O MacGuffin: abril 2013

domingo, abril 28, 2013

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Uma análise simplista

(Divertimento N.º 12 em Mi Bemol para orquestra de sopros e cordas; não levar a sério)

Um alienígena que visitasse, por estes dias, Portugal e pretendesse, por masoquismo, inteirar-se da cena política portuguesa, poderia facilmente ser levado a concluir, pelo tom lúgubre e o teor tremendista de certas intervenções, que no governo do país estaria o governo-patife de um partido-patife. Do outro lado, estaria um partido-herói chamado PS, fartíssimo da situação e empenhado na remoção do governo-patife do partido-patife – partido que, após décadas de permanência no poder, apesar de democraticamente legitimado, teria capturado as instituições do Estado, abusado da sua posição privilegiada, e conduzido um país que gozava de condições financeiras e económicas normais (ou até mesmo favoráveis), a um estado de pré-falência. A impaciência agressiva e exasperante de algumas figuras do partido-herói não deixaria margem para outras conclusões.
Aprofundando o tema em apreço, o alienígena chegaria a outra personagem do regime – um tal de Presidente da República –, aparentemente responsável por bloquear, há décadas, as intenções do partido-herói de remoção do governo-patife - e, por isso, visceralmente odiado por quem dele vinha exigindo a sumária demissão do governo-patife.
Pelo caminho, o alienígena teria dado conta de que o partido-herói andava entretido com uma coisa chamada «congresso», evento marcadamente imagético e propangadista, empenhado em entronizar um secretário-geral amado por um séquito; tolerado, por tacticismo, embora doutrinariamente odiado, por outro grupo; suportado, por camaradagem, pela generalidade das «bases»; e considerado, pela generalidade dos portugueses, como anémico e sofrível.
Tudo isto, concluiria o alienígena, em torno de uma santa causa: a remoção do governo-patife. Remoção que estaria, depreenderia, finalmente, o alienígena, iminente: “Seguro pede maioria absoluta mas promete governo coligado”, leria o alienígena num jornal de referência.
Por último, o alienígena visionaria, na televisão, uma outra figura política: a de um ex-primeiro-ministro, que teria governado num tempo já longínquo, e cuja agastada fácies e o permanente recurso a expressões marcadas pelo rancor, indiciaria ter sido alvo de grandes injustiças.
Nota final: nos últimos dezassete anos e meio, o Partido Socialista governou cerca de treze anos o país. Ou seja: 73% do tempo. Isto é: cerca de 3/4. Este governo está no poder há dois anos. Chegou ao poder com um programa de resgate para cumprir, que condicionaria indelevelmente as suas opções políticas. Aparentemente, dois anos é muito tempo. Não se pode, por isso, compreender como pode um PR ficar quietinho.

sexta-feira, abril 26, 2013

O que para aí vai

O Daniel que me desculpe, mas este post é inacreditavelmente parvo. E, penso, potencialmente ofensivo para quem sofreu, na pele, o regime opressivo, estupidificante, irascível, do Estado Novo.

Não há comparação possível entre um regime ditatorial, seja ele 'mild' ou brutal, e a democracia em que vivemos. Nenhuma.

Entendamo-nos. Seria incivil mostrar um optimismo bacoco pelo momento actual. Ou fazer crer que este governo tem feito do bom e do melhor para ultrapassar a crise em que mergulhámos. Temos o direito, e nalguns casos o dever cívico, de nos manifestar e de exigir, deste poder, respeito, competência, dedicação à causa pública (até em coisas aparentemente simples, como o dever de um ministro explicar, ao povo, a opção política A ou B). Podemos discordar, ou achar insuportável, o carácter pusilânime ou tacanho das intervenções do Presidente da República. Podemos considerar que a tecnocracia manga-de-alpaca do ministro da Finanças é estupidamente rígida, ortodoxa, casmurra. Podemos, até, esquecer, para efeitos de retórica ideológica, que Portugal está sujeito a um espartilho de opções políticas, que advém do aperto económico-financeiro ditado pelo programa de resgate (que impõe metas e medidas, conducentes ao seu cumprimento). Não será curial, mas não é, certamente, grave.

Mas há limites. E um limite pode ser este: não estamos a sofrer, nem por sombras, o que os nossos compatriotas sofreram no pré-25 de Abril. Não podemos convocar o tipo de heroísmo e de resistência que manifestaram, então, para fazer a ponte com a «luta» contra as políticas de que discordamos, agora.

