COMENTÁRIOS A PROPÓSITO DO SR. SARAMAGO
Do meu amigo Zé Luis, recebi o seguinte texto, que só hoje li:
“Acabei de ler os ultimos desenvolvimentos do teu Blog e verifiquei que continuas a manter a mesma aversão por um dos maiores vultos do nosso país, que juntamente com Álvaro Siza Vieira e Manoel de Oliveira, constitui, quer queiras quer não, o trio de portugueses mais brilhantes da nossa época.
O mais curioso é que quando as pessoas têm determinado ponto de vista são acusadas por isso, quando colocam esse ponto de vista em causa são acusadas da mesma forma.
Por que motivo não te congratulas pelo facto de José Saramago ter condenado, e bem, os fuzilamentos em Cuba??? Porque o criticas agora??
Estive em Cuba há 4 anos atrás, não apenas em Varadero como a maioria dos turistas mas também em Havana (a maior parte do tempo) bem como em diversas outras cidades como Santiago, Cienfuegos, Santa Clara, Matanzas, Trinitad etc. e procurei a todo o instante perceber o país, perceber a revolução, falei com dezenas de pessoas sempre que possível acerca de política e do regime, e a ideia com que fiquei foi a de um povo com um sentido nacionalista fortíssimo, que se mantém grato às conquistas da revolução, que têm a noção clara que a alternativa ao regime seria a colonização norte-americana, onde alguns, é certo, sairíam altamente beneficiados mas com a qual a esmagadora maioria da população nada teria a ganhar, antes pelo contrário.
Cuba é um país pobre como o são a Guatemala, as Honduras , El Salvador , Haiti, República Dominicana, Costa Rica e todos os outros da mesma região independentemente dos regimes políticos, com a agravante dum embargo de décadas, que apenas prejudica a população e serve de escudo protector a Fidel.
Também eu, tal como Saramago, fiquei surpreendido com estes fuzilamentos. Contudo gostava de saber se o motivo dos mesmos terá sido apenas "delito de opinião" ou se pelo contrário se tratou de conspirações, armadas ou não, contra o regime, e nesse caso gostava de saber como reagiria na conjuntura actual o regime norte americano em caso idêntico. Gostaria ainda de saber quantas pessoas executou George W. Bush enquanto era governador do Texas, sem falar dos milhares de mortos desta invasão do Iraque (certamente muitos mais do que os do atentado de 11 de Setembro em Nova Iorque, por sinal uma das suas justificações...).
Gostei de Cuba e dos Cubanos, passei momentos inesquecíveis naquele país em convívio com aquele maravilhoso povo, que não compete entre sí, que luta solidariamente e que apaixona quem com ele lide de perto.
Conhecí Cubanos (e já agora Cubanas...)que não mais esquecerei.
Não quero nem posso defender Fidel Castro, posso sim afirmar que tendo em conta o enquadramento histórico bem como a situação geográfica de Cuba, qualquer alternativa a este regime, passando necessariamente pela indesejada intromissão norte americana, nada de novo traria à maioria do seu povo.
Meu caro Zé Luis: em primeiro lugar, um reparo. Eu não crítico Saramago por ter dito o que disse. Eu só crítico Saramago por só agora, ingenuamente, ter descoberto a pólvora. De resto, eu sei que ele sabe que eu sei e tu sabes que ele sabe o que se tem passado na Cuba de Fidel. Só que o apego à ideologia impõe militancia cega e o exercício intermitente da mentira ou do silêncio.
Em segundo lugar, ao contrário do que dizes, acabaste por defender Fidel, por via indirecta. Da mesma forma que ficaste surpreendido com estes fuzilamentos, fiquei eu estupefacto com o teu comentário. Há nele uma passagem que é, desculpar-me-ás a sinceridade, uma verdadeira pérola de relativismo moral e cinismo: ”(...) gostava de saber se o motivo dos mesmos terá sido apenas "delito de opinião" ou se pelo contrário se tratou de conspirações, armadas ou não, contra o regime, e nesse caso gostava de saber como reagiria na conjuntura actual o regime norte americano em caso idêntico. Gostaria ainda de saber quantas pessoas executou George W. Bush enquanto era governador do Texas (...).” Tenho, inclusivamente, alguma dificuldade em responder a estas afirmações, aqui, em público.
