colmatando uma das grandes pechas dos frigoríficos Icily: a pouca resistência à corrosão e o deficiente isolamento térmico - contratando a empresa que, em Portugal, fazia esse tipo de trabalho para as maiores marcas mundiais de frigoríficos (resultado: redução de custos, melhoria da qualidade). Quarta: reinvestir parte das mais-valias na compra de novo equipamento – mais moderno e robotizado – e aplicar outra parte das receitas no pagamento das indemnizações derivadas do despedimento de cerca de 20 trabalhadores.
É claro que tudo deu para o torto. O sócio JMF recusou tal solução. Numa atitude despropositada, vendeu a sua quota a um familiar. Passou a acusar o sócio MacGuffin de «vigarista» e «desonesto». JMF considerava que o simples facto de figurarem nas contas da empresa “receitas extraordinárias” (ainda por cima de montantes tão elevados), era, por si só, sinónimo de “negociatas obscuras”, “trapalhice” e “manobras sinistras de engenharia financeira”. JMF não queria estar associado a tais epítetos. Mais: JMF esteve sempre convencido de que a alienação dos carros de serviço teria sido suficiente. MacGuffin, coitado, bem tentou explicar-lhe que os carros nem sequer eram da empresa: pertenciam a uma gestora de frotas. Explicou-lhe, também, que o encargo mensal referente a essas viaturas representava uma gota de água no oceano de custos correntes e operacionais da Icily Lda. E tentou convencê-lo de que mais valia dar trabalho a 40 ou 50 funcionários do que a nenhum. Mas de nada lhe valeu. Um JMF orgulhoso e febril, apareceu, um dia, na companhia de Carvalho da Silva, empunhando um cartaz onde se podia ler a mensagem: “Abaixo o patronato e as manobras obscuras!”
Vamos supor, então, que o MacGuffin e o JMF criavam uma empresa para produção de frigoríficos, dado o promissor mercado da Islândia. O seu nome: Icily Lda.
A empresa iniciou a sua actividade com a compra de: um armazém de 2.000 m2; equipamento completo para permitir total independência relativamente a terceiros (ou seja, para que não houvesse necessidade de recorrer ao outsourcing e para permitir a monitorização de todo o processo de fabrico, incluindo a implementação de um rigoroso controlo de qualidade interno); uma pequena frota de três viaturas comerciais para transporte de matérias-primas, máquinas e material diverso. Como manda a boa gestão financeira, nomeadamente a regra de ouro segundo a qual os capitais utilizados pela empresa no financiamento dos seus activos devem ter uma maturidade igual ou superior à vida económica destes, a Icily Lda. contraiu um empréstimo de médio-longo prazo para financiar o investimento em activos fixos. Optou-se por não dotar a empresa de viaturas de serviço para os sócios-gerentes (facto que deixou inconsolável, durante uma semana, o sócio MacGuffin, esperançado que estava em montar-se num Mercedes-Benz S400 CDI, apesar de saber que o sócio JMF se contentava com um Fiat Punto Biturbo).
A empresa iniciou a sua actividade com cerca de 30 funcionários (15 homens e 15 mulheres, por imposição do sócio JMF, muito dado às questões da igualdade e do politicamente correcto).
Ao fim de seis meses de laboração, a Icily Lda. ia de vento em popa, entrando desafogadamente no ciclo de exploração (passada a fase inicial de investimentos). Ao quinto mês, o Break-even point havia sido atingido e ultrapassado. Os custos estavam controlados, o rigor orçamental fazia-se sentir e o nível de encargos financeiros era, agora, comestível.
Passados dois anos, os resultados estavam muito acima das expectativas. A empresa encontrava-se financeiramente equilibrada (níveis de Cash-flows e de liquidez adequados, Necessidades de Fundo de Maneio a um nível aceitável, rácios de solvabilidade irrepreensíveis).
Com o passar do tempo, começaram a verificar-se os primeiros excessos de liquidez e fluxos de caixa supérfluos. As encomendas não paravam de entrar - de tal forma que a capacidade produtiva começou a ficar aquém da desejada. A empresa atacava agora em três frentes: Islândia, Irlanda e Inglaterra (os três "is"). Perante este cenário, tomaram-se algumas decisões: arrancar com duas novas unidades de produção, comprando dois novos armazéns (1.000 m2 cada), totalmente equipadas; admitir mais 40 funcionários (20 para cada nova unidade); aumentar a frota de viaturas comerciais de três para seis; e, finalmente, alugar duas viaturas topo de gama para os sócios gerentes (dois Mercedes-Benz S400 CDI, recorrendo ao Aluguer Operacional, ou renting, em que a renda mensal passaria a incluir os serviços de manutenção e gestão de frota, substituição de pneus, seguro e cartões de combustível).
