NEXT, PLEASE
Há uns tempos atrás, escrevi um texto sobre a escola da minha filha que rezava assim:
“A minha filha, de sete anos, frequenta uma das muitas escolas públicas do Ensino Básico, saídas das fornalhas do Estado Novo. Um edifício de linhas clássicas, envergando uma estética intemporal, mais no espírito tradicionalista e costumeiro de Raul Lino, do que no da escola modernista que o Estado Novo tão bem soube patrocinar – de Keil do Amaral, Pardal Monteiro, Cassiano Branco ou dos irmãos Rebelo de Andrade, entre tantos outros. Trata-se, em suma, de um edifício ainda perfeitamente integrado nas nossas cidades brancas e históricas, que vai resistindo à passagem do tempo e à voragem pós-modernista dos arquitectos mais egocêntricos e pedantes da paróquia. Uma típica e linda escola primária portuguesa. No seu interior, o edifício já revela alguma dificuldade em esconder as marcas da sua antiguidade, embora os materiais então empregues tivessem envelhecido condignamente: a escadaria, o soalho e o estrado em madeira, o gradeamento em ferro forjado, as aduelas e portas pintadas em ‘casquinha de ovo’.”
Esqueci-me de referir que a escola da minha filha tinha uma única campainha. Uma daquelas que tocava sempre a horas e com a qual até se podia acertar o relógio. Estão a ver: daquelas campainhas que já não se faziam, com um braço metálico suspenso que, a horas determinadas, batia frenética e urgentemente numa robusta e visível campânula de metal martelado, produzindo um valente e glorioso “triiimmmm”, capaz de assustar cães e gatos num raio de cem metros. Os pais e os professores queixavam-se, assustavam-se, com o seu toque firme e orgulhoso. “Ai que horror!” era frase recorrente e já gasta.
Agora, a velha campainha, que durante décadas serviu para marcar os toques de saída e entrada a milhares de miúdos, que corriam apressados ao som do seu toque determinado e disciplinador, foi retirada. No seu lugar, apareceram, estrategicamente colocadas, umas medrosas (ia-me enganando a escrever o adjectivo…) caixinhas de plástico branco-frigorífico. Do seu interior, sai agora um silvo tímido, não analógico, intermitente e arrastado, que raramente se consegue ouvir. Mas não duvido: o silvo é, certamente, de origem «electrónica», proveniente de um complexo e sofisticado sistema que deve ter custado uma pipa de massa, a avaliar pela quantidade de calhas técnicas que tiveram de ser pregadas às paredes. A inovação e a actualização ditaram a morte de uma campainha que condigna e competentemente fazia o trabalho que lhe competia, e impulsionaram o advento triunfal de um admirável mundo novo, ao serviço das escolas e da sensibilidade auditiva das criancinhas, dos progenitores, dos docentes e do pessoal auxiliar. Next stop: TGV.
Há uns tempos atrás, escrevi um texto sobre a escola da minha filha que rezava assim:
“A minha filha, de sete anos, frequenta uma das muitas escolas públicas do Ensino Básico, saídas das fornalhas do Estado Novo. Um edifício de linhas clássicas, envergando uma estética intemporal, mais no espírito tradicionalista e costumeiro de Raul Lino, do que no da escola modernista que o Estado Novo tão bem soube patrocinar – de Keil do Amaral, Pardal Monteiro, Cassiano Branco ou dos irmãos Rebelo de Andrade, entre tantos outros. Trata-se, em suma, de um edifício ainda perfeitamente integrado nas nossas cidades brancas e históricas, que vai resistindo à passagem do tempo e à voragem pós-modernista dos arquitectos mais egocêntricos e pedantes da paróquia. Uma típica e linda escola primária portuguesa. No seu interior, o edifício já revela alguma dificuldade em esconder as marcas da sua antiguidade, embora os materiais então empregues tivessem envelhecido condignamente: a escadaria, o soalho e o estrado em madeira, o gradeamento em ferro forjado, as aduelas e portas pintadas em ‘casquinha de ovo’.”
Esqueci-me de referir que a escola da minha filha tinha uma única campainha. Uma daquelas que tocava sempre a horas e com a qual até se podia acertar o relógio. Estão a ver: daquelas campainhas que já não se faziam, com um braço metálico suspenso que, a horas determinadas, batia frenética e urgentemente numa robusta e visível campânula de metal martelado, produzindo um valente e glorioso “triiimmmm”, capaz de assustar cães e gatos num raio de cem metros. Os pais e os professores queixavam-se, assustavam-se, com o seu toque firme e orgulhoso. “Ai que horror!” era frase recorrente e já gasta.
Agora, a velha campainha, que durante décadas serviu para marcar os toques de saída e entrada a milhares de miúdos, que corriam apressados ao som do seu toque determinado e disciplinador, foi retirada. No seu lugar, apareceram, estrategicamente colocadas, umas medrosas (ia-me enganando a escrever o adjectivo…) caixinhas de plástico branco-frigorífico. Do seu interior, sai agora um silvo tímido, não analógico, intermitente e arrastado, que raramente se consegue ouvir. Mas não duvido: o silvo é, certamente, de origem «electrónica», proveniente de um complexo e sofisticado sistema que deve ter custado uma pipa de massa, a avaliar pela quantidade de calhas técnicas que tiveram de ser pregadas às paredes. A inovação e a actualização ditaram a morte de uma campainha que condigna e competentemente fazia o trabalho que lhe competia, e impulsionaram o advento triunfal de um admirável mundo novo, ao serviço das escolas e da sensibilidade auditiva das criancinhas, dos progenitores, dos docentes e do pessoal auxiliar. Next stop: TGV.
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