O MacGuffin: Este país não é para ninguém

quinta-feira, março 20, 2008

Este país não é para ninguém

A M. teve um acidente há dois anos atrás que a deixou paraplégica. A M. praticamente morreu – se não fisicamente pelo menos animicamente. Mas sobreviveu. E, a pouco e pouco, à cadência das horas e dos dias e dos meses, a M. reaprendeu a viver. Durante mais de um ano, viveu acamada, aos cuidados de terceiros. Devido ao seu estado, a M. perdeu o emprego e ficou praticamente na miséria. À M. o Estado atribuiu uma pensão de invalidez de 236,47 euros e outra de complemento de dependência de 2.º grau (por se encontrar acamada) de 163,72 euros. Ao todo 400,19 euros por mês. Para: pagar a uma auxiliar, pagar a fisioterapia, pagar as deslocações, pagar os medicamente e, claro, a comida. Estão a ver, não estão?

Há dois meses atrás, a M. melhorou e pôde, finalmente, sair da cama e passear-se pela casa numa cadeira de rodas. Aventurou-se, há um mês, a sair para a rua. Primeiro resultado deste «atrevimento»: perdeu o complemento de dependência de 2.º grau por «já não se encontrar acamada».

A M. recebeu, há coisa de duas semanas, o convite de uma empresa para trabalhar, sob condições especiais, no departamento de secretariado. Ficou radiante. Andava animadíssima com a perspectiva de voltar a trabalhar. Ao fim de dois anos, a sua condição passava a fazer mais sentido na exacta medida em que se aproximava da condição social e emocional do comum dos mortais. Do seu semelhante. Voltaria a ter amigos e conhecidos, a ter com que ocupar o tempo e as suas capacidades intelectuais (intactas, ao contrário da sua coluna vertebral).

Há dias, recebeu esta singela notícia: devido ao «elevado» montante que passará a auferir (já lá iremos) por conta doutrem, perderá o direito à pensão de invalidez, ou seja, aos 236,47 euros.

A M. continua numa cadeira de rodas. Segundo os médicos, para toda a vida. Continua a precisar de alguém que, por exemplo, a ajude a tomar banho, a cuidar da sua higiene pessoal, de manhã e à noite, a assisti-la quando os inúmeros problemas de saúde colaterais se agudizam. E por aí fora.

Para o Estado, não. Para o Estado, M. não só deixou de ser paraplégica por artes mágicas, como putativamente se passou para o lado dos assalariados capitalistas, com um astronómico rendimento de… (preparem-se…) 500,00 euros (antes de descontos).

Mas a M. é uma lutadora. Continua a sorrir para a vida. Apesar deste país.

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