Há mais de 39 anos, os portugueses eram encarceradas, sujeitos a tortura, nalguns casos assassinados. Os jornais, as peças de teatro, os livros, as manifestações culturais, eram objecto de censura. Aliado ao medo da perseguição, por delito de opinião, sedimentava-se o silêncio e a auto-censura. Vivia-se num clima de medo: não o medo de perder o emprego ou de perder um subsídio de férias, mas o medo de perder um filho ou um familiar, de acabar preso, torturado ou no convés de um navio, a caminho de uma guerra estúpida.

Pela memória dessa gente, haja pudor no que se diz e no que se evoca. Nem tudo pode servir de arma de arremesso político.

E viva o 25 de Abril.

quarta-feira, abril 24, 2013

Os MOOC

Isto é interessante:
"Parceiros de 11 países uniram esforços para lançar a primeira iniciativa «MOOC» (cursos em linha abertos a todos) pan-europeia com o apoio da Comissão Europeia. Os MOOC são cursos universitários em linha que permitem às pessoas aceder a um ensino de qualidade sem terem de abandonar os seus lares. Cerca de 40 cursos, que abrangem uma vasta gama de temas, estarão disponíveis gratuitamente e em 12 línguas diferentes. A iniciativa é liderada pela Associação Europeia de Universidades de Ensino à Distância (EADTU) e envolve principalmente universidades abertas. Os parceiros estão situados nos seguintes países: França, Itália, Lituânia, Países Baixos, Portugal, Eslováquia, Espanha, Reino Unido, Rússia, Turquia e Israel."
Mais informações aqui.

terça-feira, abril 23, 2013

O truque dos tamanhos XL

O Estado das Artes

"Perdoar-me-ão a conjugação pronominal reflexa nestes tempos dados à simplificação, mas dever-se-ia dizer em geral da cultura aquilo que Natália Correia disse da poesia: que era para comer. 
Em Portugal, a cultura sempre andou associada a uma certa pomposidade e snobismo e, por natural arrasto, ao seu inverso, o popularucho bimba, a cultura popular arrasada nos anos do cavaquismo, instrumentalizada que fora pelo antigo regime, promotor do pobrezinho mas honesto: por detrás das sete saias da Nazaré muita miséria se escondia. 
Acabamos de atingir um novo patamar. Após 11 anos regidos por um engenheiro que começou por assinar projectos de pato-bravo no Portugal profundo para acabar a comprar roupa por medida no 420, Rodeo Drive, e governados hoje por um homem que, nas sábias palavras de António Lobo Antunes, evidencia quão curiosos são os caminhos do Senhor – “Deus serviu-se de Filipe La Féria para termos este primeiro-ministro. Deus teve de escolher entre duas desgraças. E preferiu que ele fosse primeiro-ministro a cantor” –, estranho seria se não andássemos baralhados. 
É assim que dizemos bye bye a Paula Rego enquanto acolhemos com veneranda deferência Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda, ou assistimos mudos e quedos ao assassínio d’ Os Lusíadas por José Luís Peixoto. 
Não me interpretem mal. Eu sei que à luz da ciência moderna, provar que um verso de Camões vale mais do que 500 frases de Peixoto é tarefa inglória. Tão inglória como provar que o truque dos tamanhos XL da Joana Vasconcelos não passa disso mesmo: de um truque. Mas isto: “Tágides do Tejo, ninfas de ninfetice total… emprestem-me ainda um resto do vosso ninfetismo…”?! Por muito menos escreveu Almada o “Manifesto anti-Dantas e por extenso”."

segunda-feira, abril 22, 2013

"Os comentadores têm uma linguagem apocalíptica"


Entrevista de Miguel Esteves Cardoso ao Correio da Manhã (por Fernanda Cachão):

Correio da Manhã - Porque é que ‘É linda a puta da vida' ?Miguel Esteves Cardoso - Porque quando a gente vê o azar das pessoas - além do azar supremo que é morrer - percebemos isso. Somos todos fraquinhos e a desgraça começa cedo. O bebé chora porque não compreende o que lhe está a acontecer. A desgraça é logo ali. A ‘desgraça linda' porque o bebé dá um trabalhão mas os pais gostam dele. É a parte linda que nos tem ligados à vida.
 
