O MacGuffin

quarta-feira, março 26, 2003

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Comentário de Luis Santos:
”Permita que, depois de ler os posts do seu blog, lhe diga que a única coisa que não faz de si um "liberal clássico" é talvez a pouca apetência pela teoria económica. É uma velha tese minha que um "conservador" oakeshottiano só não se assume inteiramente como liberal clássico porque mantém alguns cantos escuros de desconfiança relativamente a uma "ordem de mercado" (ou "cataláxia"), como Hayek chamou àquilo que não é mais do que a tradução económica da nomocracia oakeshottiana. Julgo que a Escola Austríaca de Economia - que, não por acaso, é burkeana desde Carl Menger e assumidamente com Hayek - é um ponto confluência ainda negligenciado entre liberais clássicos e (falsos) "conservadores" à Burke e Oakeshott - e utilizo as aspas porque creio que o termo que assim empacoto é uma fonte insanável de equívocos.”

Caro Luis: no geral estou de acordo consigo. Mas impõem-se alguns pequenos ajustes. Para isso, voltemos a Oakeshott.

Fala o Luis em “conservador” Oakeshottiano. Muito bem. Nunca é demais lembrar que o conservadorismo de Oakeshott, embora não colidindo com a base do conservadorismo “latu sensu”, é particular e próprio. Se, tradicionalmente, o conservadorismo baseia a sua posição numa crítica à tentativa de substituir um sistema de «direitos» e «deveres» «naturais» por um plano geral de ajustamentos, para Oakeshott esses direitos não devem ser vistos como «naturais», antes como «históricos» e «relativos». Oakeshott nunca concordou com a natureza «natural» (passo o pleonasmo) e absoluta dos «direitos». Como ele próprio escreveu em Contemporary British Politics, esta visão é uma visão inerente à forma mais simples de concepção da sociedade baseada na «lei natural». “A verdade é que nós não começamos por ser livres: a estrutura da nossa liberdade é constituída pelos direitos e deveres que, através de um esforço longo e doloroso, foram estabelecidos na nossa sociedade. As condições da individualidade não são limitações; não há nada para limitar. E os ajustamentos dessas condições não são interferência (a não ser que sejam ajustamentos genéricos); eles são a continuação do que foi alcançado.”

Mas eu penso que, ao contrário do que o Luis afirma quando refere "a desconfiança relativamente a uma ordem de mercado", Oakeshott criticou o liberalismo (que considerava conter resquícios do Iluminismo/Racionalismo) num plano puramente filosófico. Embora se reconheça que Oakeshott se tenha posicionado de maneira a distanciar-se do materialismo e economicismo, sabe-se também que ele o fez mais no sentido de colocar a discussão num plano mais elevado do que propriamente com o intuito de «criticar». Como ele defendia, a filosofia política não pode apenas dar voz às opiniões políticas que advêm do ordinary self-understanding. O que ele criticou no liberalismo não foi tanto o carácter economicista (caramba: Oakeshott era contrário a qualquer economia planificada e reflectiu sobre isso sem qualquer constrangimento), mas antes a uma certa propensão para o historicismo servido pelo pragmatismo. A este propósito, convinha referir que, ainda hoje, decorre um apaixonante debate sobre se a teoria da associação civil de Oakeshott é uma teoria liberal ou se ela é sobretudo uma forma sofisticada de política tradicionalista.

Quanto a Burke, há diferenças. É verdade que o tradicionalismo de Oakeshott não destoa do de Burke. Mas há diferenças de perspectiva. Principalmente porque Oakeshott achava a tradição iminentemente contingencial, difusa, incoerente – e que interessava que assim fosse. Ele próprio afirmou que não é de todo incoerente ser conservador em relação à governação e radical relativamente a qualquer outra actividade.

Oakeshott e Hayek. Embora o pensamento Oakeshottiano não encaixe no liberalismo deontológico, é inegável a existência de pontos de contacto entre ambos. É certo que a filosofia política de Oakeshott é menos atomista e contrária ao individualismo «negativo», próprio do liberalismo clássico (daí que haja em Oakeshott uma suave brisa Hegeliana). Mas basta ler Hayek quando este discorre sobre como deve ser entendido o individualismo, em Individualism: true and false, para perceber onde eu quero chegar... Já para não falar no conceito abrangente de «mercado» preconizado por Hayek.

Finalmente, mesmo correndo o risco de simplificação e de algum atrevimento conceptual, a grande diferença entre o conservadorismo (Oakeshottiano ou não) e o liberalismo, poderá encontrar-se no facto de o conservadorismo estar contra a efectiva concentração de poder, defendendo a dispersão do mesmo, quer ele esteja concentrado no Estado ou no governo, quer numa organização ou num grupo privados, num partido, num sindicato, numa pessoa ou num grupo de. E que, tal como Oakeshott referiu, é o Rule of Law, e não um sistema mais ou menos baseado no laissez-faire, que se poderá opor ao central social planning e às nefastas concentrações de poder.
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