Podia começar por dizer-te que os EUA são uma democracia (baseada numa sociedade liberal onde o respeito pela liberdade de expressão é um dado adquirido); que a pena de morte, onde vigora, é apoiada por 70% da população (sondagem feita já este ano); que, embora não concorde com a pena de morte, reconheço que as execuções praticadas no Estado de Bush estão legal e juridicamente sustentadas e previstas; que comparar a pena de morte, enquanto sentença de um estado de direito, onde o primado da lei é regra, com execuções sumárias, por delito de opinião, perpetradas por um regime ditatorial, é hilariante, etc. etc. etc. Mas não vou por aí. Vou antes por outro caminho, entrando no teu «jogo». Vamos supor que sim, que Bush é um monstro; que também ele mandou executar muitos inocentes; que os EUA são, no mínimo, uma plutocracia; que a intervenção no Iraque é uma «invasão» infame com intuitos estritamente económicos, na qual não houve o menor respeito pelas populações civis – ou seja, vamos supor que todas as teorias da conspiração, e os factos que as sustentam, se confirmam e que a natureza da administração Bush é maligna. Pergunto-te, então: servirá isso para desculpar o que se passou em Cuba, recentemente e nos últimos quarenta anos? Um acto brutal, atentatório dos mais elementares direitos humanos, poderá ser desvalorizado, desculpado ou justificado com o exemplo de outros? Será possível, um dia, ver os que sofrem de ‘esquerdite aguda’ discutir de cabeça limpa a realidade cubana, sem recorrer a exemplos comparativos altamente duvidosos, ou histórica e moralmente incomparáveis? Como é possível continuares a ser complacente para com o regime de Fidel, com base no simples facto de já teres lá estado (so what?) e teres constatado um forte sentimento nacionalista? Desde quando o orgulho de ser cubano (ou de pertencer a qualquer outro país) rima com uma adesão incondicional ao regime vigente? Quererás com isso dizer que os milhares de cubanos que tentaram fugir de Cuba, ao longo destas últimas décadas, não são patriotas? Não gostam do seu país? São traidores? Que confusão é essa entre regime/Estado e país/nação? Que comentários farás relativamente aos relatos e provas materiais que envolvem Fidel e o seu regime autocrático a milhares de assassinatos, à perseguição, clausura e tortura de cidadãos (incluindo a famosa «tortura limpa», utilizada na Alemanha de Leste) pelos simples facto de pensarem de forma diferente? Compreenderás que uma parte da população cubana já nasceu sob o jugo de Fidel, não tendo ainda saboreado o que é isso da “liberdade" (de expressão e não só)? Terás percebido que franjas há da população que servem abnegadamente o regime? Que os meios de propaganda de Estado são dos melhores, à boa maneira marxista-leninista? Porque te eriças tanto com Pinochet e emudeces com Fidel? Em suma: onde tens vivido nos últimos anos? A que fontes tens recorrido? (deixa-me adivinhar: Chomski, Ramonet, Hardt, Negri & Klein Lda.) Não tens lido, ao menos, os relatórios da A. I. sobre Cuba?
Por último, um comentário à seguinte afirmação: “Gostaria ainda de saber quantas pessoas executou George W. Bush enquanto era governador do Texas, sem falar dos milhares de mortos desta invasão do Iraque (certamente muitos mais do que os do atentado de 11 de Setembro em Nova Iorque, por sinal uma das suas justificações...) Recuso-me, como é evidente, a fazer a atroz contabilidade dos mortos. Considero intelectualmente desonesta a forma como tentas misturar conflitos para justificar ou desvalorizar o que se passou em Cuba. O que não é novidade em ti e nos teus correligionários. São vocês que passam o tempo todo a comparar o 11 de Setembro de 2001 com o de 1973 no Chile, com o Vietnam ou com as vitimas da Palestina. Porque não falar, também, das vitimas israelitas, do Afeganistão, de Angola, do Camboja, da Coreia do Norte? Ou noutras quaisquer? Há comparações absurdas. Há exercícios torpes e indignos. Misturar tudo com o intuito de amenizar ou contextualizar situações díspares é ofender a memória das vitimas, de todos os conflitos. É, aliás, a forma mais rápida para se chegar ao relativismo mais selvagem onde, no fundo, não há bem nem mal, certo ou errado.
Resta fazer-te “a” pergunta: para ti Fidel é ou não um ditador que oprime o seu povo e que beneficia, há décadas, da benevolência da intelligentsia ocidental? - a mesma que, entre um croissant numa esplanada parisiense, um bife da sola num qualquer restaurante chic, um passeio indignado pela Avenida da Liberdade, ou um mil-folhas na esplanada do CCB, lá vai achando imensa piada ao pitoresco de uma ilha situada algures nas Caraibas, achando que o povo nativo está bem melhor assim do que uma “indesejada intromissão”...
Recebe lá um abraço. Do MacGuffin.
PS: Saramago um dos maiores vultos do nosso país, juntamente com Siza e Oliveira? Ok. E depois? Desde quando um «vulto» está imune à hipocrisia, à estupidez, à duplicidade de critérios, etc. etc. Se fossemos à história do Sec. XX, quantos «vultos» não encontrarias tu a apoiar os “autores das proibições mais brutais”...