- Que nos faz gostar de viver?...É mais preferir viver do que a alternativa. Sempre quis descobrir aquilo por que toda a gente passa. O que me faz impressão é a acédia [indiferença]. Santo Agostinho falava disso. 
- Vivemos tempos de acédia?
Foi sempre assim. O nosso tempo nunca foi especial em nada. As pessoas já andam a falar da indiferença há muito. Aquela coisa do "comer para cagar" - é terrível mas é muito nosso. A acédia é aquilo que se deve evitar na vida.
 
- Boa parte das crónicas são de uma grande exposição da sua vida privada ou não é bem assim?- Quem escreve crónicas está exposto e tem obrigação de correr esse risco. Por exemplo, em ‘O Independente' não havia ‘off the record'. O que sabíamos, publicávamos. Publicávamos e lixamo-nos algumas vezes, sobretudo com os políticos que têm a tendência para "eh pá, aqui entre nós". À portuguesa é assim: publicamente comenta-se "ah, o livro dele é muito interessante" e depois, pelas costas, diz-se "eh pá, ele ainda é meu primo, conheço-o e está um bocado na merda". Os portugueses gostam muito dessa hipocrisia. O leitor pode até dizer que é embaraçoso mas quando se pensa que a pessoa que se ama pode morrer, onde está o desprendimento para escrever sobre flores? 
- Houve um momento em que decidiu: vou escrever sobre a Maria João?- Os homens são muito ‘show off' com as namoradas. Em 2000, quando casei fiz toda a revista de ‘O Independente' com o casamento. Não há mais ‘show off' que isso. Se eu escrever "a Maria João" fico acompanhado, ajuda-me a escrever. Já não consigo dissociar-me muito bem dela. Um casal tem uma vida própria. O [escritor] Julian Barnes perdeu a mulher, que ele adorava, em 38 dias. Ele diz que quando se perde uma pessoa perde-se mais do que isso, perde-se a vida com aquela pessoa. Ela morre e ele fica menos de que meia pessoa. Isto tem um preço enorme. As pessoas cuidadosas, nas relações de namoro, guardam um sítio para onde voltar se tudo correr mal. No meu caso e no dela, não há sitio para voltar. 
- E isso é mau ou é bom?- É muito bom quando tudo está bem. 
 - Como escreve as crónicas?- Escrevo a partir das sete da tarde e depois, no outro dia, acordo cedo e revejo. 
- Como escreveu ‘A Carta a Deus', a crónica que abre o livro?- Tinha muito, muito mais caracteres. Foi quando ela estava no IPO com um tumor no cérebro e pensávamos que ia morrer. Não havia nenhuma esperança. Escrevi num apartamento emprestado por uma amiga dela na primeira noite que passei sem ela... Eu sou religioso e pensei: "eh pá, nunca se sabe...". É um comportamento a evitar porque é de quem se lembra de Deus porque está à rasca ... mas enfim. 
- Escreveu que uma crónica intitulada ‘O amor é um exagerador´. É mesmo?- Sim. É muito estranho querer estar só com uma pessoa da raça humana. O amor é um exagero. Aquela coisa "Como é que é possível, ela gostar dele que é tão horrível?" É uma coisa mágica. Duas pessoas que se encontram e formam uma unidade. Quando se vive assim, tudo é traição: "Ah, estás mais interessado em ler o jornal do que em falares comigo?!" No amor tudo pode ser traição. O amor é uma parada muito alta. Qualquer coisa pequena é uma coisa dramática. O amor é um exagero por isso. É tudo vivido à lupa. Há muita gente que acha de mau gosto. De mau gosto é uma pessoa fingir. Nós que já passado pelo cancro da mama, quando chegámos ao IPO [por causa do tumor no cérebro]. No IPO encontrámos imensa gente com muita coragem. Nem parecia Portugal. A coragem, afinal, não custa. O cancro dá o susto que faz com que as pessoas apreciem a vida. 
-Andou sempre a escrever sobre coisas da vida privada, em detrimento da vida pública em tempos de crise. Porquê?- Eu escrevo sobre política e economia mas toda a gente se queixa é muito "boring" ("aborrecido"). Eu fiz a licenciatura em Manchester e doutoramento em Ciência Política. Sou oficialmente chato. 