Passados três anos da sua fundação, a empresa era, agora, um caso de sucesso, com direito a visita de S. Exa. o Presidente da República, e os sócios MacGuffin e JMF eram convidados para colóquios e workshops sob o lema da “Gestão para o Sucesso”.
No ano seguinte, nuvens negras adensaram-se no horizonte da Icily Lda. Duas novas marcas concorrentes – uma coreana e outra norte-americana - haviam conseguido ganhar uma série de concursos para fornecimento de frigoríficos industriais e os seus modelos para o segmento de retalho começavam a ser um sucesso de vendas. A Icily Lda. começou por assistir a uma quebra acentuada das suas encomendas. A razão tornou-se, rapidamente, óbvia: os frigoríficos das marcas concorrentes eram muito mais baratos e fiáveis.
Com a quebra das encomendas e da produção, chegou-se à conclusão que a Icily Lda. havia crescido mas, ao mesmo tempo, engordado. Os custos fixos representavam um peso insuportável na estrutura da empresa, o desperdício era notório, a qualidade dos seus frigoríficos tinha regredido, o descontrolo orçamental instalou-se, o nível de liquidez tinha alcançado um nível preocupante e a insatisfação dos trabalhadores começava a fazer-se sentir.
Os sócios MacGuffin e JMF, com a ajuda de um consultor externo, encetaram, então, um trabalho de diagnóstico. As conclusões não se fizeram esperar: a Icily Lda. tinha de emagrecer, não só através da redução da sua dimensão e respectiva capacidade produtiva, mas igualmente levando o enfoque da sua activiadade para o nicho de mercado onde o critério fosse o da qualidade. Só dessa forma a Icily Lda. poderia voltar a posicionar-se no mercado e ganhar vantagem competitiva sobre as suas rivais. Entrar na guerra dos preços seria um suicídio. O mercado a atacar seria o escandinavo e a lógica “volume” teria de ser substituída pela lógica “valor e qualidade”. Finalmente, o emagrecimento da empresa seria a única opção viável para que a Icily não entrasse em falência e não tivesse de fechar as suas portas.
Primeiro medida de fundo preconizada: desactivar duas das unidades de produção, alienando o imóvel e todo o equipamento (resultado: receitas extraordinárias). Segunda: alienar todo o equipamento de pintura, incluindo as duas estufas e o laboratório (resultado: receitas extraordinárias). Terceira: recorrer ao outsourcing na parte referente à pintura e aos acabamentos finais – colmatando uma das grandes pechas dos frigoríficos Icily: a pouca resistência à corrosão e o deficiente isolamento térmico - contratando a empresa que, em Portugal, fazia esse tipo de trabalho para as maiores marcas mundiais de frigoríficos (resultado: redução de custos, melhoria da qualidade). Quarta: reinvestir parte das mais-valias na compra de novo equipamento – mais moderno e robotizado – e aplicar outra parte das receitas no pagamento das indemnizações derivadas do despedimento de cerca de 20 trabalhadores.
É claro que tudo deu para o torto. O sócio JMF recusou tal solução. Numa atitude despropositada, vendeu a sua quota a um familiar. Passou a acusar o sócio MacGuffin de «vigarista» e «desonesto». JMF considerava que o simples facto de figurarem nas contas da empresa “receitas extraordinárias” (ainda por cima de montantes tão elevados), era, por si só, sinónimo de “negociatas obscuras”, “trapalhice” e “manobras sinistras de engenharia financeira”. JMF não queria estar associado a tais epítetos. Mais: JMF esteve sempre convencido de que a alienação dos carros de serviço teria sido suficiente. MacGuffin, coitado, bem tentou explicar-lhe que os carros nem sequer eram da empresa: pertenciam a uma gestora de frotas. Explicou-lhe, também, que o encargo mensal referente a essas viaturas representava uma gota de água no oceano de custos correntes e operacionais da Icily Lda. E tentou convencê-lo de que mais valia dar trabalho a 40 ou 50 funcionários do que a nenhum. Mas de nada lhe valeu. Um JMF orgulhoso e febril, apareceu, um dia, na companhia de Carvalho da Silva, empunhando um cartaz onde se podia ler a mensagem: “Abaixo o patronato e as manobras obscuras!”
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