Do meu amigo Zé Luis, recebi o seguinte texto, que só hoje li:
“Acabei de ler os ultimos desenvolvimentos do teu Blog e verifiquei que continuas a manter a mesma aversão por um dos maiores vultos do nosso país, que juntamente com Álvaro Siza Vieira e Manoel de Oliveira, constitui, quer queiras quer não, o trio de portugueses mais brilhantes da nossa época.
O mais curioso é que quando as pessoas têm determinado ponto de vista são acusadas por isso, quando colocam esse ponto de vista em causa são acusadas da mesma forma.
Por que motivo não te congratulas pelo facto de José Saramago ter condenado, e bem, os fuzilamentos em Cuba??? Porque o criticas agora??
Estive em Cuba há 4 anos atrás, não apenas em Varadero como a maioria dos turistas mas também em Havana (a maior parte do tempo) bem como em diversas outras cidades como Santiago, Cienfuegos, Santa Clara, Matanzas, Trinitad etc. e procurei a todo o instante perceber o país, perceber a revolução, falei com dezenas de pessoas sempre que possível acerca de política e do regime, e a ideia com que fiquei foi a de um povo com um sentido nacionalista fortíssimo, que se mantém grato às conquistas da revolução, que têm a noção clara que a alternativa ao regime seria a colonização norte-americana, onde alguns, é certo, sairíam altamente beneficiados mas com a qual a esmagadora maioria da população nada teria a ganhar, antes pelo contrário.
Cuba é um país pobre como o são a Guatemala, as Honduras , El Salvador , Haiti, República Dominicana, Costa Rica e todos os outros da mesma região independentemente dos regimes políticos, com a agravante dum embargo de décadas, que apenas prejudica a população e serve de escudo protector a Fidel.
Também eu, tal como Saramago, fiquei surpreendido com estes fuzilamentos. Contudo gostava de saber se o motivo dos mesmos terá sido apenas "delito de opinião" ou se pelo contrário se tratou de conspirações, armadas ou não, contra o regime, e nesse caso gostava de saber como reagiria na conjuntura actual o regime norte americano em caso idêntico. Gostaria ainda de saber quantas pessoas executou George W. Bush enquanto era governador do Texas, sem falar dos milhares de mortos desta invasão do Iraque (certamente muitos mais do que os do atentado de 11 de Setembro em Nova Iorque, por sinal uma das suas justificações...).
Gostei de Cuba e dos Cubanos, passei momentos inesquecíveis naquele país em convívio com aquele maravilhoso povo, que não compete entre sí, que luta solidariamente e que apaixona quem com ele lide de perto.
Conhecí Cubanos (e já agora Cubanas...)que não mais esquecerei.
Não quero nem posso defender Fidel Castro, posso sim afirmar que tendo em conta o enquadramento histórico bem como a situação geográfica de Cuba, qualquer alternativa a este regime, passando necessariamente pela indesejada intromissão norte americana, nada de novo traria à maioria do seu povo.
Meu caro Zé Luis: em primeiro lugar, um reparo. Eu não crítico Saramago por ter dito o que disse. Eu só crítico Saramago por só agora, ingenuamente, ter descoberto a pólvora. De resto, eu sei que ele sabe que eu sei e tu sabes que ele sabe o que se tem passado na Cuba de Fidel. Só que o apego à ideologia impõe militancia cega e o exercício intermitente da mentira ou do silêncio.
Em segundo lugar, ao contrário do que dizes, acabaste por defender Fidel, por via indirecta. Da mesma forma que ficaste surpreendido com estes fuzilamentos, fiquei eu estupefacto com o teu comentário. Há nele uma passagem que é, desculpar-me-ás a sinceridade, uma verdadeira pérola de relativismo moral e cinismo: ”(...) gostava de saber se o motivo dos mesmos terá sido apenas "delito de opinião" ou se pelo contrário se tratou de conspirações, armadas ou não, contra o regime, e nesse caso gostava de saber como reagiria na conjuntura actual o regime norte americano em caso idêntico. Gostaria ainda de saber quantas pessoas executou George W. Bush enquanto era governador do Texas (...).” Tenho, inclusivamente, alguma dificuldade em responder a estas afirmações, aqui, em público.