- Mas lê as notícias nos jornais?...- Eu leio só o que me interessa. Quando estava deprimido lia tudo, a ficha técnica, o tempo, tudo. Hoje em dia leio artigos de opinião, sobre artes. Notícias, não leio tanto. 
- Publicou a crónica ‘Amo-te Portugal', em 2011. Ainda gosta do País daquela maneira ou acrescentava um parágrafo ou outro?- Gosto ainda mais do País. Mesmo na maneira como se reage à crise. Os portugueses têm uma grande coragem. Essa coragem pode ser uma forma de resignação, de paciência, mas isso é uma coisa formidável. É resistência verdadeira. Este país é teso, já está cá há muito tempo, já teve invasões, fomes, pestes. Falamos todos a mesma língua e entendemo-nos uns com os outros. Isto continuará aqui e vai melhorar. E mesmo que fique tão mau como há 20 anos, a vivermos todos com muito menos dinheiro, vamos resistir. Querer comprar menos, é libertador. As pessoas dizem que falam que ninguém tem dinheiro para nada perderam um bocadinho a autoridade porque já andam a dizer isso há mais de dez anos. É um discurso histérico. Se virmos a história do País, a história das nossas vidas, dos nossos avós, percebemos que não estamos assim tão mal. Toda a gente fica muito chocada, sobretudo os povos do norte, quando chegam a um país do sul e reparam que os cafés estão cheios. O que estão à espera? Pessoas a chorar, caídas para o lado?! Os europeus do norte e do sul são muito diferentes. Por exemplo, na Inglaterra, o tempo está horrível, as pessoas ficam em casa. Trabalha-se mesmo bem nesses países. É como aquela história do jornalista da New Yorker que ao reparar nos grupos de turistas dinamarqueses e suecos de férias em Reykjavík, diz ao miúdo islandês: "Eles divertem-se mais do que vocês". E o miúdo responde-lhe: "Yes, eles são dos países quentes". Os brasileiros falam de nós como nós falamos dos ingleses. É tudo muito relativo. 
- O Miguel é mais português do que inglês?- É cinquenta, cinquenta por cento. Estou muito bem ser meio inglês mas escolhi viver aqui. Já não vou a Inglaterra há 25 anos. Está tudo dito. O que a Inglaterra tem de bom chega-me por correio ou pela internet. Não é preciso estar lá. 
- A palavra troika serve para um título de uma crónica sua?- Troika... a palavra é tão ridícula! Foi inventada por pessoas do Parque Mayer ou por um comité de Illuminati para dar um instrumento valioso aos humoristas para brincar. Claro que a palavra é usada para esconder os três organismos que estão querer mandar em nós. A Troika é um mau cheiro que vai passar. 
- Não mandam de facto?- Sim e também na Irlanda, na Grécia. Se vocês não fizerem isto, nós não damos dinheiro. 
- Quando ouve falar da ‘falência do estado' o que lhe ocorre?- Nós vivemos muito do Estado. Adoramos o Estado. Um país feliz era um país em que todos fossemos funcionários do Estado. Nós gostamos muito do Estado e fazemos muito bem. O Estado é uma grande ideia. O SNS é uma grande ideia. Sem ele, a Maria João não estava cá. Portanto o Estado não pode falir. Os comentadores têm uma linguagem apocalíptica. 
- Porque acha que o seu amigo Paulo Portas não foi à tomada de posse dos novos ministros e secretários de Estado?- Eu sou muito amigo do Paulo [Portas] precisamente porque não falarmos dessas coisas. Não falo. Não sabia também que ele não tinha ido. Para mim é uma grande perda de tempo. A Maria João ensinou-me isso. Nos últimos dois anos lembra-se de alguma notícia de que tenha gostado? É tempo perdido. 
