O MacGuffin

quarta-feira, março 24, 2004

NOTÍCIAS DE UM DÉSPOTA, NO PÚBLICO
Sobre as movimentações do Sr. Eduardo dos Santos, infelizmente nada de novo:

“Um relatório da Global Witness, que hoje é divulgado por esta organização não governamental com sede em Londres, apresenta novas provas sobre os esquemas ilícitos, que em Angola permitiram que a compra de armas, a negociação da redução da dívida à Rússia e o recurso a empréstimos com garantia de petróleo resultassem em avultadas transferências para contas bancárias privadas.
Segundo o documento, os beneficiários são altos dirigentes angolanos e russos, para além de pessoas que, a título individual, ou em nome de empresas, como a petrolífera francesa Elf Aquitaine (depois da aquisição pela TotalFina, transformada em Total), tornaram possíveis essas lucrativas operações.
A Global Witness aponta directamente figuras próximas de José Eduardo dos Santos - Elísio de Figueiredo, ex-embaixador em Paris, ou José Leitão, ex-chefe da Casa Civil - e o próprio Presidente da República de Angola, como tendo recebido dezenas de milhões de dólares em contas na Suíça, no Luxemburgo, algumas depois transferidas para instituições "off-shore" nas ilhas Caimão, um paraíso fiscal nas Caraíbas. O empresário de origem russa, Arkadi Gaidamak, e o homem de negócios francês Pierre Falcone, beneficiaram de elevadas somas de comissões.
"Este documento realça e confirma a quantidade de dinheiro que esteve envolvido, numa altura em que se sabe que ele [Falcone] não terá que responder judicialmente por isso", explicou ao PÚBLICO, Sarah Wykes, da Global Witness.
Pierre Falcone e Arkadi Gaidamak são ambos alvos de um mandado de captura internacional. O primeiro goza de uma imunidade diplomática desde que Luanda o nomeou representante de Angola na UNESCO em Paris, no ano passado. Arkadi Gaidamak recusou-se a comparecer perante o juiz Courroye que conduz a investigação do Angolagate em França.
Depois dos relatórios, "A Crude Awakening" (em 1999), e "All the President's Men" (em 2002), este novo documento "Time for Transparency" debruça-se sobre vários países. Além de Angola, o Congo-Brazzaville, a Guiné Equatorial, o Cazaquistão, e Nauru (no Pacífico Sul) têm em comum o facto das contas do petróleo encobrirem operações financeiras ilícitas, que ascendem a milhares de milhões de dólares.
Sobre o exemplo angolano, porém, a Global Witness realça: "Não há exemplo mais severo dos efeitos devastadores do desvio de receitas e da corrupção estatal do que o de Angola, onde uma em cada quatro crianças não viverá até aos cinco anos".
O objectivo do relatório não é desencadear uma investigação judicial, mas sim "motivar mudanças nas políticas governamentais, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento", esclarece Sarah Wykes. "Mas obviamente se as autoridades [que têm essa competência] considerarem que há matéria criminal, então compete-lhes a elas investigar".
Este documento surge numa altura em que o Governo de Angola tenta uma aproximação ao Fundo Monetário Internacional (FMI), e se esforça por apresentar, a nível internacional, uma nova imagem de credibilidade e transparência.
E é publicado depois de em Janeiro último, o relatório de outra ONG internacional, a Human Rights Watch (HRW), ter comprovado o desaparecimento de quatro mil milhões dólares, das contas do Estado angolano, entre 1997 e 2002. Também com base em dados do FMI, a Global Witness vai mais longe e conclui que o desaparecimento de fundos eleva-se, em média, a 1,7 mil milhões de dólares por ano entre 1997 e 2001. O valor superior deve-se ao facto da organização somar às discrepâncias verificadas nas contas as despesas extra-orçamentais.
O receio da organização é que as mesmas estruturas instaladas para pilhar os recursos do Estado, durante a guerra, continuem em prática, não havendo por isso garantias de transparência no processo de reconstrução, considera o relatório, que realça ainda o facto de não haver ainda data para as eleições.
Além disso, tendo em conta os esquemas conhecidos em torno da negociação para a redução da dívida à Rússia, a organização considera preocupante a falta de informação sobre a negociação mais recente da reestruturação da dívida de Angola a Portugal, embora sem apresentar dados objectivos.
Algumas das somas transaccionadas no âmbito da negociação da dívida à Rússia, estão depositadas em bancos "off-shore" nas ilhas Caimão, onde continuaram a entrar somas relativas a recentes empréstimos, contraídos por Luanda depois do fim da guerra, segundo o relatório.
Esses empréstimos - com garantias de petróleo - são prejudiciais para o interesse nacional, por favorecerem práticas ilícitas mas também pelos elevados juros praticados em troca da disponibilização imediata do dinheiro. Essa era uma prática corrente durante o conflito e servia para a compra de armamento. Mas mesmo com a paz instalada, a Global Witness receia que os "mecanismos de desfalque enraizados durante a guerra sejam simplesmente redireccionados para lucrar com a reconstrução do país".
Ao contrário do que é recomendado pelo FMI, "o Futungo [de Belas] continua a contrair empréstimos garantidos com petróleo, e o rendimento petrolífero do país permanece totalmente não transparente".
Em 2003, o Governo angolano contraiu um novo empréstimo, de bancos estrangeiros (como a BNP Paribas ou a Société Générale) garantido por petróleo, através das ilhas de Caimão e que, dessa vez gerou mais de mil milhões de dólares. "Foi até agora o maior empréstimo de Angola", lê-se no relatório que realça ainda a possibilidade de estar a ser utilizada uma estrutura pouco transparente numa companhia "off-shore".
E conclui: "Dados os enormes valores que já desapareceram das contas do Governo, o uso de uma estrutura não transparente e tão complexa para gerir um empréstimo desta dimensão é claramente razão para grande inquietação".

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