Podia começar por dizer-te que os EUA são uma democracia (baseada numa sociedade liberal onde o respeito pela liberdade de expressão é um dado adquirido); que a pena de morte, onde vigora, é apoiada por 70% da população (sondagem feita já este ano); que, embora não concorde com a pena de morte, reconheço que as execuções praticadas no Estado de Bush estão legal e juridicamente sustentadas e previstas; que comparar a pena de morte, enquanto sentença de um estado de direito, onde o primado da lei é regra, com execuções sumárias, por delito de opinião, perpetradas por um regime ditatorial, é hilariante, etc. etc. etc. Mas não vou por aí. Vou antes por outro caminho, entrando no teu «jogo». Vamos supor que sim, que Bush é um monstro; que também ele mandou executar muitos inocentes; que os EUA são, no mínimo, uma plutocracia; que a intervenção no Iraque é uma «invasão» infame com intuitos estritamente económicos, na qual não houve o menor respeito pelas populações civis – ou seja, vamos supor que todas as teorias da conspiração, e os factos que as sustentam, se confirmam e que a natureza da administração Bush é maligna. Pergunto-te, então: servirá isso para desculpar o que se passou em Cuba, recentemente e nos últimos quarenta anos? Um acto brutal, atentatório dos mais elementares direitos humanos, poderá ser desvalorizado, desculpado ou justificado com o exemplo de outros? Será possível, um dia, ver os que sofrem de ‘esquerdite aguda’ discutir de cabeça limpa a realidade cubana, sem recorrer a exemplos comparativos altamente duvidosos, ou histórica e moralmente incomparáveis? Como é possível continuares a ser complacente para com o regime de Fidel, com base no simples facto de já teres lá estado (so what?) e teres constatado um forte sentimento nacionalista? Desde quando o orgulho de ser cubano (ou de pertencer a qualquer outro país) rima com uma adesão incondicional ao regime vigente? Quererás com isso dizer que os milhares de cubanos que tentaram fugir de Cuba, ao longo destas últimas décadas, não são patriotas? Não gostam do seu país? São traidores? Que confusão é essa entre regime/Estado e país/nação? Que comentários farás relativamente aos relatos e provas materiais que envolvem Fidel e o seu regime autocrático a milhares de assassinatos, à perseguição, clausura e tortura de cidadãos (incluindo a famosa «tortura limpa», utilizada na Alemanha de Leste) pelos simples facto de pensarem de forma diferente? Compreenderás que uma parte da população cubana já nasceu sob o jugo de Fidel, não tendo ainda saboreado o que é isso da “liberdade" (de expressão e não só)? Terás percebido que franjas há da população que servem abnegadamente o regime? Que os meios de propaganda de Estado são dos melhores, à boa maneira marxista-leninista? Porque te eriças tanto com Pinochet e emudeces com Fidel? Em suma: onde tens vivido nos últimos anos? A que fontes tens recorrido? (deixa-me adivinhar: Chomski, Ramonet, Hardt, Negri & Klein Lda.) Não tens lido, ao menos, os relatórios da A. I. sobre Cuba?
Por último, um comentário à seguinte afirmação: “Gostaria ainda de saber quantas pessoas executou George W. Bush enquanto era governador do Texas, sem falar dos milhares de mortos desta invasão do Iraque (certamente muitos mais do que os do atentado de 11 de Setembro em Nova Iorque, por sinal uma das suas justificações...) Recuso-me, como é evidente, a fazer a atroz contabilidade dos mortos. Considero intelectualmente desonesta a forma como tentas misturar conflitos para justificar ou desvalorizar o que se passou em Cuba. O que não é novidade em ti e nos teus correligionários. São vocês que passam o tempo todo a comparar o 11 de Setembro de 2001 com o de 1973 no Chile, com o Vietnam ou com as vitimas da Palestina. Porque não falar, também, das vitimas israelitas, do Afeganistão, de Angola, do Camboja, da Coreia do Norte? Ou noutras quaisquer? Há comparações absurdas. Há exercícios torpes e indignos. Misturar tudo com o intuito de amenizar ou contextualizar situações díspares é ofender a memória das vitimas, de todos os conflitos. É, aliás, a forma mais rápida para se chegar ao relativismo mais selvagem onde, no fundo, não há bem nem mal, certo ou errado.
Resta fazer-te “a” pergunta: para ti Fidel é ou não um ditador que oprime o seu povo e que beneficia, há décadas, da benevolência da intelligentsia ocidental? - a mesma que, entre um croissant numa esplanada parisiense, um bife da sola num qualquer restaurante chic, um passeio indignado pela Avenida da Liberdade, ou um mil-folhas na esplanada do CCB, lá vai achando imensa piada ao pitoresco de uma ilha situada algures nas Caraibas, achando que o povo nativo está bem melhor assim do que uma “indesejada intromissão”...
Recebe lá um abraço. Do MacGuffin.
PS: Saramago um dos maiores vultos do nosso país, juntamente com Siza e Oliveira? Ok. E depois? Desde quando um «vulto» está imune à hipocrisia, à estupidez, à duplicidade de critérios, etc. etc. Se fossemos à história do Sec. XX, quantos «vultos» não encontrarias tu a apoiar os “autores das proibições mais brutais”...
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