- A trica política não lhe interessa?- A coisa política nunca me interessou. Nunca, nunca. Agradeço que haja políticos. Agradeço que governem porque acho que deve ser uma chatice governar porque tem de se acordar cedo, lidar com aqueles números, ter que mentir... Uma pessoa deve chegar ao fim do dia e detestar-se a ela própria. 
- Acha que sim?- Sim. É um trabalho que alguém tem de fazer e até pode ser que haja alguém que goste, mas eu fico sempre espantado que haja quem se candidate a primeiro-ministro, a deputado, que queira ser político... 
- Mas a si já lhe apeteceu..- Sim, mas foi pelo PPM. Eram poucas pessoas: eu, o Luís Coimbra, o Gonçalo Ribeiro Telles e mais três ou quatro amigos. Estamos a falar doutra coisa. 
- Disse numa entrevista à RTP que José Sócrates achava que não o compreendiam enquanto primeiro-ministro. Acha que Pedro Passos Coelho pensa o mesmo?- O Passos Coelho parece uma jóia de pessoa, extremamente simpática e sem pretensões. As pessoas zangaram-se por ele continuar a viver em Massamá. O crime! O snobismo que anda por aí. Zangaram-se por assinar Pedro no Facebook... O Passos Coelho que parece genuinamente ser boa pessoa, deve estar à beira de um ataque cardíaco. O homem não tem culpa nenhuma. Ele está a fazer o melhor que pode. 
- E o Cavaco Silva também está "a fazer o melhor que pode"?- Esse está em esforço para não falar e não fazer merda. Portanto, também deve estar a sofrer muito. Ele gosta de mandar e sempre esteve habituado a mandar. Ele deve apetecer-lhe falar e não pode para manter aquela ficção de representar todos os portugueses. Quem é que pode representar todos os portugueses? Ninguém. Uma pessoa não pode representar toda a família quanto mais todos os portugueses. 
- O que achou de Francisco José Viegas, quando saiu do governo, ter escrito que mandava um fiscal das Finanças "tomar no cu" se ele lhe pedisse um recibo?- Não sabia disso mas acho bem dito. Ele é contra a coisa da factura? Também eu! Os europeus não descansam enquanto não tiverem tudo fiscalizado. Os europeus do norte têm aquela coisa - "eles não pagam impostos". Como se alguém gostasse de pagar impostos! Estão a tentar a acabar com ‘o por fora'. O ‘por fora' é o fundamento da sociedade portuguesa. 
- Os portugueses lidam mal com o palavrão, com o impropério?- Acho que são hipócritas. Os portugueses desabafam muito mas é quando chegam a casa. Chegam a casa e dizem "estou mesmo fodido", mas no trabalho é "com certeza senhor doutor". Depois são os comentadores que têm qualquer coisa de governante frustrado. Um ministro não pode desabafar. Aquela coisa do Facebook do Pedro é um gesto de ingenuidade mas não tem mal nenhum. E eu nem sequer o conheço, nem sou do PSD. 
- E não gostava de o conhecer?- Não. Ficava com muita pena dele. Ele é muito novo, e apanhar com isto... 
- O que é que Portugal devia ser?- Portugal devia continuar com tudo o que consegue manter. Não querer mais nada, não é preciso. Não é preciso coisas de fora. Manter o Serviço Nacional de Saúde já era uma grande conquista. Manter o salário mínimo. Manter todas as conquistas do 25 de Abril. 
- Porque é que nunca respondeu ao texto que o historiador Ramada Curto escreveu sobre a sua defesa do historiador Rui Ramos?- Esse senhor sabe fazer polémica. É aquele estilo antigo das pessoas que sabem fazer polémica. Gostei imenso da maneira como ele respondeu. Eu fui mal-educado e ele respondeu-me muito bem, que é sempre a melhor maneira de responder. 
- Em Portugal evita-se as polémicas?- As polémicas do Camilo eram extraordinárias. 
-O que aconteceu do Camilo para cá?- As pessoas têm aquela coisa corporativa. Os historiadores não dizerem mal dos historiadores. Os jornalistas não dizem mal dos jornalistas e por aí a fora. Só de vez em quando estala. O público é que fica defraudado. As polémicas e os ódios existem, só que estão escondidas. É uma pena. Se pudéssemos registar as conversas incandescentes... Isso foi sempre a coisa mais surpreendente na altura de ‘O Independente'. Em ‘of record', os políticos dizem tudo, contam tudo. Até coisas altamente íntimas, coisas que são mesmo ‘too much information' [demasiada informação]. 
- O que aprendeu enquanto director de ‘O Independente'?- Aprendi que o jornalismo é muito divertido. É muito giro ter um jornal. 
- Gostava de voltar?- Acho que as pessoas novas é que têm essa obrigação. 
- E qual é a obrigação das pessoas de 58 anos?- Fiz um jornal, uma revista, a mim ninguém me pode dizer nada. 
- Como foi a fundação de ‘O Independente'?- A parte política era com o Paulo Portas. Fiquei a gostar muito dos jornalistas, sempre me trataram muito bem. Desde miúdo, n' ‘O Jornal', onde encontrei o Fernando Assis Pacheco, o Bessas Múrias e tantos outros. Era um jornal de jornalistas. O dinheiro era deles. Entrei no número quatro de ‘O Jornal' porque escrevi para lá a dizer mal e o António Jorge Branco disse "então vem lá tu fazer melhor". Era muito miúdo. 
- Há um padrão diferente no jornalismo hoje em dia?- Não sei. O que acontece é que as pessoas têm medo. No meu tempo, como havia dinheiro, não havia medo. As pessoas tinham liberdade. Hoje as pessoas têm medo de ser despedidas. Têm medo dos patrões. Aquilo que ‘O Independente' fez, só se pode fazer numa altura de muito dinheiro, para se poder fazer muitos disparates, muitos atropelos. Muitas das notícias não eram muito confirmadas. Era uma inconsciência e eram outros tempos. Naquele tempo, ‘O Independente' era novo porque era irreverente. Naquele tempo era tudo muito cinzento. Hoje já não é assim. 
- Hoje em dia tinha cabimento um jornal como ‘O Independente'?- O ‘Correio da Manhã' é um jornal independente. Tem poder. Toda a gente lê. A independência económica de um jornal é muito importante. O jornalista tem de saber que quanto mais se desbroncar melhor porque lhe vão pagar o salário na mesma. Eu e o Paulo [Portas] fomos milhões de vezes acusados e muitas vezes com razão. O Cavaco nunca fez pressão. Fizemos coisas horríveis. Acusámos pessoas sem razão. Não éramos jornalistas. Estávamos todos a começar. Já foi há muito tempo... 
- Ainda diz que Paulo Portas era capaz de governar o País?- Sim, porque ele é uma pessoa muito inteligente e muito aplicada. Ele é ainda mais inteligente do que parece. E muito mais liberal do que parece. Eu estou a torcer por ele. Não sou do CDS mas sou completamente pelo Paulo Portas. Acho que ele é formidável. 
 - Qual é a sua pior crónica?- Há muitas. Aquelas em que falo de uma coisa e por falar dela, ela deixa de existir. Há pouco tempo escrevi sobre um queijo e no dia seguinte, a pastora deixou de fazê-lo, com medo. As pessoas tem imenso medo da palavra imprensa - aquela coisa do "se alguém lê isto, ainda me lixo". 
- Quando escreve o romance?- Isso dá azar. Vai a caminho. 
- Qual é a melhor crónica do livro?- São as que a Maria João gostou de ler. Ela fica chateada quando não a menciono. 
- O que seria um bom título para os seus 58 anos de vida?- Quanto tinha trinta anos escrevi um artigo para saber se era melhor ter trinta ou vinte e oito. Levei duas semanas a pensar. Cheguei à conclusão que era melhor ter vinte e oito. Idiota!  Passei a maior parte do meu tempo a ler. Tenho muito pouca vida vivida. Agora, com a Maria João, comecei a viver. Antes era um bicho-do-mato. Era muito solitário e com hábitos estranhos. É como tirar uma fotografia. Temos a fotografia da coisa fotografada mas temos morta a memória verdadeira. Um amigo meu foi à Escócia e passou todo o tempo a fotografar. Quando chegou cá, não se lembrava de nada. Aprendi com a Maria João a tirar o olho da máquina e a viver.

quinta-feira, abril 11, 2013

"Shut the fuck up, Donny" *

O Prof. Dr. António Sampaio da Nóvoa anda a brincar com isto tudo. Ou é distraído. Ou, ainda, e com todo o respeito que me merece o Prof. Dr. António Sampaio da Nóvoa, gosta de dizer coisas patetas, polvilhadas com a indignação da praxe. Provavelmente, o Prof. Dr. António Sampaio da Nóvoa pensa, genuinamente, que só ele está preocupado com as pessoas. Não sabemos.

Como lembrou Guilherme de Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas, “não é um despacho definitivo, é transitório, tendo em consideração a necessidade de adoptar procedimentos que vão no sentido de detectar onde estão verdadeiramente os desperdícios, para não sacrificar os serviços públicos de qualidade.”

Além disso, o despacho do ministro das Finanças incide sobre despesas não previamente autorizadas/previstas, ou seja, não incluídas nos orçamentos anuais que os senhores reitores, directores e responsáveis administrativos aceitaram alegremente executar.

Mas o Prof. Dr. António Sampaio da Nóvoa não está sozinho. O Dr. José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, diz que podem morrer pessoas.

O que já morreu, há muito, é o bom senso e um módico de sobriedade (dispenso-me de invocar o velhinho “falem menos, ouçam mais.”)

* Com a devida vénia ao The Big Lebowski

terça-feira, abril 02, 2013

Da blogosfera

O Bomba Inteligente faz dez anos. Parabéns à Carla Hilário Quevedo. Cheers!

O que acontece se retirarmos o sarcasmo ao Manuel Parreira? Está aqui a resposta: Macambúzio.

segunda-feira, abril 01, 2013

Tudo como Dante

Carla Hilário Quevedo, no jornal i:
"Os portugueses adoram regressos. Voltar a ver uma personagem que desapareceu da vida pública desperta no mínimo curiosidade. No caso de José Sócrates, a curiosidade vem acompanhada ou de um ódio visceral ou de uma admiração infantil. Por mim, que faço os possíveis por não endeusar nem animalizar pessoas, vi o regresso de Sócrates com um certo esforço. Noventa minutos de entrevista foi demasiado, mesmo para um ex-primeiro-ministro que interrompia dois anos de silêncio. Isto sobretudo porque o que veio dizer não difere nada no seu conteúdo do que disse durante os seis anos que esteve no poder. Sócrates pode ter estado a estudar em Paris, mas o estudo não mudou nada de substancial. É certo que afinal não foi estudar Filosofia, mas ainda assim tinha uma vaga esperança de encontrar uma pessoa diferente. Fica mais uma vez confirmado que a leitura e o estudo só mudam quem de alguma maneira pode ser mudado. 
O desprezo evidente pelos jornalistas que o entrevistaram é o mesmo que sempre vimos. O seu ataque ao "Correio da Manhã" faz lembrar outros ataques similares. Tudo como Dante. Sócrates veio "tomar a palavra" e veio, sobretudo, apresentar a sua "narrativa". Ora intervir no espaço público manipulando e contando histórias é fazer política. Nada de diferente, atenção, do que fazem rigorosamente todos os políticos-comentadores, uma acumulação de funções tão nobre quanto a de actor-modelo. Todos fazem política, uns em horário nobre, outros com tempo de antena mais reduzido. Sócrates fá-lo-á sem ser remunerado, por isso, o que, num momento em que o trabalho se confunde perigosamente com uma espécie de favor, faz mais mal que bem à sociedade portuguesa. Não sei como será Sócrates agora como comentador, mas temo que infecte os assuntos com o seu temperamento irado e narcísico e acabe sempre a falar dele, de como é vítima das "narrativas" alheias, etc. 
Sócrates aparece num momento especialmente delicado da vida do país, o que me faz pensar que os receios de que aparecesse um demagogo autoritário possam vir a ser confirmados. Quando Sócrates diz que é preciso parar urgentemente com a austeridade, está a ir ao encontro da vontade de milhões de pessoas e a falar directamente ao seu desespero. A população está massacrada, fragilizada, sem recursos nem esperança de recuperação e aparece um ex-governante a lançar uma frase destas. A má notícia é haver quem acredite que a austeridade pode acabar em breve. Isto é perigoso. A notícia divertida é Sócrates poder tranquilamente ocupar à esquerda o lugar ambicionado pelos movimentos radicais de indignados, Que Se Lixe a Troika, etc. O espaço foi aberto pelas circunstâncias, pelas quais Sócrates também é responsável, e pela desistência da política por parte do governo. Sócrates vem ocupá-lo. 
O panorama televisivo do comentário político fica equilibrado, com Sócrates na RTP, Rebelo de Sousa na TVI e Mendes na SIC. Mas enquanto não mudarem o formato do Jornal da Noite de sábado, que se arrasta uma hora e meia até se chegar a Marques Mendes, serei apenas espectadora dos dois primeiros."
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